Frederico Vasconcelos https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br Interesse Público Fri, 03 Dec 2021 01:34:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Gravações da Lava Jato e impunidade https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/02/26/gravacoes-da-lava-jato-e-impunidade/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/02/26/gravacoes-da-lava-jato-e-impunidade/#respond Fri, 26 Feb 2021 23:09:56 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/Gilmar-Kássio-Nunes-e-Lewandowski-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=49134 Sob o título “As gravações”, o artigo a seguir é de autoria do advogado José Paulo Cavalcanti Filho. (*)

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A Segunda Turma do Supremo, por maioria de três votos (Gilmar, Lewandowski, Nunes Marques) a dois (Cármen Lúcia, Fachin), vai anular a condenação de Lula no caso Triplex. E o deixará, como na sentença de Millôr, “livre como um taxi”. Com fundamento em supostas conversas gravadas, por hackers da The IntercePT Brasil, entre o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro.

Em nosso escritório, tivemos acesso ao Caso Mari Ferrer, em que perícia judicial demonstrou terem sido fraudadas transcrições feitas pela mesma IntercePT.

Não tenho como saber se alguma perícia ocorreu, agora. E é sempre possível que mais uma fraude tenha novamente acontecido. O uso do cachimbo faz a boca torta. Sendo bom lembrar que o voto decisivo, nesse julgamento, vai ser do ministro indicado, recentemente, pelo Presidente da República. O mesmo que, quando candidato, tinha um discurso de moralização do país. E que jamais poderia ter levado, ao Supremo, alguém que é contra prisão em segunda instância e contra a própria Lava Jato.

Seus eleitores foram traídos, senhor Presidente. Não esqueça disso, por favor, quando se sentir tentado a repetir a promessa em alguma eleição próxima.

Gravações valem como prova, para acusar, quando autorizadas pela Justiça. Assim diz a Lei 9.296/1996. E clandestinas (assim está no texto), como as da IntercePT, só para defesa.

Ocorre que desde 1996, com voto condutor do ministro Carlos Velloso (AP nº 307), o Supremo já definiu que gravação clandestina “é a realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro”.

Nada sequer remotamente assemelhado a essas gravações. Não havendo, juridicamente, como beneficiar acusados (Lula, empreiteiros) a partir de gravações fora dessa regra. E, bom lembrar, o art. 10, da Lei diz assim: “Constitui crime realizar interceptações… de informática ou telefônica…”. O que ocorreu, claro, e dá cadeia.

Só que o senador Renan Calheiros, em 10/2/2021, apresentou projeto para anistiar os hackers da IntercePT. Só o nome do autor do projeto já representa uma condenação, para essa gente. E é até coerente. Os iguais se atraem, imitando um imã.

É como se estivesse em curso uma articulação para anular tudo que foi feito, até aqui. E absolver uma tropa enorme de condenados por corrupção, que vão de políticos famosos a grandes empresários.

Tanto que o ministro Gilmar fala, premonitoriamente, em “desdobramentos”. Reproduzindo o que aconteceu, antes (1993), no caso Odebrecht/Lei do Orçamento. Ou (2009) na Operação Castelo de Areia, encerrada por canetada do ministro Asfor Rocha. Depois denunciado, por Antônio Palocci, de ter recebido alta remuneração (não declarada no Imposto de Renda) por esta sentença.

Aqueles três ministros da Segunda Turma preparam, na verdade, uma tese mais ampla, de que a suspeição de Moro contamina tudo. Sem nenhum receio do que possamos pensar deles. É preciso coragem, digamos assim.

Em um Carnaval fora de hora, com todos os condenados longe das grades.  Sem tornozeleira. E comemorando, com uísque envelhecido e vinho caro. Que, então se verá, o crime compensa.

Mais grave é que a decisão de Moro, como juiz de primeira instância, foi depois confirmada, por 3 x 0, no TRF-4, de Porto Alegre. E também, por 5 x 0, pela 5ª Turma do STJ.

Esses julgadores poderiam ter alterado a decisão inicial, caso a considerassem viciada. E não o fizeram. Por ser correta. Sem nenhuma indicação de que três desembargadores federais, mais cinco ministros, sejam também suspeitos.

Em resumo, para o indeterminado cidadão comum do povo, resta somente a indignação represada por ver, novamente, o triunfo da impunidade. E, longe, o sonho de um país limpo.

(*) Ex-ministro da Justiça interino no governo José Sarney (1985) e membro da Academia Pernambucana de Letras, o autor escreve no Jornal do Commercio, do Recife.

 

 

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STF nega liminar contra ‘robotização da humanidade’ atribuída a Bolsonaro https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/14/stf-nega-liminar-contra-robotizacao-da-humanidade-atribuida-a-bolsonaro/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/14/stf-nega-liminar-contra-robotizacao-da-humanidade-atribuida-a-bolsonaro/#respond Wed, 14 Oct 2020 17:53:25 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Célio-e-Cármen-Lúcia-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=48331 A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento a habeas corpus impetrado por Célio Evangelista Ferreira do Nascimento, em benefício próprio “com efeitos sobre todas as pessoas membros da nação”.

No habeas corpus, figuram como coatores o presidente da República, Jair Bolsonaro, e os governadores dos Estados e do Distrito Federal.

O autor alega –entre outras incongruências na “ininteligível petição”, no dizer da relatora– haver um “programa de robotização da humanidade ao domínio da China que Xi Jin Ping e Jair Messias Bolsonaro deflagraram em 188 nações”.

O objetivo, ainda segundo o autor, seria “a transformação do mundo na ‘pátria grande’ iniciada com Brasil e China, o qual as pessoas são submetidas a cárcere vigiado por máscara na cara, substituindo a tornozeleira eletrônica, em regime de sequestro econômico do país (…).”

Em seu relatório, a ministra afirma que “a confusa petição permite apenas suposição quanto aos objetivos: pleitear a ordem para que não seja obrigado a usar máscara” [anti-Covid-19].

Ainda Cármen Lúcia: “Quanto à coação atribuída ao presidente da República, a ininteligível petição revela a inépcia da inicial deste habeas corpus, não havendo outra providência além do arquivamento”.

“Descabe adotar providência elucidativa pela incongruência dos termos da petição, que não demonstra minimamente ofensa ou ameaça à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, decidiu a ministra.

O habeas corpus não traz informações sobre o impetrante.

Em maio, a imprensa revelou que Célio Evangelista Ferreira do Nascimento, de 79 anos –autoproclamado “presidente constituinte”– e Rodrigo Ferreira, 40, foram presos na Operação Pátria Amada, em Brasília, após enviarem e-mail ameaçando de morte juízes, promotores e procuradores do Distrito Federal.

A foto que ilustra o post reproduz gravação, na internet, de manifesto/convocação do autor do habeas corpus.

Em seu site, Célio Evangelista Ferreira do Nascimento assim se apresenta:

“Celio Evangelista, aportado aqui pela confluência dos tempos entre a Civilização Conciliatória em superação e a Civilização Nova Matriarcal que está emergindo com a Nova Era de Reacomodação Orbital da Terra em seu leito galáctico, a (sic) 50 anos empreende a disseminação das inspirações intelecto-espirituais do progresso no processo de desenvolvimento evolutivo da humanidade, objetivando o seu congraçamento moral universal como essência fundamental para a harmonia necessária à realização da finalidade da espécie, de procriar e sobreviver pelo meio ambiente existencial que ela construiu sobre si”.

O Blog não ouviu o autoproclamado presidente constituinte e o atual presidente da República, a quem Nascimento atribui a intenção de transformar o mundo numa “pátria grande”, ao lado da China.

 

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Gilmar vai ao passado para anular sentenças de Moro no futuro https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/09/01/gilmar-vai-ao-passado-para-anular-sentencas-de-moro-no-futuro/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/09/01/gilmar-vai-ao-passado-para-anular-sentencas-de-moro-no-futuro/#respond Tue, 01 Sep 2020 15:00:15 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Gilmar-e-Moro-1-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47995 O ministro Gilmar Mendes aparentemente alterou a cena de um julgamento de 2013 para justificar, na semana passada, a anulação de uma sentença de Sergio Moro no caso Banestado.

Moro condenara o doleiro Paulo Roberto Krug a onze anos de prisão por lavagem de dinheiro e depósitos no exterior, entre 1996 e 2002, em contas de laranjas. No último dia 24 de agosto, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação de Krug.

Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que houve “violação à imparcialidade do julgador” [Moro]. Foram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia. Os advogados de Krug sustentaram que Moro colheu depoimento da delação premiada do doleiro Alberto Youssef e juntou documentos ao processo depois das alegações finais da defesa.

Em 2013, a 2ª Turma rejeitou habeas corpus impetrado em 2008 por Rubens Catenacci, outro doleiro do Banestado, condenado por Moro a nove anos de prisão por remeter ilegalmente meio bilhão de reais ao exterior. Catenacci também alegara parcialidade do juiz da Lava Jato, acusando-o de monitoramento de advogados. Teori Zavascki reconheceu que o monitoramento de advogados não foi para obter provas, mas “para tornar exequível uma ordem de prisão”.

