Frederico Vasconcelos https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br Interesse Público Fri, 03 Dec 2021 01:34:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Desembargador investigado é eleito pela terceira vez para o TRE da Bahia https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/03/25/desembargador-investigado-e-eleito-pela-terceira-vez-para-o-tre-da-bahia/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/03/25/desembargador-investigado-e-eleito-pela-terceira-vez-para-o-tre-da-bahia/#respond Thu, 25 Mar 2021 03:19:15 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Hirs-Frank-e-Jatahy-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=49326 O desembargador Mário Alberto Simões Hirs, do Tribunal de Justiça da Bahia, foi eleito nesta quarta-feira (24) para exercer o cargo de juiz do Tribunal Regional Eleitoral, na classe de desembargador, no biênio 2021-2023.

Será a terceira vez que Mário Hirs integrará a corte. (*) A eleição foi antecedida de críticas e suposições de que ele pretende dirigir as eleições de 2022.

Mário Hirs obteve 24 votos, superando os concorrentes José Cícero Landin Neto (19 votos) e Baltazar Miranda Saraiva (8 votos). Votaram 51 dos 61 desembargadores do tribunal. Não houve votos brancos e nulos.

Suspeito de cometer graves irregularidades quando ocupou a presidência do TJ-BA, Mário Hirs atualmente é investigado no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por suspeita de tráfico de influência em processo sobre conflito fundiário.

Mário Hirs tomará posse na próxima segunda-feira (29). O presidente Edmilson Jatahy Fonseca Júnior, que encerra o mandato na véspera, diz que ele “conhece bem a casa, fato que facilitará a sua missão de manter a Corte Eleitoral da Bahia no lugar de destaque que hoje ela ocupa”.

Em novembro de 2016, Mário Hirs não conseguiu ser reconduzido ao cargo de presidente do TRE-BA. Perdeu para Jatahy Júnior, em eleição conduzida pela então presidente do TJ-BA, Maria do Socorro Barreto Santiago (que viria a ser presa na Operação Faroeste, que investiga vendas de decisões judiciais para facilitar grilagem de terras no oeste baiano).

Escolha do presidente

Uma representação na Procuradoria Regional Eleitoral tenta impedir Mário Hirs de assumir o cargo de juiz no TRE-BA, ou que “seja admitido para cargo de presidente interino”.

O TRE-BA é formado por sete membros, que elegem o presidente entre os dois juízes da classe de desembargadores, ficando reservado ao segundo o cargo de vice-presidente.

Como há um juiz substituto, que não vota, seis titulares escolherão o futuro dirigente entre o atual vice-presidente, desembargador Roberto Frank, cujo mandato termina em abril de 2022, e Mário Hirs. Prevê-se que o vice assumirá a presidência.

Ambos são considerados muito próximos.

O tribunal eleitoral da Bahia será comandado por dois magistrados que –em momentos e circunstâncias diferentes– foram afastados pelo CNJ e retomaram as atividades por liminares do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

Presunção de inocência

Em 2013, o então conselheiro do CNJ Gilberto Valente Martins, a pedido do Ministério Público Federal, sustou liminarmente a posse do então advogado Roberto Frank como membro do TJ-BA pelo Quinto Constitucional.

A medida, tomada três dias antes da posse do advogado, mereceu duras críticas de ministros do STF.

Alegou-se, na época, que Roberto Frank, então juiz do TRE-BA, não reuniria as condições de elegibilidade exigidas, pois estaria respondendo inquérito judicial perante o Superior Tribunal de Justiça, fato que, segundo Martins, “à primeira vista, se mostra contrário à demonstração da conduta ilibada”.

Lewandowski discordou. “A jurisprudência desta Corte é pacífica na linha de que o princípio constitucional da presunção de inocência, veda que se dê tratamento diferenciado a qualquer pessoa ou que esta sofra qualquer restrição de direitos pelo simples fato de responder a um inquérito”, decidiu. Por unanimidade, a Segunda Turma confirmou a liminar.

Gilmar Mendes pediu vista e acompanhou integralmente o voto do relator: “A mera existência de inquérito, que tramita há mais de sete anos, sem sequer denúncia, não tem o condão de obstar a posse do impetrante. No caso, o ato coator não só violou direito líquido e certo do impetrante, como deturpou o próprio conteúdo do princípio da moralidade administrativa, ao empregá-lo como fundamento”.

Precatórios inflados

Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto, ex-presidente do TJ-BA, foram afastados do cargo preventivamente pelo CNJ, em abril de 2013, por não cumprir  determinações nas gestões dos corregedores Gilson Dipp e Eliana Calmon.

Em novembro daquele ano, o colegiado manteve o afastamento (por 15 votos a zero) e abriu processo disciplinar. Entre as várias acusações, havia a suspeita de inflar em R$ 448 milhões os valores de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça).

Em julho de 2014, durante o recesso do Judiciário –e contrariando decisão do relator da ação, ministro Roberto Barroso, que rejeitara pedido semelhante–, Lewandowski, presidente do STF em exercício, concedeu liminar determinando o retorno de Mário Hirs e Telma Britto ao tribunal da Bahia.

Barroso havia considerado em seu voto que “haveria diversos processos no CNJ investigando a conduta dos impetrantes em diversas esferas”. E não aceitou a alegação de “impossibilidade de repetirem as condutas possivelmente irregulares”, caso retornassem ao tribunal.

“Não é desprezível o risco de que a presença dos impetrantes possa dificultar a apuração completa dos fatos, seja pela influência de que desfrutam junto a seus colegas – na condição de presidente e ex-presidente do TJ/BA –, seja pelo compreensível temor reverencial que certamente inspiram nos servidores daquela Corte”, decidiu Barroso.

Os magistrados alegaram que a demora no processo disciplinar representava uma punição antecipada. Na ocasião, a ex-corregedora nacional Eliana Calmon afirmou: “Não posso condenar essa decisão do ministro Lewandowski, pois não se pode deixar alguém afastado do cargo por tanto tempo sem julgamento”.

Eles foram recebidos no tribunal por magistrados e servidores com festa e foguetório, na presença de autoridades baianas. O ex-corregedor nacional de Justiça Gilson Dipp considerou a recepção aos desembargadores “um acinte ao Poder Judiciário”.

Em 2017, o CNJ absolveu Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto. Em 2020, foi extinta a punibilidade dos dois ex-presidentes, por prescrição das infrações disciplinares.

OUTRO LADO

O Blog enviou pedido de informações ao TJ-BA e solicitou comentários ao desembargador Mário Hirs. Aguarda as respostas.

Em julho de 2014, reportagem de Cláudia Cardozo, do Bahia Notícias, reproduziu as seguintes declarações de Mário Hirs, ao retornar às atividades do TJ-BA, graças à liminar do ministro Ricardo Lewandowski:

“Sou um homem comum, um homem simples, nada tenho, a não ser a amizade dos senhores e a benção de Deus”.

