Mídia e MP: Interlocução com a sociedade

Frederico Vasconcelos

O texto a seguir é um resumo de palestra proferida pelo editor deste Blog na última quinta-feira (24/8), em Florianópolis, durante o “32º Encontro Estadual do Ministério Público”. O evento foi promovido pela Associação Catarinense do Ministério Público, sob o título “A comunicação com a sociedade”.

O repórter –que emitiu opiniões pessoais sobre o relacionamento entre a Imprensa e o Ministério Público– dividiu a mesa com Emerson Garcia, Consultor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), em painel que teve como moderador o Promotor de Justiça Sidnei Dalabrida.

 

A Imprensa e o Ministério Público são duas instituições essenciais para o fortalecimento e consolidação da democracia.

É importante estimular o debate sobre a atuação dessas duas instituições, o que deve ser feito com franqueza, autocrítica e respeito recíproco.

Eis algumas limitações e obstáculos.

A atividade do MP envolve especializações variadas, com as quais muitas vezes os jornalistas não têm maior intimidade.

É difícil imaginar que o cidadão comum seja capaz de distinguir as várias denominações e atribuições dos que atuam no MP. O espaço reduzido das publicações também tende a eliminar o detalhamento dos diferentes graus na carreira.

Em geral o MP é alvo de interesse da mídia quando oferece uma denúncia. E o destaque maior ou menor vai depender do perfil do denunciado.

A cobertura sobre o MP guarda certa simetria com o interesse dedicado ao que ocorre no Judiciário. O fato novo é que a imprensa, finalmente, começou a cobrir o Poder Judiciário por dentro, como instituição, com seus erros e acertos.

Apesar de a mídia ter melhorado e ampliado a cobertura sobre o Judiciário, a maior exposição do Poder não resultou de pressão da imprensa ou da especialização de seus jornalistas –embora os dois movimentos tenham sido simultâneos. Essa abertura se deve, principalmente, ao próprio Judiciário. Foi um processo que ocorreu de dentro para fora.

Sem dúvida, essa abertura foi estimulada pela cobrança da sociedade, que expressa cada vez mais, através da imprensa e das redes sociais, sua insatisfação com a morosidade e a impunidade. Mas a transparência do Judiciário passou a ser uma exigência do CNJ, que emitiu resoluções a respeito, determinando, por exemplo, a publicidade das informações sobre orçamentos, vencimentos, férias, uso de veículos etc.

Não vejo, contudo, a mesma cobrança da mídia em relação ao MP.

No blog, sou permanentemente cobrado por leitores magistrados, que reclamam do fato de a mídia não divulgar os salários, benefícios, dos membros do MP.

A imprensa não faz uma cobertura permanente de fatos relevantes envolvendo o MP (federal ou estadual).

Apenas a título de exemplo: não tem havido maior repercussão na mídia sobre a decisão do CNMP de punir com demissão um procurador da República em São Paulo, decisão suspensa pelo Supremo. O caso é relevante e aparentemente tem fortes implicações políticas.

Não mereceu atenção maior o fato de que o STF, em decisão liminar, impediu o CNMP de punir procuradores com demissão.

Sem dúvida, muitos outros assuntos talvez merecessem maior debate na mídia. Cito a PEC 37, que pretende dar exclusividade do poder investigatório à polícia judiciária.

A chamada Lei da Mordaça é uma tentativa de intimidar o MP. Se aprovada, terá reflexos na atividade da imprensa.

A atuação do MP dos Estados varia de acordo com o grau de independência da instituição em relação ao Executivo estadual. Igualmente, o grau de cobrança da sociedade em relação ao MP nos estados varia de acordo com o grau de independência dos órgãos locais de imprensa.

A maior ou menor transparência do Judiciário e do MP independe da especialização dos jornalistas, pois tem mais a ver como cada administração lida com a opinião pública. Há um obstáculo permanente: a cada mudança no comando desses órgãos, a atuação do responsável pela comunicação, cargo de confiança do gestor, fica sujeita à vontade e disposição dos administradores de prestar contas à sociedade.

Nos últimos anos, houve uma redução de exposição do MP na mídia.

Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério Público Federal era uma das principais fontes do chamado jornalismo investigativo. Foi o período da tese da “simbiose” entre o MP e a imprensa. Essa prática indevida encontrou espaço para florescer na gestão do então procurador-geral da República Geraldo Brindeiro e foi desestimulada pelo sucessor, Cláudio Fontelles. 

No primeiro mandato do governo Lula, a Polícia Federal, com as grandes operações, e uma estratégia de marketing, ofuscou o trabalho do MP. Os protestos contra os excessos midiáticos da Polícia Federal encontraram eco no Judiciário, gerando um arrefecimento dessas operações.

O Judiciário passou, de certa forma, a pautar a mídia, com a criação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ montou uma agência de notícias que hoje abastece a imprensa em todo o país (1,5 milhão de acessos mensais ao site do CNJ na internet e 120 mil seguidores do órgão no Twitter).

Foi o próprio Judiciário quem começou a expor suas mazelas, principalmente com a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça nas inspeções nos tribunais estaduais.

Talvez porque dependessem dos procuradores e promotores como fonte de informação, os jornalistas não faziam reportagens questionando a eficiência do MP. A sociedade desconhece, por exemplo, divergências internas que dificultam as investigações sobre distorções no MP na esfera administrativa.

Demorou, por exemplo, para que viesse a público a falta de comunicação e de dados sobre a atuação do MPF e dos MPs nos vários Estados. Somente em 2009, numa entrevista concedida a este jornalista pelo então secretário executivo do CNMP, foi possível confirmar que o MPF nunca realizara uma correição. Parece-me que a corregedoria do CNMP, numa atuação inaugurada pelo promotor catarinense Sandro Neis, tem estado mais presente nas várias unidades do MP nos Estados.

Quando o STF manteve as prerrogativas de fiscalização do CNJ, houve a expectativa de que esse reforço também alcançaria o CNMP. Pelo que se noticia, o CNMP enfrenta forte reação corporativa. O número de processos disciplinares subiu, mas haveria resistências nas iniciativas para avaliar o desempenho das procuradorias estaduais.

O CNMP está reformulando seu regimento interno para definir com clareza a atuação concorrente em relação às corregedorias dos Ministérios Públicos estaduais e dos ramos do Ministério Público da União.

Chama a atenção o reconhecimento, por muitos procuradores e promotores, da necessidade de planejamento, de fortalecimento dos mecanismos de controle e de inspeções, da importância da aferição de resultados. Ou seja, é o entendimento de que a sociedade precisa conhecer melhor o MP.

Apesar de não haver embaraços no diálogo com a mídia, entendo que ainda há muito a melhorar na cobertura do órgão pela imprensa, com maior transparência, em benefício da sociedade.