Em voto-vista, Gilmar Mendes acompanhou o relator Eros Grau (aposentado), que rejeitara as alegações de nulidade. Mas disse ter ficado “impressionado” com os vários incidentes, e “repetidos decretos de prisão”, mesmo admitindo que “todos os decretos de prisão estão fundamentados”. [grifo nosso]

Conforme registrou o STF, “embora tenha reconhecido que as decisões do juiz no curso do processo tenham sido bem fundamentadas , o ministro Gilmar considerou que o magistrado teve condutas ‘censuráveis e até mesmo desastradas’, mas afirmou que não se pode confundir excessos com parcialidade”. [grifos nossos]

Ou seja, em seu voto, Gilmar não vislumbrou “causa de impedimento ou suspeição”.

Em todos os decretos de prisão, houve fundamentação das razões de convencimento da necessidade da medida. Ainda que com ela não se concorde, o sistema processual funcionou em sua plenitude, permitindo a ampla defesa, tanto é que todas as decisões foram desafiadas por writ, uns exitosos; outros não.” [grifo nosso]

Ainda Gilmar Mendes:

“Evidentemente não estou a defender que a motivação do ato judicial, aliás pressuposto de sua validade, autorize qualquer absurdo, abuso ou autoritarismo. Não. Apenas constato que, no caso concreto, as decisões questionadas encontram-se fundamentadas e, portanto, passíveis de controle pela superior instância, como efetivamente ocorreu.” [grifo nosso]

Eis como o ministro justificou, na semana passada, os motivos de seu novo entendimento para anular a sentença contra Krug:

“Naquele momento afirmei: ‘não é possível confundir excessos com parcialidade’. Contudo, agora, depois de o tempo demonstrar cada vez mais traços da realidade que antes não se evidenciava, os excessos eram marcantes na atuação do magistrado de primeiro grau exatamente em razão de suas condutas tendencialmente parciais.”

Em 2008, quando Catenacci impetrou o HC, não estava em vigor a Lei 12.850/13 –que define o crime de formação de organização criminosa e prevê como será o acordo de colaboração.

Antes que se alegue que Gilmar Mendes quis dar efeitos retroativos à lei, o ministro procurou  justificar esse fato em seu voto para anular a sentença contra Krug:

“Ainda que o acordo aqui analisado e a sua homologação judicial tenham ocorrido em momento anterior à promulgação da Lei 12.850/13, me parece claro que a necessidade de imparcialidade judicial está consolidada na Constituição e em tratados internacionais de direitos humanos há muito mais tempo. Isso não pode ser ignorado! E a proteção da imparcialidade deve ser dar por meios efetivos para tanto.”

O ministro não especificou qual dispositivo da lei –que ainda não vigorava– foi descumprido pelo juiz.

De volta para o futuro

Em comentário na newsletter FolhaJus, afirmei nesta terça-feira (1º):

“A tentativa de desestabilizar Moro não funcionou no início da Lava Jato. Agora, o STF pode estar criando ‘precedentes’ para anular outras sentenças do ex-juiz e inviabilizar seus projetos políticos. Inaceitável.”

Várias análises sugerem que o caso Banestado foi ressuscitado para permitir a anulação de outras sentenças de Moro. A decisão abriria precedente que pode afetar julgamentos da Lava Jato, incluindo condenações de Lula.

“Ele [Gilmar Mendes] mudou a decisão do Banestado para anular a do Lula”, diz a procuradora regional da República aposentada Ana Lúcia Amaral, de São Paulo.

Em junho de 2019, quando foram divulgadas pelo The Intercept Brasil as conversas de Moro com Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, ela disse, em entrevista à Folha: “Houve sempre uma narrativa de que o ex-presidente Lula foi condenado sem provas. Como não deu para apagar as provas, ‘vamos arranjar uma nulidade'”.

“Os tribunais superiores são pródigos em admitir as nulidades, a salvação de quem é criminoso”, disse a procuradora.

Ainda Ana Lúcia: “Quando a Lava Jato parecia apenas pegar o PT, o ministro [Gilmar Mendes] tinha uma atitude diferente.”

Sobre a anulação da condenação de Paulo Roberto Krug, Ana Lúcia observa que os processos eram todos de Moro. “A conexão é para isto mesmo: o juiz que tem o conhecimento do conjunto tem mais chances de fazer a análise e decisão mais coerente”.

“Por que o juiz interroga primeiro o réu? Porque a prova é para o convencimento dele. Por que o juiz defere cautelares como prisão preventiva? Porque já vê elementos de responsabilidade penal. O juiz não se convence da culpabilidade no momento da redação da sentença”, diz a procuradora.

Ao opinar pelo não provimento do recurso de Krug, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida sustentou, em 2017, o seguinte:

“Caso o juiz, conhecedor de tais documentos que poderiam sanar dúvidas sobre fatos constantes do procedimento criminal e colaborar para a busca da verdade, permanecesse inerte, aí sim poder-se-ia falar em quebra da imparcialidade, pois conhecedor de que sua inércia poderia beneficiar a parte contrária àquela a quem competia o ônus probatório”.

Valores em jogo

É, no mínimo, curioso que o juiz Sergio Moro, acusado de ter cometido tantas impropriedades em julgamentos e condenações de empresários e políticos influentes, seja atropelado –agora– pela condenação de dois doleiros por crimes cometidos há mais de vinte anos.

Os doleiros foram denunciados pelo Ministério Público Federal em 2003.

A defesa juntou aos autos parecer de Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da UFRJ, mestre e Doutor em Direito. O parecerista diz que “a política processual não está parada no tempo”. “Daí que é razoável exigir dos tribunais que atuem por princípios no exame dos casos de alegada violação da imparcialidade dos juízes”, opina.

“Neste momento da história constitucional brasileira, não se trata, pois, de assegurar somente ‘as regras do jogo’ e sim garantir ‘os valores em jogo’”, afirmou.

Mesmo diante de um julgamento tão distante, o professor sustenta “a hipótese de comprometimento psicológico do magistrado com a tese condenatória, internalizada por ocasião da audiência administrativa de delação premiada”.

Convém relembrar fatos relevantes no julgamento de maio de 2013 –dez anos depois das denúncias, e que serviu de parâmetro para a anulação de outra sentença em agosto de 2020.

Nos dois casos, o ministro Gilmar Mendes trouxe voto-vista. Em tese, essa condição permite ao julgador definir o melhor momento para divergir.

Krug foi beneficiado por empate, com a ausência justificada de Celso de Mello, em licença médica. Mas o resultado poderia ter sido mais desfavorável a Moro se o decano tivesse votado.

Em 2013, a acusação de parcialidade do juiz da Lava Jato não prevaleceu, mas Celso de Mello votou, solitário e vencido, pela anulação do processo. Ele entendeu que a sucessão de atos praticados por Moro não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal.

Para o ministro, a conduta do juiz gerou sua inabilitação para atuar na causa, atraindo a nulidade dos atos por ele praticados. Além de monitorar o deslocamento dos advogados do doleiro, a defesa alegou que o juiz retardou o cumprimento de uma ordem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) porque estava redigindo uma nova ordem de prisão.

O decano afirmou que a conduta do magistrado fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor”, transformando-o em investigador.

O Ministério Público Federal opinou pela rejeição do HC e afirmou que as alegações da defesa do doleiro revelam apenas “sua insatisfação com a condução rigorosa do processo pelo magistrado, o que não se confunde com a propalada arbitrariedade do juiz”.

Aparentemente, incomodava mais os ministros a alegação de que Moro usurpara atribuições do STF, do que a eventual quebra da imparcialidade.

Constou da ementa:

“São inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior. Atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional”.

No ano seguinte,  Zavascki mandou soltar 12 presos da Lava Jato. Achou que Moro tinha feito, ele mesmo, o desmembramento do processo, remetendo apenas parte ao Supremo. Moro escreveu uma resposta sobre sua decisão, e relatou ao ministro o risco de fuga dos doleiros Alberto Yousseff e Nelma Kodama.

Teori manteve a prisão de outros acusados, deixando solto apenas Paulo Roberto Costa. A Lava Jato não morreu naquele dia. Zavascki morreria em 2017.

Nada de novo

Os fatos sugerem que, em 2013, era preciso enquadrar o juiz desobediente.

A Turma acompanhou a recomendação de Gilmar Mendes, que inovou. Determinou que o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região apurassem se Moro havia cometido falta disciplinar.

No dia 1º de dezembro de 2014, o desembargador Celso Kipper, então vice-corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, arquivou o procedimento preliminar.

Kipper registrou que os mesmos fatos já haviam sido examinados em 2007 pela corregedoria do TRF-4, que determinara o arquivamento, decisão mantida pelo CNJ.

“Os fatos são rigorosamente os mesmos”, afirmou Kipper em sua decisão. O corregedor considerou “absolutamente relevante” registrar que nem mesmo o julgamento do habeas corpus junto ao STF, “com toda a série de considerações vertida nos debates, trouxe qualquer elemento novo”.