“Nós somos desunidos, nós estamos dispersos, nós somos covardes. Essa é a verdade. E talvez por tudo isso, é que coisas como a que aconteceram acontecem, e voltam a acontecer. Sem dúvidas”.

Segundo a reportagem, Hirs afirmou que em nenhum momento teve “raiva e rancor, até mesmo de seus algozes”.

Em junho de 2016, Roberto Frank enviou correspondência ao editor do Blog, incluindo os seguintes esclarecimentos:

“Levo ao seu conhecimento que o Conselheiro Relator, Gilberto Valente, proferiu decisão, em anexo, de arquivamento definitivo do procedimento, em razão do julgamento unânime do mérito do Mandado de Segurança n. 32.491 (Acórdão em anexo), que tramitou perante a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, para conceder a ordem, afastando o teor da liminar proferida pelo Conselho Nacional de Justiça.

Por conta disto, o procedimento já se encerrou no Conselho Nacional de Justiça e também foi definitivamente julgada a questão no Supremo Tribunal Federal”.

(*) Mário Alberto Simões Hirs presidiu o TRE-BA entre 27 de julho de 2010 e 29 de novembro de 2011 e, também, entre março de 2016 e janeiro de 2017.

 

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Desembargador sob investigação quer retornar ao tribunal eleitoral da Bahia https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/03/20/desembargador-sob-investigacao-quer-retornar-ao-tribunal-eleitoral-da-bahia/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2021/03/20/desembargador-sob-investigacao-quer-retornar-ao-tribunal-eleitoral-da-bahia/#respond Sat, 20 Mar 2021 04:42:14 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/TRE-Bahia-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=49300 Na próxima quarta-feira (24), o Tribunal de Justiça da Bahia escolherá quem vai ocupar a vaga de juiz no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. Concorrem os desembargadores Mário Alberto Simões Hirs, José Cícero Landin Neto e Baltazar Miranda Saraiva.

Teme-se uma eleição de cartas marcadas para favorecer Mário Hirs, que já presidiu as duas cortes.

Suspeito de cometer graves irregularidades na presidência do TJ-BA, ele atualmente é investigado no Conselho Nacional de Justiça por suspeita de tráfico de influência em processo sobre conflito fundiário na  ‘Ilha do Urubu’, no Distrito de Trancoso, em Porto Seguro.

Magistrado influente no Judiciário baiano, Mário Hirs estaria articulando o retorno ao TRE-BA com a pretensão de dirigir a corte nas eleições de 2022.

Foi protocolada uma representação na Procuradoria Regional Eleitoral para impedir que ele “assuma cargo eletivo de desembargador do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, bem como não seja admitido para cargo de presidente interino do mesmo”.

Na impugnação, alega-se que “o desembargador foi presidente do TRE em 2010/2011, e interinamente em 2016, e já ajustou nos bastidores que será o novo presidente da Corte Eleitoral, mesmo já tendo desempenhado a função de presidente, o que é inadmissível uma vez que contraria o previsto pela LOMAN no art. 102, quanto à elegibilidade para presidente da corte”.

Em novembro de 2016, Mário Hirs não conseguiu ser reconduzido ao cargo de presidente do TRE-BA. Perdeu para o desembargador Edmilson Jatahy Fonseca Júnior, em eleição conduzida pela então presidente do TJ-BA, Maria do Socorro Barreto Santiago (que viria a ser presa na Operação Faroeste, que investiga vendas de decisões judiciais para facilitar grilagem de terras no oeste baiano).

Na representação ao MPF na Bahia, argumenta-se que “no momento em que oito desembargadores, dos 61 membros do TJ-BA, estão sendo investigados e ou respondem como réus em ações criminais por suposta corrupção (…) não é crível que um ex-investigado pelo CNJ, em um rumoroso processo, seja o escolhido”.

Cópia da representação contra a eleição de Mário Hirs foi divulgada na mídia local sem a identificação do autor, que requereu sigilo por temer retaliações.

Precatórios inflados

Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto, ex-presidente do TJ-BA, foram afastados do cargo preventivamente, em abril de 2013, em sindicância realizada pelo então corregedor nacional, ministro Francisco Falcão.

Foram acusados de não cumprir  determinações nas gestões anteriores, dos corregedores Gilson Dipp e Eliana Calmon. Em novembro daquele ano, o colegiado manteve o afastamento (por 15 votos a zero) e abriu processo administrativo disciplinar.

Eles eram acusados, entre outras, das seguintes irregularidades:

– Suspeita de inflar em R$ 448 milhões os valores de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça);

–   Designação de magistrado aposentado para atuar, de forma gratuita, por quase um ano, no Núcleo de Precatórios do Tribunal da Bahia, contrariando a Lei Orgânica da Magistratura;

– Discrepância entre os cálculos atualizados pelo Setor de Precatórios do TJ-BA e os cálculos realizados pela equipe de correição, que apresentavam substancial excesso em favor dos beneficiários;

– Suspeita de gestão temerária, falta de controle sobre a obrigatoriedade de entrega, pelos juízes, de declarações de bens e valores (imposto de renda).

Liminar no recesso

Em julho de 2014, durante o recesso do Judiciário –e contrariando decisão do relator da ação, ministro Roberto Barroso–, o ministro Ricardo Lewandowski, então no exercício da presidência do STF, concedeu liminar determinando o retorno de Mário Hirs e Telma Britto ao tribunal da Bahia.

Eles foram recebidos no tribunal por magistrados e servidores com festa e foguetório, na presença de autoridades baianas.

Em novembro de 2017, o CNJ absolveu Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto. O então relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, votou pela aplicação da pena de disponibilidade aos dois magistrados, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A maioria seguiu o voto divergente do então corregedor, João Otávio de Noronha, que não encontrou provas “de que os magistrados agiram de má-fé ou desvio voluntário de conduta, em proveito próprio ou de terceiros”.

“A gestão de precatórios não é tarefa fácil para nenhum magistrado”, afirmou.

Beneficiados pela morosidade da justiça, em 2020 foi extinta a punibilidade dos dois ex-presidentes, por prescrição das infrações disciplinares.

OUTRO LADO

O Blog enviou pedido de informações ao TJ-BA e solicitou comentários ao magistrado. Aguarda as respostas.

 

 

 

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Mulheres que enfrentaram o machismo https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/11/10/mulheres-que-enfrentaram-o-machismo/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/11/10/mulheres-que-enfrentaram-o-machismo/#respond Tue, 10 Nov 2020 04:51:48 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/Machismo-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=48477 O Blog pediu a um grupo de leitores a indicação de magistradas, advogadas, procuradoras, promotoras e defensoras públicas que tiveram papel marcante ao enfrentar o machismo no Judiciário.