“Quer-me parecer que o Pretório Excelso partiu do pressuposto de que tais acontecimentos não haviam sido analisados no âmbito desta Corregedoria Regional, o que não corresponde à realidade”, afirmou.

Kipper deferiu pedido formulado pelo editor deste Blog e determinou o fornecimento de cópia da decisão de arquivamento, até então sob sigilo.

“Não há, na decisão em questão, qualquer referência que possa, ainda que em tese, atentar contra a intimidade do juiz federal Sergio Fernando Moro. Ao revés: é o segredo, o mistério a respeito dos motivos do arquivamento que poderão dar azo, eventualmente, a toda sorte de ilações, podendo prejudicar, aí sim, a imagem do magistrado”, registrou o corregedor.

Consultado pelo Blog, na época, Moro não quis se manifestar.

Em nota distribuída no último dia 24 de agosto, o juiz afirmou:

“Em toda minha trajetória como Juiz Federal, sempre agi com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado. No caso específico, apenas utilizei o poder de instrução probatória complementar previsto nos artigos 156, II, e 404 do Código de Processo Penal, mandando juntar aos autos documentos necessários ao julgamento da causa.”

“Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF que favoreceu o condenado”.

 

 

 

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Veja como o STF anulou a sentença de Moro contra o doleiro do Banestado https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/08/26/veja-como-o-stf-anulou-a-sentenca-de-moro-contra-o-doleiro-do-banestado/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/08/26/veja-como-o-stf-anulou-a-sentenca-de-moro-contra-o-doleiro-do-banestado/#respond Wed, 26 Aug 2020 03:37:36 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/STF-anula-sentença-de-Moro-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47935 A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou sentença de Sergio Moro no caso Banestado. O então juiz federal havia condenado o doleiro Paulo Roberto Krug a onze anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e efetuar depósitos no exterior em contas de laranjas, entre 1996 e 2002. (*)

Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que houve “violação à imparcialidade do julgador” [Moro]. Foram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia.

Com a ausência justificada do ministro Celso de Mello, em licença médica, o réu foi beneficiado com o empate. O julgamento foi concluído nesta terça-feira (25), quando Gilmar Mendes trouxe o voto-vista.

Os advogados de Krug sustentaram que Moro colheu depoimento da delação premiada do doleiro Alberto Youssef e juntou documentos ao processo depois das alegações finais da defesa.

Krug foi representado pelos advogados Eduardo de Vilhena Toledo e Maurício Stegemann Dieter.

Em nota, Moro afirmou que sempre agiu “com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética” [veja texto abaixo].

O relator Fachin entendeu que “a homologação do acordo de colaboração premiada pelo magistrado não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas declarações prestadas pelos colaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do Código de Processo Penal”.

“A participação da autoridade judicial na homologação do acordo de colaboração premiada –ainda segundo o relator– não possui identidade com a hipótese de impedimento prevista aos casos de atuação prévia no processo como membro do Ministério Público ou autoridade policial. Ao contrário, mostra-se necessária a fim de verificar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade, nos termos da legislação”.

Fachin registrou que a pretensão do recorrente [Krug] foi afastada pelas instâncias antecedentes [STJ e TRF-4] e “não é manifestamente contrária à jurisprudência do STF ou padece de flagrante constrangimento ilegal”.

O TRF-4 havia aumentado a pena do recorrente. Posteriormente, houve redução.

Gilmar Mendes entendeu que o juiz inquiriu Youssef “não apenas para verificar as condições de homologação do acordo, mas sim para verdadeiramente obter e produzir provas de outros co-investigados, dentre eles, o paciente [Krug].”

Para Ricardo Lewandowski, houve “uma evidente atuação acusatória do julgador”, com perguntas que fugiam “ao controle de legalidade e voluntariedade de eventual acordo de colaboração premiada.”

Ao defender a anulação do processo, Lewandowski afirmou que Moro exerceu “papel incompatível com os ditames do sistema acusatório, a fim de justificar a condenação que já era por ele almejada”.

Cármen Lúcia afirmou que não ficou demonstrado de forma objetiva que o sentenciante [Moro] “teria incidido em qualquer das hipóteses de impedimento”.

“Não vislumbro qualquer eiva ou mácula na conduta, pelo menos nos termos aqui expressos, demonstrados, e especialmente para a configuração de caso de impedimento”, votou a ministra.

Em nota distribuída nesta terça-feira, Sergio Moro afirmou:

“Em toda minha trajetória como Juiz Federal, sempre agi com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado. No caso específico, apenas utilizei o poder de instrução probatória complementar previsto nos artigos 156, II, e 404 do Código de Processo Penal, mandando juntar aos autos documentos necessários ao julgamento da causa.”

“Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF que favoreceu o condenado”.

A defesa juntou aos autos parecer de Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da UFRJ, mestre e Doutor em Direito.

Segundo o parecerista:

“A política processual não está parada no tempo. Daí que é razoável exigir dos tribunais que atuem por princípios no exame dos casos de alegada violação da imparcialidade dos juízes”.

“Neste momento da história constitucional brasileira, não se trata, pois, de assegurar somente ‘as regras do jogo’ e sim garantir ‘os valores em jogo’”.

“As modalidades procedimentais inexistentes ao tempo da redação original dos artigos 252 e 254 do CPP desafiam o tribunal a interrogar, nos dias atuais, até que ponto a delação premiada propicia a ‘acumulação funcional de competências’ relevante para comprometer, no presente caso, em alguns ou na maioria dos casos, a imparcialidade do juiz”.

“Afinal, a atitude inquisitória afeta de modo indelével a imparcialidade do órgão julgador, atingindo o direito fundamental ao juiz imparcial. E a iniciativa probatória do juiz Sergio Moro, na fase de diligências, com a determinação ‘ex officio’ de provas que a acusação não requereu, e que serviram de esteio para a condenação de Paulo Roberto Krug, confirma a hipótese de comprometimento psicológico do magistrado com a tese condenatória, internalizada por ocasião da audiência administrativa de delação premiada”.

Ainda segundo Prado:

“Quando o magistrado aproveita a oportunidade para produzir prova de fato relevante para o interesse da parte, o juiz viola o princípio acusatório e o faz atingindo a garantia da imparcialidade.” 

O Ministério Público Federal entendeu o oposto.

Ao opinar pelo não provimento do recurso de Krug, em 2017, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida sustentou o seguinte:

Caso o juiz, conhecedor de tais documentos que poderiam sanar dúvidas sobre fatos constantes do procedimento criminal e colaborar para a busca da verdade, permanecesse inerte, aí sim poder-se-ia falar em quebra da imparcialidade, pois conhecedor de que sua inércia poderia beneficiar a parte contrária àquela a quem competia o ônus probatório”.

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(*) RHC 144.615 – Processo penal 2002.70.00.00078965-2

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“A Lava Jato que pariu Bolsonaro que o embale”, diz procurador da República https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/04/08/a-lava-jato-que-pariu-bolsonaro-que-o-embale-diz-procurador-da-republica/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/04/08/a-lava-jato-que-pariu-bolsonaro-que-o-embale-diz-procurador-da-republica/#respond Thu, 09 Apr 2020 01:19:48 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Celso-Três-Bolsonaro-e-Deltan.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=46773 Sob o título “Quem pariu Bolsonaro negará embalo?“, o artigo a seguir é do procurador da República Celso Três, que atua na Procuradoria da República em Novo Hamburgo (RS).

Ele faz um balanço da Lava Jato e avalia como a operação contra a corrupção –“a maior investigação da história”, como define–, ao violar os limites da ação penal e promover uma “avalanche justiceira” criou condições que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro.

O procurador condenou a divulgação de delações premiadas e atraiu a antipatia da força-tarefa da Lava Jato ao redigir documento criticando as “10 Medidas Contra a Corrupção”, propostas que foram defendidas na época pelo atual ministro  Sergio Moro e pelos procuradores de Curitiba.

O documento de Celso Três foi publicado e distribuído no Senado com apoio do senador Roberto Requião (MDB-PR). Três foi filiado ao PT nos anos 80, atuou na fase inicial do caso Banestado –investigação sobre bilionária lavagem de dinheiro no Paraná julgada pelo então juiz Sergio Moro.

 “Minha posição sobre a Lava Jato é igual à que tenho sobre todas as demais instituições públicas do país (Congresso Nacional, Presidência da República, Justiça, Receita Federal, Ministério Público Federal, Polícia Federal…), ou seja, expresso o que vejo de positivo e negativo”, escreve o procurador.

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Glosado por Twitter e Facebook, tal qual moleque irresponsável, tachando de “gripezinha” a tragédia do coronavírus, garantindo que brasileiro mergulha incólume no esgoto, curvando-se servil aos Estados Unidos quem pirateia bens médicos que a China destinara ao Brasil, fazendo da liturgia da Presidência piadas contra dignidade sexual, atiçando a massa ignara ao linchamento de jornalistas, consoante atestam periódicos pelo mundo, presidente do nosso Brasil, tristemente, virou ícone do ridículo mundial. Pior! Bolsonaro é tudo, menos surpreendente. Sempre foi assim.

Então, quem pariu Bolsonaro? Urna foi berçário dos votos nascidos de alguns ventres. Justo e legítimo antipetismo aliado à histórica –quatro séculos de escravatura–  extrema direita foi útero decisivo.

Aqui, trato apenas de  quanto Têmis, aparelho de justiça, deu à luz votos em prol do capitão, em síntese, dizimando o  establishment político, dando asas a outsiders populistas, quem capitalizaram com a sanha acusatória indiscriminada brandida pela espada de Dâmocles da Lava Jato.

Vítima emblemática foi o PSDB, partido dos melhores quadros técnicos, candidato Alckmin, de idoneidade mais longamente provada no comando do principal estado da federação, sucumbiu indefeso à avalanche justiceira. História sempre inexorável.

‘Ab initio’, a Lava Jato foi a maior e irrepetível investigação da história.

Nela, os procuradores perpetuaram em bronze seus nomes no memorial da justiça. Quantidade e status dos agentes públicos e capitalistas privados envolvidos, valores desviados e recuperados, prisões, condenações, confisco patrimonial e outras medidas formaram quadro de impacto verdadeiramente mundial.

O vício adveio no correr da apuração, violação nos limites da ação penal.

Rei Pirro do Epiro, após guerra contra os romanos na qual teve pesadas perdas (280 a.C.), respondeu a quem o louvava pelo sucesso: “mais uma vitória desta e estaremos completamente arruinados”. É a vitória de Pirro.

Tempo de pandemia, lembrar que a distinção entre o remédio e o veneno pode estar na dosagem. Cloroquina é remédio. Oremos pela sua efetividade! Mas a ministração ou não ao caso, dosagem dependerá da perícia do médico.

Efeitos colaterais

Se o corpo do estado está doente de corrupção –-e estava (!), o remédio, ação da justiça, não pode ter efeitos colaterais ainda piores, debacle na economia e atentado à democracia.

“A própria virtude precisa de limites”, respondeu Montesquieu a quem objetava a tripartição dos poderes com a bondade do rei. Embora bondosos, bem intencionados são desastrosos todos quem não obedecem aos limites de sua autoridade.

Início de 2017, país estupefato com o videoshow dos 78 delatores da Odebrecht, Frederico Vasconcelos honrou-me com entrevista (Folha, 17.mar.2017), quando disse que a divulgação “derrete o mundo político, o Estado, dilapida a economia, os investimentos e os empregos”.

“A lei da delação impõe sigilo até a apresentação da denúncia. Preserva a apuração e a honra do delatado até então indefeso”. Infelizmente, a sequência dos fatos provou que eu estava certo.

Bem diz o ministro Lewandowski, nossa história atesta que a messiânica cruzada contra a corrupção nunca foi causa, foi pretexto de violação à democracia, a exemplo do suicídio de Getúlio Vargas e do golpe militar de 1964. Novo nesta quadra da vida pública brasileira é que a justiça, dantes passiva, agora é protagonista no ataque à democracia.

Lava Jato teve –e ignorou!– um standard precioso para não desviar-se. Foi a persecução do mensalão. Nela, o procurador-geral da República Antonio Fernando foi cirúrgico, altivo, tempestivo, rigoroso e competente. Ação, pautada pela redução de danos, não lesou o devido processo legal, economia, tampouco a democracia.

Independência, imparcialidade é o maior atributo do juiz. Mesmo o magistrado dado aos piores vícios de honestidade, desvia-se para abdicar desse status. Honesto, mas parcial, iguala-se ao desviado na lesão à justiça. “Se o jogo não há juiz; não há jogada fora da lei” (música de Engenheiros do Hawai, “Exército de um homem só”).

Por sua vez, a imparcialidade não diz com o subjetivo, intenção do juiz em prejudicar uma das partes. Exige-se objetividade, estética de conduta imparcial. É dessa ostensividade que emana a confiança da sociedade na imparcialidade judiciária. Esse preceito de conduta da magistratura está consolidado nos diversos ordenamentos do mundo civilizado.

Isso também vale para o Ministério Público. Ele é parte imparcial. Parte porque tem atribuição da acusação. Imparcial porque a imputação está restrita aos valores republicanos do devido processo legal, entre eles, o da impessoalidade, ou seja, não tem alvo preordenado, não investiga pessoas, apura materialidade de fatos que sejam criminosos para só então identificar seus autores.

Clamor público

Nisso, pecou a Lava Jato. Claudicou, gravemente, na estética de imparcialidade. Mesmo que assim não intencionasse, tampouco houvesse qualquer vantagem, possivelmente sucumbindo ante o “tsunami” pela derrubada do governo Dilma.

É a tentação do “vox populi, vox jus” –justiça decidindo pela opinião pública, confessado pela então presidente da Suprema Corte: “STF não vai ignorar clamor por Justiça das ruas, diz Cármen Lúcia” (Uol, 30.jun.2017). O comandante das Forças Armadas, general Eduardo Villas Bôas, admitiu intervenção caso STF concedesse habeas corpus a Lula (Folha, 11.nov.2018).

A essência do atentado à democracia perpetrado pela Lava Jato esteve no ataque indiscriminado, fazendo tábula rasa do mundo político, sabido que esse, contrariamente ao Ministério Público, é ungido pelo voto, mandato de quem é o soberano do poder, o povo.

Nas cinzas da política, a democracia jamais encontrará seu berço. Daí, nascem Berlusconi na Itália e Bolsonaro no Brasil. O enxovalhamento da política é a tática comum de todos os déspotas da história.

Preciso, pontificou Reinaldo Azevedo: “Como procuradores e juízes militantes, os tenentes não gostavam de políticos” (Folha, 26.mai.2017). Nesse diapasão, editorial do Estadão “é perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional. Além de não tirar o País da crise, esse modo de conduzi-la inviabiliza a saída da crise” (10.mai.2017).

Eloquente o projeto de monumento (escultura) à Lava Jato, na palavra do idealizador e também homenageado Deltan Dallagnol: “… minha primeira ideia é esta: algo como dois pilares derrubados e um de pé, que deveriam sustentar uma base do país que está inclinada, derrubada. O pilar de pé simbolizando as instituições da justiça. Os dois derrubados simbolizando sistema político…” (Folha/The Intercept Brasil, 21.ago.2019)

Medidas contra corrupção

Usurpando da iniciativa popular em legislar, instituto da sociedade civil –jamais órgão de Estado!–, Lava Jato colheu assinaturas de adesão ao seu projeto das “10 medidas contra corrupção”.

Irresignado com a rejeição parcial, Juliano Baiocchi, subprocurador, escreve artigo tachando o parlamento de organização criminosa (“A Operação Cavalo de Troia da Orcrim” – blog de Fausto Macedo, 1.dez.2016). Coerente com a linguagem da Lava Jato usada na mídia e em juízo, “quadrilhão do PT, quadrilhão do MDB, quadrilhão do PSDB, quadrilhão do PP …”

O ápice foi a solenidade, reunindo todas as unidades da Lava Jato no país, quando emitida a Carta do Rio de Janeiro, todos sob a palavra de ordem de Deltan: “2018 é batalha final para Lava Jato”, pregando que nenhum dos parlamentares fossem reeleitos (Folha, 27.nov.2017). Nisso, a campanha da Lava Jato foi exitosa, extraordinária não reeleição no parlamento e executivo.

Isso tudo no contexto de autoempoderamento absolutista da Lava Jato, cujos órgãos de correição, procurador-geral Rodrigo Janot, corregedores do Ministério Público Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público, todos converteram-se em seus admiradores.

Carlos Fernando Lima postara na internet foto com camiseta, estampando imagens dele, Deltan e Moro, intitulado “Liga da Justiça” (Uol, 19.abr.2016).

Tudo em sintonia com a chefia, à saída da procuradoria-geral em Brasília, posando com o cartaz: “Janot você é a esperança do Brasil!” (noite de 2.mar.2015).

Tivemos, próximo ao aeroporto, duplo outdoor estampando imagem dos procuradores, “Bem-vindo à República de Curitiba … Aqui a lei se cumpre”, resultando em ação popular contra os personagens (Folha, 13.fev.2020)

Confundindo escracho com publicidade, ‘ab initio’, sob a demagógica justificativa da sociedade controlar a justiça, a Lava Jato lançou ao linchamento moral, muro da vergonha todos, não apenas os investigados, assim também testemunhas, advogados, empresas e pessoas sem qualquer relação com ilícito, jornalistas, juízes, enfim, quem opusesse embaraços aos desígnios da operação.

“… sem exposição, é impossível avançar contra poderosos, afirma Dallagnol” (Folha, 24.nov.2017).

Em face de habeas corpus deferido pelo ministro Dias Toffoli, Carlos Fernando e Diogo Castor, título “Medalha de ouro para o habeas corpus … twist carpado”, é exemplo (Folha, 2.jul.2016).

Promoveram investigação clandestina contra o ministro Gilmar Mendes (The Intercept Brasil). MBL/Vem pra rua, sabidamente entusiastas da operação, na praça pública mais simbólica de Porto Alegre (RS), ao som da voz de Lula vazada pela Lava Jato, cena sinistra, trevas próprias dos fascistas, queimou 11 bonecos, cada qual representando um dos ministros do STF (vide YouTube).