A proposta teve origem no episódio em que Mariana Ferrer, vítima de estupro, foi humilhada  por um advogado numa audiência em Santa Catarina diante de um juiz e um procurador aparentemente omissos.

O resultado foi a formação de uma lista de 50 nomes. São mulheres que alcançaram postos de comando, ou sofreram e testemunharam discriminações de gênero.

A seleção inclui autoras de obras sobre violência contra a mulher e jovens profissionais que podem relatar o que está mudando nessas instituições. [veja a relação no final deste post]

O machismo é definido como o comportamento que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem. É um fenômeno que afeta as mulheres em qualquer atividade. É mais grave no Judiciário pelo poder conferido a seus membros.

“A audiência de Santa Catarina mostra o Judiciário e o sistema de Justiça  cruel com as mulheres”, escreveu nas redes sociais a desembargadora aposentada Kenarik Boujikian, do TJ-SP. “Nada do que vimos nesta audiência lembra o papel do Judiciário na perspectiva da construção  de um país que tenha a dignidade humana como fundamento”, disse.

Em 2010, Kenarik condenou a 278 anos de prisão o ex-médico Roger Abdelmassih, acusado de estuprar em sua clínica de reprodução 56 mulheres que sonhavam com a maternidade. [A pena foi reduzida depois para 181 anos de prisão, por 48 estupros de 37 de suas pacientes].

Elas sofreram ao ser violentadas, ficaram expostas quando denunciaram os crimes e frustradas ao verem o “serial rapist” fugir da Justiça depois da condenação.

O ministro do STF Gilmar Mendes concedeu liminar para o ex-médico recorrer em liberdade. O advogado Márcio Thomaz Bastos sustentara, entre outras alegações, que o fato de 56 crimes sexuais terem sido narrados como estupro “incendiou a opinião pública”.

“O mundo penal ainda é dos homens”, Kenarik definiu em 2016. A frase ainda é atual. Em várias ocasiões, ela sustentou ter sido alvo de machismo no tribunal paulista.

Em agosto de 2017, o Conselho Nacional de Justiça anulou, por 10 votos a 1, a pena de censura que o Órgão Especial do TJ-SP aplicara a Kenarik, acusada de ter violado o princípio da colegialidade e libertado réus que estavam presos por mais tempo do que a pena fixada.

A polêmica sobre as discriminações no Judiciário ganhou maior evidência com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2004. Em 2005, um estudo de duas ONGs concluiu que a participação da mulher na Justiça é tanto menor quanto maior é a instância julgadora.

Na primeira sessão como presidente do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2016, a ministra Cármen Lúcia declarou: “Há sim discriminação contra a mulher, mesmo em casos nossos de juízas, que conseguimos chegar à posição de igualdade”.

Em junho de 2017, o TJ-SP decidiu criar o “Comitê de Gênero”, com o objetivo de “propor e fomentar ações institucionais de sensibilização e capacitação de magistrados acerca da temática de gênero”.

 

Entrevistas secretas

É possível que algumas mulheres tenham desistido de ser magistradas, mesmo ultrapassando a fase inicial dos exames no TJ-SP, o maior tribunal estadual do país.

Em 2007, o juiz Marcelo Semer, de São Paulo, tratou neste espaço das entrevistas secretas nos concursos de ingresso à magistratura. “Costumeiramente, questões constrangedoras são abordadas, desde sutis indagações acerca da sexualidade de candidatos, até temas que possibilitem o controle ideológico dos pretendentes às vagas de juiz”, afirmou Semer.

Entre as perguntas feitas por desembargadores foi mencionada a seguinte: “Mas a senhora está grávida. Não acha que já começaria a carreira como um estorvo para o Poder Judiciário”?

Não faz muito tempo, a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, que denunciou contratos suspeitos no Tribunal de Justiça de São Paulo, foi tratada como um estorvo para o Judiciário.

Ela teve a palavra cerceada no Órgão Especial da corte. Quando questionou valores do orçamento, foi interrompida várias vezes. Rindo, desembargadores simulavam confundir o nome da colega com o da ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF.

Maria Lúcia diz que sua carreira foi marcada por discriminações. Quando tomou posse como juíza, em 1988, um corregedor-geral explicou por que era contra mulheres na magistratura: “Mulheres servem para cuidar da família, procriar e pilotar o fogão”.

A juíza e escritora Andréa Pachá, do TJ do Rio de Janeiro, diz que “o machismo, quando falamos de um espaço de poder, é mais sutil e só é percebido por aqueles que têm vontade de enxergar. Daí porque a negação insistente não só de homens, mas também de mulheres, de que exista desigualdade na profissão”.

Ainda Pachá: “Uma juíza firme e exigente ser adjetivada como mal-amada não é vista como vítima de machismo. As piadas sexistas são aceitas e desqualificadas como ofensas porque, afinal, brincadeiras não são manifestação de machismo”.

Pachá diz que “a afirmação de que não há machismo na Justiça vem da mesma ideia de que uma mentira repetida muitas vezes vira verdade”.

Em artigo publicado neste Blog, em novembro de 2015, a escritora afirmou: “Fundamental é que sejam expostas as entranhas da chaga que contamina a dignidade e silencia as muitas mulheres que chegam ao Judiciário e que não encontram as portas abertas para que a igualdade não seja apenas um texto formal e constitucional dos nossos direitos”.

Em abril de 2018, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), maior entidade de classe da magistratura, teve que tratar publicamente do machismo no Judiciário, tema que os tribunais evitam discutir.

Um grupo de mais de 30 juízas, de vários estados, pediu desfiliação da entidade. Seguiram as juízas Geilza Diniz, Rejane Jungbluth Suxberg e Carla Patrícia Lopes, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), inconformadas com a ausência de magistradas entre os conferencistas do 23º Congresso Brasileiro de Magistrados.

Dos 28 palestrantes do evento, havia apenas duas mulheres, e elas não eram magistradas: a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a senadora Ana Amélia (PP-RS).

A juíza-escritora Andréa Pachá também pediu para deixar a entidade. Ela foi vice-presidente da AMB e já assumiu interinamente a presidência da associação.

“Vejo com profunda tristeza a falta de sensibilidade para a importância da pauta da igualdade”, disse Pachá.

 

Território dos homens

A arquitetura das instalações do Judiciário sugere que aqueles espaços foram originalmente destinados a machos.

O primeiro banheiro feminino no Salão Branco do Supremo Tribunal Federal só foi construído na gestão da ministra Ellen Gracie, em 2000. É o que revelam os jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, no livro “Os Onze – O STF, Seus Bastidores e Suas Crises”.

“Ainda hoje, no intervalo das sessões, os ministros desprezam a indicação de gênero na porta e o utilizam também”, afirmam os autores. Ou seja, o machismo permanece naquele espaço que deveria ser privativo das mulheres.

Essa discriminação não ocorria apenas no Judiciário.

A advogada Taís Borja Gasparian lembra que a antiga sede da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) não tinha banheiro feminino no andar da sala do Conselho Diretor. “Eu tinha que pegar um elevador ou descer um lance de escada pra ir ao banheiro”, diz.

Anos atrás, o TJ-SP também não tinha banheiro para mulheres no andar dos julgamentos. “Não é exatamente machismo mas é”, comenta a advogada.

Em 2002, Taís Gasparian foi chefe de gabinete do então ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro. Ela tinha que usar o banheiro do titular da Pasta. “Não ter banheiro feminino era de fato muito desagradável. Eu me sentia fora do ambiente. As mulheres se sentiam excluídas. O local não era para elas”, diz.

A macheza também se manifesta nas sabatinas do Senado Federal, em meio a bajulações.

Primeira mulher a presidir o STF, a ministra Ellen Gracie ouviu do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), durante a sabatina: “Como ginecologista, aprendi a lidar com as mulheres, a entender muito profundamente a sensibilidade feminina”.

Sem levantar a voz, a presidente Ellen Gracie conduziu com serenidade o recebimento da  denúncia do mensalão, enquanto os ministros mais exaltados trocavam insultos.

Primeira mulher nomeada para o Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon admitiu, quando foi sabatinada, que os senadores Edison Lobão, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães foram padrinhos de sua indicação.

“Se não tivesse [esses padrinhos] não estaria aqui”, respondeu.

Quando foi corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon sofreu forte campanha, instigada por magistrados paulistas, por dizer que havia “bandidos de toga” no Judiciário. Não foi ouvida quando disse que a corrupção atingia uma minoria inexpressiva da magistratura.

Ela foi alvo de queixa-crime oferecida por três associações de magistrados sob a alegação de quebrar sigilos ao investigar patrimônio suspeito de 62 juízes. A PGR arquivou a representação.

Apesar desse histórico, Eliana Calmon disse nunca ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho pelo fato de ser mulher. “Essa restrição não vem só dos homens. Vem também das próprias mulheres, que deixam de se candidatar aos cargos de comando”, afirmou Eliana.

Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República aposentada, vai além. “Ao longo da carreira, observei que muitas mulheres são mais machistas que homens. Afinal, machistas são criados por mulheres”, ironiza.

“Penso que o machismo se mostra no número de mulheres nas carreiras jurídicas. Parece que a magistratura nos Estados continua mais fechada”, diz.

 

Mulheres “poderosas”

Ao lado das procuradoras Janice Ascari, Luíza Frischeisen e Isabel Groba, Ana Lúcia participou, em 2003, da Operação Anaconda, que desmantelou na Justiça Federal em São Paulo uma quadrilha que negociava decisões judiciais, envolvendo magistrados, advogados, policiais federais e até um subprocurador-geral da República.

As procuradoras Maria Luísa Carvalho, Isabel e Janice atuaram no caso do Fórum Trabalhista de São Paulo, que levou à prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto, do ex-senador Luiz Estevão de Oliveira e de dois empresários cúmplices. O escândalo do superfaturamento na construção da nova sede do TRT-SP veio à tona em 1998. Elas acompanharam o caso até a decisão em última instância, desmontando chicanas de advogados.

“Alguém comentou que ‘acusação de juiz só com mulheres’”, diz Ana Lúcia.

Na época da Operação Anaconda, o TRF-3 era presidido pela juíza federal Anna Maria Pimentel. A relatora do caso foi a juíza federal Therezinha Cazerta. As duas tiveram papel relevante na tramitação dos inquéritos e da ação penal. (*)

Há manifestações de machismo nas sessões do STF e no CNJ.

No julgamento de um habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski interromperam e questionaram o voto da ministra Rosa Weber.

“Jamais fariam isso com outro ministro”, comentou Maria Berenice Dias, a primeira juíza e desembargadora do TJ-RS. Ela é advogada especializada em direito homoafetivo.

Em agosto de 2016, a então corregedora nacional de Justiça, Nancy Andrighi, encerrou o mandato sem que Lewandowski, então presidente do CNJ, tivesse levado a julgamento cerca de 40 processos que ela tinha deixado prontos para decisão do colegiado.

Nancy Andrighi “abandonou o plenário sem se despedir nem receber a homenagem prevista”, informou o Painel da Folha.

Há dúvidas se Lewandowski faria isso com um corregedor.

 

Ministério Público desigual

Em junho de 2018, o CNMP concluiu pesquisa que demonstrou a desigualdade de gênero e a baixa representatividade feminina nos postos de decisão do Ministério Público.

“O Ministério Público brasileiro, no geral, é ainda uma instituição machista e desigual”, comentou no Facebook o procurador regional da República Welington Cabral Saraiva.

Segundo a pesquisa, o MP é composto por 7.897 membros do sexo masculino e 5.114 do sexo feminino. Desde a Constituição de 1988, 52 mulheres e 240 homens haviam ocupado cargos de procurador-geral, o que representava cerca de 18% de lideranças femininas versus 82% de lideranças masculinas.

O desequilíbrio é constatado no próprio CNMP: em onze anos de existência, 86 homens exerceram mandatos no conselho, contra 11 mandatos de mulheres.

Nesse período, só uma mulher chefiou a Corregedoria Nacional do Ministério Público.

A procuradora de Justiça Valderez Abbud, do MP-SP, atuou no tribunal do júri de São Paulo no julgamento de três crimes graves cometidos por um juiz e dois membros do MP contra as vidas de suas mulheres: os promotores Igor Ferreira da Silva e João Luiz Portolan Minnicelli Trochmann e o juiz Marco Antonio Tavares.

Igor foi defendido por Márcio Thomaz Bastos no primeiro caso de homicídio julgado pelo Órgão Especial do TJ-SP. Acusado pela morte de Patrícia Aggio Longo e por aborto, foi condenado, por 25 votos a zero, a 16 anos e 8 meses de prisão.

Da Procuradoria do Estado de São Paulo foi indicado para a lista o nome da procuradora Flávia Piovesan, ex-secretária-especial de Direitos Humanos [governo Michel Temer].

Sobre a questão do machismo, em 2016 Flávia Piovesan afirmou que o Brasil tem legislação adequada, mas carrega uma cultura atrasada, pautada no sexismo, que leva à “perversidade de fazer da vítima a culpada”.

A atuação do Ministério Público nos estados varia de acordo com o grau de independência em relação ao Executivo estadual.

Para uma melhor compreensão do que ocorre hoje no Ministério Público (federal e estadual), a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen sugere conhecer a experiência dos jovens procuradores e promotores.

Ela recomenda ouvir as promotoras que trabalham com violência doméstica. Elas podem revelar pontos de machismo no sistema de justiça. E avaliar em que medida a Lei Maria da Penha criou um ambiente propício para o combate ao machismo.