O jornalista Reinaldo Azevedo, Folha, crítico dos desvios, teve conversa pessoal sua com a irmã de Aécio Neves divulgada com claro intento de retaliação. Eram vazadas informações para intimidar investigados (The Intercept Brasil, 29.ago.2019).

Paradoxalmente, quando surgiram as revelações do Intercept Brasil, alegou-se violação de privacidade, ilícito na  devassa. Privacidade é do cidadão contra o estado, jamais do estado – autoridade no exercício de seu múnus.

Na função de sua competência, autoridade pode manter sigilo, sempre temporário, como condição de efetividade, a exemplo da prisão e  interceptação telefônica. Devido processo legal exige que agentes públicos despidos estejam de segredos. Lava jato que pregava fiscalização da justiça para escrachar seus alvos, homiziou-se da luz às suas entranhas.

Delações veiculadas

A principal arma de abate ao mundo político foi a ilegal e irresponsável veiculação das delações. Sempre houve imposição de sigilo até o recebimento da denúncia (art. 7º, §3º, da Lei nº 12.850/13). Sequer o juiz pode afastar a reserva.

Dupla razão fundamenta a lei: a) sigilo oportuniza a produção de prova que corrobore a delação; tivemos casos de delatados, após mais de ano da divulgação, com mandados de busca domiciliar; b) sigilo protege a honra, o direito de defesa do delatado, indefeso na divulgação sem  acusação formalizada.

Exemplo mais aberrante foi a Odebrecht, transtornando o país no alvorecer de 2017, Lava Jato decantando 415 autoridades mencionadas, fora particulares, empresas, doleiros, laranjas e outros.

Resultado em termos de denúncias, processos foi ínfimo. “Delação da Odebrecht gera poucos resultados em um ano” (Folha, 29.jan.2018).

Adiante, constatada a inexorável previsão: “Procurador previu há dois anos insucesso de delações da Odebrecht” (Blog Interesse Público, 30.1.2019).

Emblemático do abuso foi a acusação generalizada de embaraçar a investigação (art. 2º da Lei 12.850/13).

A conduta da lei não é contrariar o interesse das autoridades na incriminação de seus alvos. O ‘embaraço’ exige conduta de per si ilícita e não diz com o interesse da acusação e sim com o devido processo legal da devida justiça.

As revelações do The Intercept Brasil, atuação do juiz Sergio Moro comandando a investigação, caracteriza obstrução da justiça.

Exemplo pitoresco foi a repetida imputação por instar investigados a não delatarem.

Em 28 de agosto de 2016, a Folha revela a “bolsa delação”, ou seja, as corruptoras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez garantem até 15 anos de salários para que seus subalternos delatem políticos, salvaguardando os patrões. Apenas da Odebrecht, foram 78 delatores.

Oposto do tratamento aos políticos, foi o dispensado pela lava jato aos banqueiros. Mensagens analisadas mostram que força-tarefa de Curitiba preferiu buscar acordos a investigar acusações contra as instituições financeiras. Enquanto desenhava estratégia, Dallagnol fez palestra na Febraban (The Intercept Brasil, 22/8/2019)

Alijamento de Lula

Na eleição de Bolsonaro, sabidamente decisivo foi o alijamento de Lula –sem ignorar sua intuitiva responsabilidade na brutal corrupção desvelada!–, cuja estética da imparcialidade da Lava Jato restou brutalmente comprometida.

Lula foi alvo de condução coercitiva abusiva, sob acintosa fundamentação de ser protegido, provocação de previsto stress nacional, onde captada conversa com Dilma, interceptação clandestina, sem ordem judicial vigente, cuja divulgação foi o estopim do impeachment. Diálogo inclusive editado, suprimidos trechos que mudariam a sua interpretação (Folha, 8.set.2019). Aposentado, PGR Janot, “Nada menos que tudo”,  assevera que Dilma é mulher honesta.

Todos lembram da teatral apresentação em PowerPoint da denúncia do triplex do Guarujá por Deltan Dallagnol.

Peça de imputação em que constava, entre outras aberrações técnicas, tratado sobre presidencialismo de coalizão, finalizando por pedir prioridade na tramitação em face do estatuto do idoso, em suma, na hermenêutica dos procuradores, exótico direito de Lula ser condenado mais rápido.

Em 14 de julho de 2017, desembargador Gebran Neto, já definido como relator que conduziria julgamento de Lula no TRF-4 –causa de sua prisão e inelegibilidade–, é homenageado em Curitiba pela Fecomércio (PR), quando declara que a Lava Jato promovia “viragem paradigmática”.

Após, o desembargador Thompson Flores Lenz –-então presidente do TRF-4, depois migrado à turma da Lava Jato, embora na sua longeva trajetória na corte não optasse pela área criminal, recentemente condenado Lula no processo do sítio de Atibaia– quando da solenidade de láurea da Associação Comercial do Paraná ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, sentenciou: “Lula será julgado antes da eleição” (Uol, 10.nov.2017).

De forma geral, desde integrantes da Polícia Federal até a mãe do juiz Sergio Moro, todos foram homenageados pelas entidades patronais do Paraná, por razões óbvias, avessas ao governo Dilma, Lula.

Imagine-se que o presidente Bolsonaro, tal qual Lula, uma vez saído do poder, seja alvo de processos criminais.

Então, entidades dos laboristas, a exemplo de CUT/MST, façam pomposa homenagem, louvação aos seus julgadores?! Todos –e com razão!– entenderiam escandaloso.

Tão logo finalizada a eleição: “Moro me ajudou politicamente”, afirma Bolsonaro (revista Exame, 2.nov.2018). E continua ajudando, transformado que foi Sergio Moro no primeiro ministro da República.

Procurador Carlos Fernando Lima, destaque da Lava Jato, então já aposentado e advogando, entrevista à Globo News, admitiu que seus membros sufragaram Bolsonaro.

Mãos Limpas

“Veritas filia temporis”,  verdade é filha do tempo. “Mãos Limpas” da Itália, assumida inspiração da Lava Jato, gerou Berlusconi, figura simétrica a Bolsonaro. “Juízes da Mãos Limpas viraram atores políticos, diz historiador italiano” (entrevista do professor Giovanni Orsina, Folha, 29.ago.2017).

No âmbito econômico, a Lava Jato não agiu no Brasil conforme atuam os seus homólogos americanos: “A ideia dos americanos é punir de maneira dura, mas evitar que a indenização a ser paga coloque em risco os negócios e os empregos que eles geram.” (Folha, 20.dez.2016).

Nenhum dos acordos previu manutenção de empregos. Insensibilidade social atroz! Calcula-se em meio milhão de postos de trabalho a debacle.

Odebrecht, até a Lava Jato, empregados e terceirizados, mantinha 276 mil trabalhadores. Em 2019, imersa em recuperação judicial, foram extintos 80% dos postos de trabalho.

Em artigo de agosto/2019, jornal do Conselho dos Economistas do Rio de Janeiro, professores de nomeada calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição da Lava Jato na queda do PIB de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada.

Enquanto a Lava Jato municiava os americanos para autuarem a Petrobrás –vítima da corrupção!– no maior valor já pago por empresa estrangeira naquela nação, abiscoitava alguns bilhões à ridícula fundação destinada à publicidade contra corrupção, em boa hora pelo STF, ministro Alexandre Moraes, destinados a combater o coronavírus.

Lava Jato revelou elevada incidência de contaminação. Prisão do procurador Ângelo Villela, Marcelo Miller às voltas com a dubiedade de MPF e advogado da poderosa JBS/J&F, investigação em curso trata do apontamento de propina pelo doleiro Dario Messer, corregedores do MPF flagrados em conduta imprópria a quem cumpria sanar os desvios de procuradores (The Intercept Brasil), auditores da Receita Federal, atuando na operação no Rio de Janeiro,  presos por extorsão a investigados e, sublimando, o chefe de tudo, Rodrigo Janot, está sob inédita Lei Maria da Penha à justiça, ou seja, cautelar que sequer pode aproximar-se do STF.

Curioso que, quando propôs projeto das 10 medidas contra corrupção ao Congresso Nacional, uma delas era o teste de integridade, espécie de purgatório da fraqueza humana, pelo qual agentes públicos seriam tentados a desviarem-se.

Procuradores são brasileiros. Em 2017, pesquisa nacional de valores, Datafolha mostra que o brasileiro vê o país corrupto, mas ele, individualmente, honesto. Brasileiro fala do brasileiro na terceira pessoa, e se dissocia.

A Lava Jato, na voz de Deltan Dallagnol aos pares do MPF, apoiou nomeação de Augusto Aras. De forma geral, quem agora tem ressalvas ao novo chefe integraram ou sempre aplaudiram a operação. O novo PGR segregou facções internas que consolidaram-se nos últimos anos, zelando pelas condições materiais e remuneratórias da instituição.