“As percepções, desafios e atitudes diferem”, diz Frischeisen.

Eis alguns nomes sugeridos pela subprocuradora-geral: Nathalia Mariel, Hayssa Medeiros e Julia Rossi (PR-AM). Valéria Scarance (MP-SP) e Jaceguara Dantas da Silva (MP-MS), e Mônica Nicida (PGR).

Os leitores fizeram especial homenagem in memoriam a três mulheres:

Esther de Figueiredo Ferraz – Ministra da Educação no governo João Figueiredo, foi a primeira mulher a ocupar a Pasta. Enfrentou as resistências por pertencer a um governo da ditadura, mas contou com apoio de vários grupos feministas. Na década de 40, ingressou no ensino superior, rompendo os preconceitos que condenavam as mulheres nas universidades. Foi a primeira reitora da Universidade Mackenzie. Exerceu a advocacia criminal e de família. Em 1951, participou da elaboração de um plano de combate à prostituição e ao lenocínio. Integrou comissão que criou institutos penais agrícolas no estado de São Paulo.

Ada Pellegrini Grinover – Nascida na Itália, foi uma das maiores juristas e processualistas do país. Defendeu a primeira tese oficial de doutorado na Faculdade de Direito da USP. Foi procuradora do Estado de São Paulo. Participou da elaboração do Código Civil, da reforma do Código de Processo Penal e do Código de Defesa do Consumidor. Foi coautora da Lei de Interceptações Telefônicas, da Lei de Ação Civil Pública e da Lei do Mandado de Segurança.

Alexandra Lebelson Szafir – Bacharel em Direito pela USP, era sócia do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados e membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Atuou voluntariamente para o IDDD e o Instituto Pro Bono em causas voltadas ao terceiro setor. Um parecer jurídico de sua autoria evitou a transferência de internos da Febem para uma unidade prisional de adultos. Morreu em 2016, aos 50 anos. Lutava contra a esclerose lateral amiotrófica (ELA) diagnosticada em 2005.

(*) Com acréscimo de informações em 11/11.

*

“Mulheres que enfrentaram o machismo”

 

Ada Pallegrini Grinoverin memoriam (professora e jurista)

Alexandra Lebelson Szafirin memoriam  (advogada)

Ana Lúcia Amaral  (procuradora regional da República aposentada)

Andréa Pachá (juíza do TJ-RJ)

Angélica de Almeida (desembargadora TJ-SP)

Beatriz Stella Azevedo Affonso (advogada)

Carla Patrícia Lopes (juíza do TJDFT)

Cármen Lúcia (ministra do STF)

Claudia Aoun Tannuri (defensora pública)

Consuelo Yoshida (juíza federal do TRF-3)

Eliana Calmon (advogada, ministra aposentada do STJ)

Ellen Gracie (advogada, ministra aposentada do STF)

Esther Figueiredo Ferrazin memoriam (advogada, ex-ministra da Educação)

Eunice Prudente (advogada, professora)

Flávia Piovesan – (procuradora do Estado)

Geilza Diniz (juíza de direito do TJDFT)

Hayssa Medeiros (procuradora da República)

Isabel Groba Vieira (procuradora da República)

Ivana Farina (conselheira do CNJ, procuradora de Justiça MP-GO)

Ivete Ferreira (advogada e primeira diretora da Faculdade de Direito da USP)

Jaceguara Dantas da Silva (promotora de Justiça, MP-MS)

Janice Ascari (procuradora regional da República)

Julia Rossi de Carvalho Sponchiado (procuradora da República no AM)

Kenarik Boujikian (desembargadora aposentada do TJ-SP)

Laurita Vaz (ministra do STJ)

Ligia Bisogni (desembargadora do TJ-SP)

Liliana Buff de Souza e Silva (advogada, procuradora de Justiça aposentada)

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (subprocuradora-geral da República)

Luzia Galvão (primeira desembargadora do TJ-SP)

Maria Apparecida de Toledo (diretora de cartório)

Maria Berenice Dias (advogada, desembargadora aposentada do TJ-RS)

Maria Lucia Pizzotti (desembargadora do TJ-SP)

Maria Luísa Carvalho (procuradora regional da República)

Maria Tereza Sadek (cientista política)

Maria Thereza de Assis Moura (corregedora nacional de Justiça)

Marisa dos Santos (juíza federal do TRF-3)

Nair Lemos (primeira professora titular de direito da USP)

Nancy Andrighi (ministra do STJ, ex-corregedora nacional de Justiça)

Nathalia Mariel (procuradora da República)

Raquel Dodge (ex-procuradora geral da República)

Rejane Jungbluth Suxberg (juíza do TJDFT)

Rosa Maria Andrade Nery (jurista, desembargadora aposentada)

Rosa Maria Cardoso da Cunha (jurista)

Rosana Chiavassa (advogada)

Silvia Pimentel (professora da Faculdade de Direito da PUC-SP)

Taís Borja Gasparian (advogada)

Tatiane Moreira Lima (juíza do TJ-SP)

Tereza Exner (procuradora de Justiça do MP-SP)

Therezinha Cazerta (ex-presidente do TRF-3)

Valéria Scarance (promotora de Justiça do MP-SP)

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Câmara Federal deve eleger advogado filho de ministro do STJ para o CNJ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/camara-federal-deve-eleger-advogado-filho-de-ministro-do-stj-para-o-cnj/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/24/camara-federal-deve-eleger-advogado-filho-de-ministro-do-stj-para-o-cnj/#respond Sat, 24 Oct 2020 05:06:29 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Mario-Henrique-Nunes-Maia-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=48382 A Câmara Federal deve eleger –em sessão virtual extraordinária nesta terça-feira (27)– o advogado Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia para ocupar, no próximo biênio, a vaga da Casa no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Mário Henrique é filho do ministro Napoleão Nunes Maia, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Câmara confirma a inscrição do advogado. Ele vem sendo citado como o escolhido para o cargo.

O prazo para indicação de outros nomes pelos partidos se encerra às 19h da segunda-feira (26).

Em maio de 2019, o pleno do STJ reconduziu o juiz Luciano Nunes Maia Freire, sobrinho de Napoleão Nunes Maia, ao cargo de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O ministro cearense chegou ao STJ com apoio do conterrâneo Cesar Asfor Rocha, advogado e ex-presidente do Tribunal da Cidadania. Orbita na esfera de influência dos alagoanos Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado, e Humberto Martins, atual presidente do STJ.

Ou seja, o Senado que aprovou Kassio Nunes, com elogios de Calheiros, para a vaga de Celso de Mello no STF não deverá barrar Mário Henrique para o CNJ.

O advogado tem um perfil discreto. Não há maior divulgação sobre seu histórico. Atuou na advocacia privada e foi secretário de câmara no Tribunal de Justiça do Ceará.