Com respaldo de todos os segmentos políticos na sua aprovação pelo Senado, não usou dos seus poderes contra adversários de quem o nomeou. Deduziu as imputações cujas provas têm solidez, marcando sua atuação pela discrição. Em suma, olhando pelo retrovisor seu homólogo Rodrigo Janot, tem plena ciência do que não deve fazer, ou seja, ser protagonista no cenário político pátrio, eis que assim agindo a Lava Jato foi desastrosa.

Provérbio diz quem pariu Mateus que o embale. A história não diz se Mateus embalou ou não. Aqui, certo é que, sim, a Lava Jato ajudou parir Bolsonaro.

Certamente, isso é motivo de orgulho a seus integrantes e de aplauso por grande parcela da sociedade brasileira, tanto que o capitão foi eleito o presidente da República.

Porém, agora, a Lava Jato, além de não embalar, está reclusa, homiziando-se de sombrio exame de DNA que possa atestar sua paternidade desta criatura.

 

 

 

 

 

 

 

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Fux mata no peito e quer a posse da bola na sucessão de Toffoli https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/03/09/fux-mata-no-peito-e-quer-a-posse-da-bola-na-sucessao-de-toffoli-no-supremo/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/03/09/fux-mata-no-peito-e-quer-a-posse-da-bola-na-sucessao-de-toffoli-no-supremo/#respond Mon, 09 Mar 2020 17:01:54 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Toffoli-e-Fux-mata-no-peito-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=46438 Não será surpresa se o ministro Luiz Fux ocupar maior espaço no noticiário nos próximos meses, antes do final da gestão do ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro.

A gestão do presidente do STF é curta, de apenas dois anos.

A cada troca de cadeiras no comando repetem-se articulações, encontros e desencontros, compromissos acertados com  antecedência, consultas e indicações de auxiliares.

Esse ritual foi mantido por Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, quando assumiram o cargo mais elevado do Judiciário –conforme episódios citados a seguir.

Em julho de 2019, Fux já anunciava sua prioridade como presidente: “Quero garantir que a Lava Jato vai continuar”. Sua gestão deve fortalecer o grupo pró-Lava Jato, apesar das fortes resistências internas. Difícil apostar na quebra da tradicional linha sucessória.

Controvertido, o tema Lava Jato continua na ordem do dia, dentro e fora do Judiciário.

Sergio Moro e Fux estão entre os conferencistas na abertura de um curso para 100 magistrados sobre o tema “Corrupção e os Desafios do Juiz Criminal”, nesta quarta-feira (11), na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam, em Brasília.

Embora seu nome esteja no programa, Fux ainda não confirmou a presença.

Com Fux ou sem Fux, a Lava Jato estará nos debates. A conferência magna de encerramento será proferida pelo ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava Jato no STF.

A pauta de Fux para as próximas semanas inclui audiências públicas para debater a figura do juiz das garantias e outros pontos do pacote anticrime. Moro é o primeiro expositor.

Ao suspender a criação do juiz de garantias, Fux contrariou Toffoli, o presidente Jair Bolsonaro e membros do Congresso. Foi duramente censurado pelo ministro Marco Aurélio.

Dos 79 inscritos para as duas audiências, cerca de 30 são magistrados e dirigentes de entidades de juízes, aos quais o ministro Fux não costuma decepcionar, sensível aos pleitos corporativistas.

Em 2014, Fux concedeu liminar autorizando o pagamento de auxílio-moradia. Engavetou ações que discutiam o penduricalho. Somente revogou o benefício em novembro de 2018, numa decisão monocrática –ou seja, sem deliberação do plenário.

Fux aparenta ser mais assertivo do que Toffoli, desgastado com os vários desacertos de sua gestão. No momento em que o presidente Bolsonaro estimula manifestações populares contra o Legislativo e o Judiciário, Toffoli recorre a platitudes, num discurso conciliador:

“Nós, do Judiciário, estamos obrigados a esse dever de cumprir os direitos dos cidadãos brasileiros. O bem-estar deve ser sem preconceitos, sem ódios, sem rancores. Contra o ódio e a divisão só o amor, a fraternidade e a solidariedade. Ela é que pode salvar todos nós”.

A Universidade Harvard havia programado ouvir Fux em abril, evento cancelado devido ao avanço do novo coronavírus, informa o Painel da Folha. A academia já não deve estar muito interessada na pregação de Toffoli, que atribuiu a si próprio, indevidamente, a missão de pacificador dos três Poderes.

Dias atrás, executivos reunidos num hotel de cinco estrelas, no Rio, ouviram Fux falar sobre o descongestionamento do Judiciário com a mediação e conciliação em cartórios extrajudiciais. O encontro foi promovido pela revista Justiça & Cidadania, com apoio do 15º Cartório Ofício de Notas do Rio de Janeiro. No lobby (vale o duplo sentido), alguns convidados estavam interessados em saber os rumos do país na gestão do futuro presidente do STF.

As transmissões de cargo na presidência do STF são precedidas por entendimentos –alguns dos quais se frustram depois ou cumprem apenas a liturgia do ato.

O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, foi convidado por Toffoli para fazer a saudação elogiosa –em nome da corte– na cerimônia de posse. Um ano depois, num desentendimento durante uma sessão, Toffoli repreendeu Barroso –que rebateu com a mesma contundência.

Em maio de 2018, a então presidente do STF, Cármen Lúcia, concordou em conceder a este editor uma longa entrevista sobre sua gestão, que só se encerraria quatro meses depois. Ela aceitou a ponderação de que, no mês seguinte, a imprensa estaria mais interessada no que o sucessor, Toffoli, teria a dizer.

A reportagem concluiu que a crise política frustrara a pretensão da ministra de marcar sua gestão como o exercício da pacificação social (presunção que o sucessor herdou): “Coube a ela apaziguar ministros nos embates sobre a Lava Jato, belicosidade que minimiza”.

Àquela altura, Toffoli já devia estar costurando os primeiros atos de sua gestão.

Na esfera política, ele abriu as portas do STF à presença de militares, ao convidar, sem consulta aos pares, o general Fernando Azevedo, ex-chefe do Estado Maior do Exército, para atuar como assessor em seu gabinete.

Na área administrativa, ao presidir sua primeira sessão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Toffoli aprovou –também sem maior debate– resoluções reformando o regimento interno.

Foram derrubadas barreiras que inibiam o uso político do colegiado e a quarentena que obrigaria alguns magistrados, entre eles amigos do presidente, a retornarem aos tribunais de origem.

Joaquim Barbosa abandonou a toga, ainda no exercício da presidência do STF, e antecipou a aposentadoria. Deve ter vislumbrado a desmontagem que o sucessor, ministro Ricardo Lewandowski, promoveria.

Meses antes da posse, circulou a informação de que o ministro oriundo do tribunal de justiça paulista trataria o CNJ a pão e água. Nos primeiros dias no cargo, Lewandowski tentou atribuir à gestão de Barbosa despesas elevadas com diárias e passagens de conselheiros e servidores do órgão. Barbosa comprovou que os dados não se sustentavam.

Lewandowski transformou o CNJ na “casa dos magistrados”, como ele próprio definiu. Engavetou dezenas de procedimentos e processos disciplinares contra juízes, numa gestão marcada por prepotência, corporativismo e falta de transparência.

Quando tomou posse como presidente do STF, o ministro Cezar Peluso esvaziou um conselho de notáveis –cientistas sociais, especialistas em planejamento para auxiliar o CNJ nas pesquisas—colegiado criado na gestão do antecessor, ministro Gilmar Mendes, que anos depois reproduziria o modelo no TSE.

Em resumo, a prática tem confirmado que dois anos de gestão são tempo reduzido para introduzir mudanças estruturais no Judiciário, mas é um período suficiente para desfazer a obra do antecessor.

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Fim do processo de ex-presidentes do TJ da Bahia reforça imagem de impunidade https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/03/03/fim-do-processo-de-ex-presidentes-do-tj-da-bahia-reforca-imagem-de-impunidade/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/03/03/fim-do-processo-de-ex-presidentes-do-tj-da-bahia-reforca-imagem-de-impunidade/#respond Wed, 04 Mar 2020 02:48:25 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Lewandowski-Mário-Hirs-Telma-Britto-e-Noronha-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=46394 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julgou extinta, nesta terça-feira (3), a punibilidade dos ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Mário Alberto Simões Hirs e Telma Laura Silva Britto.

O órgão reconheceu a prescrição de processo disciplinar administrativo contra os dois desembargadores. Ou seja, caducou  o período em que  os magistrados poderiam ser punidos.

Ambos foram beneficiados com a morosidade da Justiça e com o desencontro de decisões, fatos que reforçam a imagem de impunidade no Judiciário.

Eles foram afastados do cargo, preventivamente, em abril de 2013, em sindicância realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça. Na época, o ministro Francisco Falcão era o corregedor nacional.

A correição realizada no Tribunal da Bahia foi motivada pelo descumprimento de determinações feitas nas gestões dos corregedores nacionais anteriores Gilson Dipp e Eliana Calmon.

Em  novembro de 2013, o colegiado do CNJ manteve o afastamento de Mário e Telma. Em decisão unânime (15 votos a zero), abriu processo disciplinar.