Na ficha cadastral publicada pela OAB não consta seu endereço profissional e o telefone profissional.

Segundo um resumo do currículo Lattes disponível na internet, Mário Henrique possui graduação em Direito pela Faculdade Farias Brito, de Fortaleza (2010-2012), onde apresentou trabalho sobre “Limites ao poder de investigação do Ministério Público“.

Não há registro de livros publicados. Quanto a idiomas, consta o Português, que, segundo o formulário padrão do CNPq, “compreende bem, fala bem, lê bem, escreve bem”.

Procurado pelo Blog, Napoleão Nunes Maia não foi localizado pela assessoria do STJ para comentar a indicação do filho.

“Casa dos magistrados”

A escolha de mais um conselheiro por influência de parentes magistrados reflete o esvaziamento do CNJ. Esse processo foi inaugurado na gestão do ministro Ricardo Lewandowski, marcada por prepotência, corporativismo e falta de transparência.

O antecessor, ministro Joaquim Barbosa, mantinha difícil diálogo com as associações de magistrados, que ele tratava como entidades sindicais. Quando assumiu a presidência, Lewandowski afirmou que o CNJ seria “a casa dos magistrados”.

Ao saudar o presidente Luiz Fux, na sessão de posse, Renata Gil, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), disse que o CNJ é o “telhado” da magistratura.

Na gestão do ministro Dias Toffoli, a “casa dos magistrados” ganhou um “puxadinho” para abrigar parentes ou amigos de magistrados.

No primeiro dia de gestão, Toffoli eliminou quarentenas e dispositivos regimentais que impediam os conselheiros de usar o CNJ como trampolim para conquistar vagas em tribunais.

Na ocasião, a ex-corregedora nacional Eliana Calmon disse que “lamentavelmente, é uma forma de aparelhar mais uma vez o CNJ, depois de terem diminuído a idade para ser conselheiro”.

Como este Blog registrou, a mudança criaria facilidades para os conselheiros magistrados e para os seis membros do colegiado não oriundos do Judiciário, que, em geral, são advogados.

Esses advogados estavam impedidos de concorrer a vagas pelo quinto constitucional (vagas do Judiciário que não podem ser ocupadas por juízes de carreira) em tribunais estaduais e tribunais regionais federais. O veto vigorava durante o mandato e dois anos depois de seu término.

Parentes de magistrados

Antes da indicação de Mário Henrique, outros conselheiros foram beneficiados pelo parentesco com magistrados:

1. Em 2019, o então presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, fez campanha interna para eleger Candice Lavocat Galvão Jobim conselheira do CNJ.

Juíza federal, Candice é filha de Ilmar Galvão, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e nora de Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

Ela foi juíza auxiliar de Noronha na presidência do STJ e na Corregedoria Nacional de Justiça. Sua indicação encontrou resistência de um grupo de dez ministros da corte (o STJ possui 33 ministros).

2. O conselheiro Emmanoel Pereira –ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho)– foi antecedido no colegiado pelo advogado Emmanoel Campelo de Souza Pereira, seu filho, indicado pela Câmara dos Deputados.

Erick Pereira, outro filho do ministro, disputou, sem sucesso, uma vaga no CNJ, como representante do Senado.

O ministro Emmanoel Pereira, já enfrentou investigações no Supremo Tribunal Federal e no próprio CNJ. Apurava-se a suspeita de crimes contra o patrimônio e estelionato.

Emmanoel e Erick defenderam o pai em inquérito arquivado no Supremo, sob a relatoria de Toffoli.

Em 2015, a advogada Gisela Gondin Ramos, então representante da OAB no conselho, publicou artigo intitulado “O enterro precoce do CNJ“.

“Estão em pleno curso, sem velas ou coroas de flores, os preparativos para o cortejo fúnebre do CNJ”, afirmou, referindo-se à gestão de Lewandowski.

Cinco anos depois, Eliana Calmon conclui: “O CNJ acabou”.

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Quem é ‘Tia Carminha’, a conselheira dos Bolsonaros e do juiz Kassio Nunes https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/19/quem-e-tia-carminha-a-conselheira-dos-bolsonaros-e-do-juiz-kassio-nunes/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/10/19/quem-e-tia-carminha-a-conselheira-dos-bolsonaros-e-do-juiz-kassio-nunes/#respond Tue, 20 Oct 2020 02:42:34 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Tia-Carminha-Humberto-Martins-e-Asfor-Rocha-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=48355 A juíza federal Maria do Carmo Cardoso, tida como nova conselheira jurídica da família Bolsonaro e madrinha da indicação do juiz Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello, no Supremo Tribunal Federal, é muito conhecida no Judiciário.

Citada como amiga do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), ela faz parte de um grupo de magistrados que circula em torno do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e do também alagoano ministro Humberto Martins, atual presidente do Superior Tribunal de Justiça. Martins é considerado um afilhado de Calheiros.

A figura central desse grupo é o advogado Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, que deixou o cargo em 2012 mas ainda é influente no Judiciário.

Os nomes desses magistrados figuram em eventos, se revezam em listas de candidatos a vagas no Tribunal da Cidadania e estão presentes em manifestações de lobby.

“Tia Carminha”, como é chamada, segundo reportagem de Julia Chaib e Gustavo Uribe, da Folha, disputou, sem sucesso, as vagas dos ministros Arnaldo Esteves Lima e Eliana Calmon no STJ, em 2014. (*)

Em 2011, ela participou de evento em Alagoas, em homenagem a Humberto Martins.

O encontro foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal –até então dirigido pelo próprio Martins. Trata-se do mesmo órgão que mantém um conselho editorial para o qual Asfor Rocha recentemente foi nomeado membro do conselho editorial, um mês depois de ter sido alvo de operação de busca e apreensão pela Polícia Federal.

Entre os oradores, discursou o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB) –filho do ex-presidente do Senado Federal.

A última mesa do evento em Maceió foi presidida por Asfor Rocha. A presença de Maria do Carmo Cardoso, então presidente do TRF-1, foi registrada como uma tentativa de pavimentar o terreno para sua indicação ao STJ, ao lado do então presidente do TRF-3, Fábio Prieto. Ambos não chegaram ao STJ.

Na ocasião, a OAB alagoana criou uma medalha, cujos primeiros homenageados foram Humberto Martins e o advogado Marcus Vinicius Coêlho, ex-presidente da OAB nacional.

Em 2014, Marcus Vinicius apoiou a frustrada candidatura de Kassio Nunes à vaga do ex-corregedor nacional Gilson Dipp, no STJ. Havia resistência no Judiciário a candidaturas de magistrados oriundos da advocacia, concorrendo com juízes de carreira.

Como este Blog registrou, Kassio Nunes, quando atuou como advogado, e Marcus Vinicius Coêlho ajuizaram, cada um, no Tribunal de Justiça do Piauí, ações contra a Toyota do Brasil que resultaram em indenizações milionárias, em valores exorbitantes, a partir de alegados defeitos de fabricação de veículos.

Numa das duas ações patrocinadas por Kassio Nunes, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 18 milhões, dos quais R$ 4 milhões foram executados. A autora da ação de indenização –uma concessionária– alegou danos materiais, lucros cessantes e danos morais.

A Toyota alegou, durante a tramitação do processo, que “em razão da apreensão de um veículo, há cinco anos, a autora pretende receber o valor de R$ 7,3 milhões, quantia com a qual poderia comprar facilmente nada menos do que 49.618 automóveis zero quilômetro semelhantes”.

Na ação em que Marcus Vinícius Coêlho foi um dos advogados, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 7,7 milhões a um empresário e a sua mulher por causa de um acidente –sem vítimas– com um veículo Hilux SW4, sendo que a mulher do empresário não estava no veículo no momento do acidente.

Ouvidos pelo Blog na ocasião, Kassio Nunes e Marcus Vinicius comentaram os processos.

Em 2014, no cargo de corregedor-geral da Justiça Federal, o ministro Humberto Martins incluiu Kassio Nunes e Maria do Carmo Cardoso entre os eventuais auxiliares em correições e inspeções nos TRFs.

Em maio deste ano, a juíza Maria do Carmo Cardoso estava entre os magistrados homenageados pela Justiça Federal de Minas Gerais com a distribuição virtual de medalhas e comendas “a personalidades que auxiliaram a Justiça Federal em Minas”.

O evento foi visto como parte do lobby mineiro para reforçar a proposta de criação do TRF-6, novo tribunal regional com sede em Belo Horizonte, projeto do ministro João Otávio de Noronha, ex-presidente do STJ.

Em junho de 2019, “Tia Carminha” assinou moção de apoio ao então ministro da Justiça Sergio Moro, hoje hostilizado pelos bolsonaristas.

Voluntariamente, 271 juízes foram contrários à exclusão de Moro dos quadros da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), por entenderem que não havia elementos concretos para justificar o processo administrativo requerido por um grupo de 30 magistrados.

Para os signatários, “Moro jamais se desviou dos deveres exigidos de um magistrado sério, alinhado com os princípios éticos, comprometido com a busca da verdade e aplicação da Justiça, com o império da lei, com imparcialidade, atuando no maior caso de corrupção conhecido no mundo, com imensa dedicação, sacrifício e se sujeitando a riscos pessoais e familiares de toda ordem”.

Um entendimento que, nos dias atuais, possivelmente não tem a aprovação dos seguidores dos conselhos de “Tia Carminha”.

(*) Procurada pela Folha, segundo Julia Chaib e Gustavo Uribe, a juíza informou que não iria se manifestar.

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Saiba quem é o inesperado candidato na disputa pela vaga de Celso de Mello https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/saiba-quem-e-o-inesperado-candidato-na-disputa-pela-vaga-de-celso-de-mello/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/saiba-quem-e-o-inesperado-candidato-na-disputa-pela-vaga-de-celso-de-mello/#respond Wed, 30 Sep 2020 15:41:34 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Memórias-de-Kássio-Marques-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=48247 Tido como nome escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, o desembargador Kássio Nunes Marques foi um dos candidatos à vaga do ministro Gilson Dipp no Superior Tribunal de Justiça, aposentado em 2014.

As articulações e o perfil do magistrado piauiense foram revelados neste Blog, em 2015, sob o título “Vaga no STJ é trampolim da advocacia“.

Sua leitura é recomendada para avaliar em que medida os fatos daquela época –apoios e restrições– têm eventual relação com a virtual indicação de Kassio Marques para a cadeira do decano.

A seguir, os principais trechos do post publicado em 6 de outubro de 2015:

***

Entre os 16 candidatos à vaga do ministro Gilson Dipp, aposentado em 2014 no Superior Tribunal de Justiça, estão citados no grupo de favoritos o desembargador Kássio Nunes Marques, do TRF-1, com sede em Brasília, e o desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, com sede em Porto Alegre.

Ambos têm pouco tempo de magistratura, são oriundos da advocacia pelo quinto constitucional e foram nomeados em 2011 pela presidente Dilma Rousseff.

(…)

Kássio Marques “conta com o apoio do presidente nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e é bem visto por Renan [senador Renan Calheiros, do PMDB-AL], o que lhe garante condição de favorito”, informa reportagem de Juliano Basile, publicada no jornal “Valor“, nesta segunda-feira (5).

(…)

O site “Consultor Jurídico” diz que Kássio Marques “é apoiado pelo presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, e pode ser o candidato a atrair o PMDB para a disputa”.

(…)

No último dia 18 de setembro, em artigo publicado no site “Jota“, a ex-corregedora nacional de Justiça e ministra do STJ aposentada Eliana Calmon retomou uma crítica que havia feito em 2009, manifestando “indignação” com a chegada ao STJ de “desembargadores oriundos do quinto constitucional, com poucos anos de magistratura”.

“Chegam ao STJ com bem menos idade, no máximo quarenta anos, diferentemente dos magistrados de carreira que, pela longa vida profissional chegam com bem mais idade.” Com isso, permanecem mais tempo no tribunal superior, têm mais chances de atingir postos de comando.

“Já se arvoram alguns neófitos magistrados, vindos do quinto, a galgarem o Tribunal Superior alguns com menos de três anos de magistratura, tempo insuficiente até para chegarem eles a desembargador, caso fossem juízes de carreira.”

No artigo, Eliana Calmon não mencionou nomes. Mas é certo que ela se referia a Kássio Nunes Marques e Rogério Favreto.

E prossegue a ex-corregedora: “Em toda essa articulação já está um novo advogado de plantão para, usando dos mesmos personagens articuladores, assumir a vaga deixada pelo advogado magistrado que chega ao topo da carreira, como ministro, sem concurso, sem títulos, sem provas, sem tempo cronológico ou de magistratura”.

O que Eliana Calmon sugere –novamente sem mencionar os personagens– é um acordo informal entre o presidente da OAB, Marcus Vinícius Coêlho, e o presidente do STJ, ministro Francisco Falcão. Ambos apoiariam o piauiense Kássio Marques. Sua eventual nomeação pela presidente Dilma Rousseff abriria uma vaga para a advocacia no TRF-1, que seria disputada pelo advogado Djaci Alves Falcão Neto, filho do presidente do STJ, com chances de vir a ser o escolhido.

Falcão, Coêlho e Marques negam esse acerto.

“Eu não estou apoiando ninguém”, diz Falcão, que reconhece Kássio Nunes Marques como “um bom nome”. O presidente do STJ diz que não quer alimentar polêmicas e que o filho é livre para tomar suas decisões.

O presidente da OAB também nega a articulação. O desembargador Kássio Nunes Marques vê “caráter especulativo” na notícia [leia, abaixo, a íntegra da manifestação do magistrado].