Eles eram alvo, entre outras, das seguintes acusações:

– Suspeita de inflar em R$ 448 milhões os valores de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça);

–   Designação de magistrado aposentado para atuar, de forma gratuita, por quase um ano, no Núcleo de Precatórios do Tribunal da Bahia, contrariando a Lei Orgânica da Magistratura;

– Discrepância entre os cálculos atualizados pelo Setor de Precatórios do TJ-BA e os cálculos realizados pela equipe de correição, que apresentavam substancial excesso em favor dos beneficiários;

– Suspeita de gestão temerária, falta de controle sobre a obrigatoriedade de entrega, pelos juízes, de declarações de bens e valores (imposto de renda).

Liminar durante o recesso

Em 14 de novembro de 2013, os dois desembargadores impetraram mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar para suspender a decisão do CNJ que os afastou de suas respectivas funções, e interromper o trâmite do processo disciplinar.

O relator da ação, ministro Roberto Barroso, indeferiu o pedido. Barroso considerou que eles também eram investigados em outros processos no CNJ e poderiam dificultar a coleta de provas.

Em julho de 2014, durante o recesso do Judiciário, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF em exercício, concedeu liminar determinando o retorno de Mário e Telma ao tribunal da Bahia.

O mandado de segurança de Telma Britto foi protocolado no dia 1º de julho, último dia do expediente forense; o de Mário Hirs foi autuado em 16 de julho.

Os magistrados alegaram que a demora no processo disciplinar representava uma punição antecipada. Na ocasião, a ex-corregedora nacional Eliana Calmon afirmou: “Não posso condenar essa decisão do ministro Lewandowski, pois não se pode deixar alguém afastado do cargo por tanto tempo sem julgamento”.

Mário e Telma foram recebidos no tribunal por magistrados e servidores com festa e foguetório, na presença de autoridades baianas.

Posteriormente, entre as testemunhas arroladas por Mário Hirs estavam o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, e o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto.

O ex-corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, considerou a recepção aos desembargadores “um acinte ao Poder Judiciário”.

Lewandowski encerrou a gestão como presidente do CNJ sem retomar o julgamento dos processos dos magistrados baianos.

Noronha não viu má-fé

Em fevereiro de 2017, o então corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha, interrompeu o julgamento e pediu vista do processo, depois do voto do relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, que considerou parcialmente procedente o processo administrativo disciplinar.

Hossepian votou pela aplicação da pena de disponibilidade aos dois magistrados, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Segundo Hossepian, Mário e Telma “não exerceram a correta fiscalização sobre seus subordinados, consentindo que os cálculos fossem realizados em desacordo com a legislação”, apesar dos vários alertas.

O relator considerou que “a gestão temerária alcançou precatórios com valores vultosos”.

“Em razão da gravidade das condutas, que ocasionaram o efetivo prejuízo ao erário, revela-se inapropriada a aplicação de outra pena que não a de disponibilidade com vencimentos proporcionais”, decidiu Hossepian.

Em novembro de 2017, o CNJ absolveu Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto. A maioria seguiu o voto divergente de Noronha.

Noronha disse que, “após detida análise dos autos”, não encontrou provas “de que os magistrados agiram de má-fé ou desvio voluntário de conduta, em proveito próprio ou de terceiros”.

“A gestão de precatórios não é tarefa fácil para nenhum magistrado”, afirmou.

O corregedor defendeu ainda que seria preciso que a intenção dos magistrados revelasse conluio, má-fé ou prevaricação, para que a pena de disponibilidade compulsória fosse proporcional aos fatos ocorridos.

A então presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, também entendeu que, “dada a complexidade do caso, essa falta não foi tão grave para as penas impostas pelo relator. A pena razoável seria a de censura, no entanto, ela não é aplicável a desembargadores (apenas a juízes de primeira instância).

Interrogatórios em duplicidade

Nesta terça-feira, o atual relator, conselheiro Marcos Vinicius Rodrigues, votou pelo reconhecimento da prescrição.

Rodrigues lembrou fatos que contribuíram para a demora na tramitação do processo no CNJ. Três sindicâncias deram origem, em 2013, a três processos administrativos disciplinares. Em 2014, foi determinada a unificação desses três procedimentos em um só, com a suspensão dos outros dois.

Com isso, toda a instrução (obtenção de provas) foi feita com base apenas no primeiro procedimento.

“Foi refeita toda a instrução dos outros dois procedimentos”, disse, com interrogatórios feitos em duplicidade. Houve nova abertura de prazo para as partes.

Reproduzindo o entendimento de Noronha, Rodrigues disse que “não há comprovação de que os acusados tenham agido de má-fé”, admitindo que houve “falta de técnica gerencial”.

Defesa atribui prescrição ao MPF

O advogado Alberto Pavie Ribeiro, que representa o ex-presidente do TJ-BA, atribui a prescrição à conduta do Ministério Público Federal (MPF).

“No ano passado, quando o relator liberou o processo para a pauta, antes de ocorrer a prescrição, a Dra. Raquel [a então PGR Raquel Dodge] pediu a retirada da pauta virtual para a presencial”, diz.

“Isso inviabilizou o julgamento a tempo de não incidir a prescrição”, afirma.

“Quem deu causa, portanto, à incidência da prescrição foi a PGR ao pedir a retirada da pauta de julgamento, impedindo que esse CNJ julgasse o mérito do PAD”.

Ribeiro não acha que a unificação dos procedimentos tenha contribuído para a prescrição. “Entendo que não, porque chegou a ser concluída a instrução e liberado para julgamento em tempo hábil para o julgamento”.

Críticas sobre o caso

A seguir, algumas avaliações feitas durante a tramitação do processo administrativo:

“O setor de precatórios está sem controle, sobretudo em relação aos cálculos de atualização das dívidas e verificação dos requisitos legais para a formação dos autos dos precatórios, expondo o ente público a pagamentos indevidos de grande monta”. [Francisco Falcão, então corregedor nacional de Justiça, ao pedir o afastamento dos dois magistrados, em 2013].

“As imputações em questão revelam um quadro de possível apropriação sistemática das funções públicas para a promoção indevida de interesses particulares, em detrimento do Erário e, em última instância, de toda a sociedade. A gravidade dos elementos já disponíveis é inequívoca”. [Roberto Barroso, relator de mandado de segurança no STF]

– “Os cálculos foram refeitos em menos de 24 horas, com valores ‘que causam espécie’”. [Ana Maria Brito, então conselheira do CNJ, ao citar despacho de Hirs, que indeferiu a impugnação de um precatório, determinou a retirada de documentos do processo e mandou renumerar as páginas].

– “Segundo a sindicância, os cálculos dos precatórios, refeitos em poucas horas, não se baseavam em decisões judiciais. As multas e juros seguiam pareceres de peritos particulares. O setor de precatórios estava sob a responsabilidade de um desembargador aposentado, conhecido no tribunal pelo apelido de “0800” (alusão a serviços prestados sem pagamento)”. [Francisco Falcão, ao comentar a correição no TJ-BA]

– O então presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, disse que Hirs foi alertado previamente e não tomou nenhuma medida para impedir “interferências externas” no pagamento de precatórios inflados.

– A então conselheira Luiza Frischeisen votou pelo afastamento dos dois magistrados, para garantir a preservação de provas e evitar que a presença desses desembargadores no tribunal atemorize servidores em futuros depoimentos.

– “Presidir tribunal não é apenas cargo honorífico. A ineficiência que abre espaço para desvios e fraudes também deve ser responsabilizada”. [Rubens Curado, então conselheiro, ao comentar o afastamento dos desembargadores]

– “Depois da interferência do CNJ [no Tribunal de Justiça da Bahia], os corruptos estão assustados e aqueles inocentes estão querendo trabalhar para mostrar que a Bahia tem um tribunal que se respeite”. [Eliana Calmon, em entrevista ao “Bahia Notícias“]

“A gestão temerária dos requeridos alcançou precatórios com valores vultosos, bem ainda em razão da gravidade das condutas, que ocasionaram o efetivo prejuízo ao erário, revela-se inapropriada a aplicação de outra pena que não a de disponibilidade com vencimentos proporcionais”. [Arnaldo Hossepian, relator, em voto vencido, acompanhado pelos conselheiros Maria Teresa Uillie, Daldice Santana e Rogério Nascimento].

“O modo como os precatórios foram tratados não é de longe o ideal. É nossa responsabilidade de zelar a expedição de precatórios. E é exatamente por conta dessa responsabilidade que o dever de cuidado exigido é especial e fica a cargo de desembargadores. Conduzir de forma omissa ou negligente não é falta desprezível”. [Rogério Nascimento].

 

 

 

 

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Juiz que soltou Lula foi auxiliar de Gilmar Mendes no mensalão https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/11/09/juiz-que-soltou-lula-foi-auxiliar-de-gilmar-mendes-no-mensalao/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/11/09/juiz-que-soltou-lula-foi-auxiliar-de-gilmar-mendes-no-mensalao/#respond Sat, 09 Nov 2019 15:33:36 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/Juiz-federal-Danilo-Pereira-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=45460 O juiz federal Danilo Pereira Júnior, que expediu o alvará de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conhece bem as duas fases do processo inaugurado com o mensalão, que levou à prisão políticos e empresários: o julgamento e o cumprimento da pena.

Ele foi juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes, no Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mensalão (Lula não foi denunciado na ação penal do mensalão).

Como afirma a Folha em editorial neste sábado (9), sob o título “Retrocesso penal”, o STF foi protagonista “ao julgar com rigor os desmandos revelados no mensalão e ao favorecer a aplicação de instrumentos que ajudaram a recuperar bilhões roubados dos cofres públicos e a condenar figuras que muitos pensavam imunes à corrupção”.

No exercício do cargo de juiz de execução, Danilo Pereira Júnior cumpre decisão do STF, que, ainda segundo o jornal, “reverteu o instituto que ajudou a mudar a percepção sobre o alcance da lei”.

O magistrado é respeitado pelos colegas, tem grande experiência em matéria de execução penal, área em que sempre atuou. Foi juiz do presídio federal de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná.

No STF, ele atuou na mesma época em que o ministro da Justiça Sergio Moro, especializado em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, foi convocado pela ministra Rosa Weber para auxiliá-la no Supremo.

Dias Toffoli teve a seu lado no gabinete durante o julgamento do mensalão o então juiz e hoje desembargador Carlos Vieira von Adamek, atual secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça.

Na gestão da ministra Cármen Lúcia no CNJ, o cargo hoje ocupado por Adamek foi exercido pelo juiz criminal Júlio Ferreira de Andrade, de Minas Gerais. Andrade foi juiz auxiliar da ministra no julgamento do mensalão.

O juiz federal João Carlos Costa Mayer Soares, de Minas, ajudou Ayres Britto. O juiz Leonardo de Farias Duarte, do Pará, auxiliou Joaquim Barbosa.

 

 

 

 

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Legislativo deve decidir sobre prisão de deputado, determina Cármen Lúcia https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/10/17/legislativo-deve-decidir-sobre-prisao-de-deputado-determina-carmen-lucia/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/10/17/legislativo-deve-decidir-sobre-prisao-de-deputado-determina-carmen-lucia/#respond Thu, 17 Oct 2019 16:59:06 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/Cármen-e-prisão-de-deputado-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=45166 A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou ao juiz federal Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que comunique à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro — “imediatamente, com urgência e prioridade”– a condição prisional do deputado estadual Luiz Martins (PDT), para que o Legislativo decida, no prazo máximo de 24 horas, sobre a prisão do parlamentar.

Martins é um dos deputados presos por conta das investigações do MPF e Receita Federal na “Operação Furna da Onça”, que apura a suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e loteamento de cargos públicos na administração estadual.

A ministra assinou a decisão nesta quarta-feira (16).

Cármen Lúcia registrou que o plenário do Supremo assentou, por maioria, ser extensível aos deputados estaduais as imunidades previstas na Constituição, segundo as quais, devendo a prisão decretada por qualquer tribunal ser submetida a exame do Poder Legislativo estadual.

A ministra assinalou que a essa decisão do plenário foi tomada, inclusive, contra o voto dela.

Na reclamação, a defesa argumenta que a prisão temporária do deputado foi decretada em 8 de outubro de 2018 e levada a efeito em 8 de novembro de 2018. Em 12 de novembro de 2018, foi convertida em prisão preventiva, “em suposta contrariedade ao decidido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.526”.

A defesa alegou a impossibilidade de impor-se aos membros do Legislativo prisão preventiva –ou qualquer outra forma de prisão cautelar–, somente sendo possível em flagrante delito.

Em dezembro de 2018, o ministro Dias Toffoli determinou que a reclamação fosse distribuída ao ministro Gilmar Mendes, pelo vínculo com outra reclamação. A Procuradoria-Geral da República postulou, em janeiro, que a distribuição fosse reconsiderada, de modo que a reclamação fosse distribuída a Cármen Lúcia.

A defesa alegou que a autoridade reclamada, “em nenhum momento, mesmo ciente da decisão tomada na ADI nº. 5.824/RJ pelo Plenário deste E. Tribunal, [cogitou] submeter qualquer matéria à deliberação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro”, insistindo em continuar a processar o deputado com a manutenção da prisão cautelar.

Após a conclusão do julgamento das Medidas Cautelares nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.823, 5.824 e 5.825, em 8 de maio de 2019, foi mantida a prisão do parlamentar com o recebimento da denúncia em 23 de maio de 2019.

“Não se atendeu, então, o julgado deste Supremo Tribunal que, por maioria, contra o meu voto, foi no sentido de ser necessária submissão da decisão de prisão do parlamentar estadual à deliberação do Poder Legislativo estadual sobre a medida adotada”, registrou Cármen Lúcia.

A decisão deverá ser tomada pelo Legislativo, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros.

(*) RECLAMAÇÃO 32.808 RIO DE JANEIRO

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A madre superiora do STF e o procurador do baixo clero https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/09/23/a-madre-superiora-do-stf-e-o-procurador-do-baixo-clero/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/09/23/a-madre-superiora-do-stf-e-o-procurador-do-baixo-clero/#respond Mon, 23 Sep 2019 04:00:36 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Cármen-Lúcia-e-Moacir-Guimarães-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=44891 A ministra Cármen Lúcia, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, é ex-aluna de internato de freiras e já disse ter uma “madre superiora” dentro de si. Moacir Guimarães Moraes Filho, subprocurador-geral da República, é considerado por colegas um membro do chamado baixo clero do Ministério Público Federal.

Cármen Lúcia “sabe separar fé e jurisdição”, no dizer de um magistrado. Religiosa, a ministra votou a favor da Marcha da Maconha, da cota para negros, da união gay e do aborto de anencéfalos. Moacir Guimarães costuma confundir prerrogativas do cargo com interesses pessoais. Protagonizou vários episódios em que foi criticado por não zelar pela imagem do MPF.

O membro do MPF não figura entre os cardeais do Parquet. Foi denunciado pelo franciscano leigo Claudio Fonteles, à época procurador-geral da República, sob acusação de usar o cargo em proveito próprio. Moacir Guimarães foi absolvido pelo STJ da acusação de crime de concussão –obter vantagem indevida, de natureza pecuniária, de uma construtora com a qual mantinha vínculo contratual.

Em outra ação, foi condenado por uso indevido de sinais públicos –armas e brasões oficiais– em ofícios que enviou à Receita Federal e à Polícia Federal, em proveito próprio, particular. A pena de 3 anos e 6 meses de reclusão foi substituída por pena restritiva de direito (prestação pecuniária de R$ 1 mil mensais, valor corrigido anualmente, durante o tempo da pena privativa de liberdade).

Pelos mesmos fatos, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou a pena de suspensão por 90 dias ao subprocurador-geral, “pelo descumprimento dos deveres funcionais concernentes em desempenhar com zelo e probidade as suas funções e guardar decoro pessoal”.

Em sua defesa, o subprocurador alegou que “agiu no estrito cumprimento do dever legal de apurar as supostas irregularidades cometidas pela empresa de construção civil contra mais de cem consumidores”. Fonteles discordou, na época: “A questão é nitidamente privada”.

O então PGR informou que o subprocurador-geral fez tramitar um procedimento contra a construtora “no âmbito de seu próprio gabinete” e denunciou a construtora à Polícia Federal, à Delegacia do Consumidor e ao Procon.

Cármen Lúcia é uma pessoa desprendida, de hábitos espartanos. Assim como fazia o ministro David H. Souter, da Suprema Corte dos EUA, ela costumava dirigir seu próprio carro a caminho do STF.

Para azar do subprocurador, foi distribuído a Cármen Lúcia mandado de segurança em que Moacir Guimarães requereu a “concessão de liminar, sem a audiência da parte contrária” [a procuradora-geral da República], para que fosse “imediatamente disponibilizado” a um servidor de seu gabinete uma vaga de garagem no prédio da PGR.

Eis alguns comentários de Cármen Lúcia, ao indeferir o pedido:

– “Estranha a pequeneza da discussão trazida a este Supremo Tribunal, em país angustiado por problemas essenciais da vida pessoal e social dos cidadãos”.

– “A questão posta nos autos não tem, na forma nem na matéria, substância ou importância significativa a permitir que se acione o órgão de cúpula do Poder Judiciário, assoberbado por questões de gravidade nacional, com questiúncula que não precisaria sequer se apresentar em sede judicial”

– “Não é por estar permanentemente aberto ao cidadão – como tem de estar – o Poder Judiciário, que se há de considerar formalmente regular ou juridicamente aceitável, possa alguém banalizar a via judicial para promover questionamentos sem fundamento jurídico e sem embasamento que não os humores pessoais do autor”.

– “Gabinete de órgão público não é propriedade particular nem servidor público tem seus direitos confundidos com a chefia direta ou indireta, vinculando os seus direitos ao ente – no caso, a União – cujos quadros integra”.

No último dia 7 de agosto, Raquel Dodge suspendeu os efeitos de portaria que concedera a Moacir Guimarães Moraes Filho aposentadoria voluntária, com proventos integrais.

Uma nova portaria determinou seu imediato retorno à atividade.

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