Tendo atuado recentemente como advogada, dando parecer em processo de interesse da Toyota do Brasil, Eliana Calmon constatou que o então advogado Kássio Nunes Marques e o advogado Marcus Vinicius Coêlho ajuizaram, cada um, no Tribunal de Justiça do Piauí, ações contra aquela empresa que resultaram em indenizações milionárias, em valores exorbitantes, a partir de alegados defeitos de fabricação de veículos.

Numa das duas ações patrocinadas por Kássio Nunes Marques, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 18 milhões, dos quais R$ 4 milhões foram executados. A autora da ação de indenização –uma concessionária– alegou danos materiais, lucros cessantes e danos morais.

A Toyota alegou, durante a tramitação do processo, que “em razão da apreensão de um veículo, há cinco anos, a autora pretende receber o valor de R$ 7,3 milhões, quantia com a qual poderia comprar facilmente nada menos do que 49.618 automóveis zero quilômetro semelhantes”.

Na ação em que Marcus Vinícius Coêlho foi um dos advogados, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 7,7 milhões a um empresário e a sua mulher por causa de um acidente –sem vítimas– com um veículo Hilux SW4, sendo que a mulher do empresário não estava no veículo no momento do acidente.

Em junho, Coêlho comentou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, o processo em que atuou: “Em qualquer lugar do mundo, quando uma empresa coloca a vida de um consumidor em risco, há condenações pedagógicas. No Brasil, sempre que um consumidor é vitorioso, o caso ganha ares midiáticos e se tenta criminalizar a decisão”.

Essas ações têm em comum decisões tomadas pelo juiz José Ramos Dias Filho, do TJ do Piauí. O magistrado havia sido afastado do cargo pelo CNJ, em 2011, por suspeita de favorecimento em processos. No mesmo ano reassumiu as funções por liminar concedida pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. No último dia 24 de agosto, Celso de Mello tornou sem efeito a medida cautelar que havia deferido. Outro juiz assumiu o caso da Toyota.

Por intermédio de sua assessoria de imprensa, o presidente da OAB afirmou nesta segunda-feira (5): “Não tenho candidato a ministro do STJ. Lamento que informações distorcidas, que fazem parte de uma orquestração para manchar reputações, sejam publicadas visando influir em processos do Judiciário”.

OUTRO LADO

A seguir, a reprodução das respostas do desembargador Kássio Nunes Marques ao pedido de esclarecimentos enviado por e-mail pelo Blog, em 2015

***

Blog – Tem sido publicado que o sr. recebeu o apoio, entre outros, do presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho, e do presidente do STJ, ministro Francisco Falcão. Esse apoio estaria sendo articulado tendo em vista a eventual indicação, depois, do filho do ministro Falcão, advogado Djaci Alves Falcão Neto, para a vaga da advocacia no TRF-1 que seria aberta na hipótese de seu nome vir a ser o escolhido para o STJ.

Kássio Nunes Marques – A formação da lista tríplice no STJ para a vaga do Ministro Gilson Dipp não passa pela Ordem dos Advogados do Brasil, não tendo esta nenhuma ingerência no processo.

Até a presente data, não recebi nenhuma manifestação de apoio por parte do Presidente Francisco Falcão, mas espero contar com o seu voto, assim como dos demais Ministros que integram o Superior Tribunal de Justiça. A ausência de apoio é de fácil constatação pelos próprios Ministros ante a ausência de qualquer movimentação do mesmo a favor da minha candidatura.

Concorri em junho passado à vaga antes ocupada pelo Ministro Ari Pargendler e não tive apoio ou voto do Ministro Francisco Falcão.

Quanto ao que alude estar sendo publicado na imprensa sobre uma suposta articulação para a indicação do filho do Ministro-Presidente à minha vaga, acaso ascenda ao STJ, desconheço qualquer publicação neste sentido sendo esta a primeira vez que chega ao meu conhecimento tal cogitação assim como desconheço também qualquer articulação com este escopo. Induvidoso o caráter especulativo de notícia surgida às vésperas da votação.

As eleições para os novos quadros da OAB ocorrem em novembro deste ano em todo o país e qualquer pretensão às vagas destinadas ao Quinto Constitucional nos Tribunais dependem destas eleições, sendo impossível, qualquer articulação antes dos resultados das urnas.

Blog – Ao levantar dados sobre sua atuação como advogado no Piauí, identificamos duas ações de indenização ajuizadas contra a Toyota do Brasil. Numa das ações, a Toyota foi condenada a pagar R$ 18 milhões, dos quais R$ 4 milhões foram executados.

Uma outra ação de indenização contra essa empresa –também envolvendo valores elevados– teve como um dos advogados o atual presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho. Nesse caso, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 7,7 milhões a um empresário e a sua mulher por causa de um acidente sem vítimas com um veículo Hilux SW4.

Essas ações teriam em comum, além dos valores contestados, decisões tomadas pelo juiz José Ramos Dias Filho, que havia sido afastado do cargo pelo CNJ e reassumido as funções por liminar recentemente cassada pelo ministro Celso de Mello.

Kássio Nunes Marques – Dentre as centenas de processos em que atuei ao longo de 15 anos, subscrevi e assinei petições inicias, bem como patrocinei duas ações judiciais na defesa de uma ex-concessionária da Toyota em Teresina-PI no ano de 2008 perante a Justiça Comum Estadual. Em 2011, quando ingressei no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, substabeleci os poderes a mim outorgados para outro escritório de advocacia, não tendo, a partir de então, notícia dos deslindes dos feitos. Até maio de 2011, data final em que atuei nestes processos, nenhuma decisão havida sido proferida.

O advogado Marcus Vinicius Furtado não atuou em nenhum dos dois processos. Nítido o propósito de se aliar fatos que não possui entre si qualquer relação.

Como não há qualquer dúvida acerca da minha atuação como magistrado – o que por si só é motivo de gáudio, especialmente no curso de uma disputa que desperta muitos interesses contrários ao ponto de se fazerem ilações a eventos que, absolutamente, não se convergem em nenhum ponto –, posso garantir que exerci com o mesmo denodo, honradez e dignidade a função de advogado, chegando a integrar por anos, o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados, destino daqueles que, por sua conduta moral ilibada, são guindados a decidir exatamente as infrações eventualmente cometidas por seus pares.

Lamento pelas distorções dos fatos que chegaram ao conhecimento deste importante meio de comunicação. Não são eles despropositados e não se ocupam a esclarecer nenhum fato útil ao processo, mas tão somente a pinçar palavras, nomes ou fatos que possam fruir ilações com o condão de intervir em meu desfavor na disputa. Sei o quão difícil é um piauiense, filho de professores da rede pública do Piauí figurar em lista para ocupar posição de tamanha relevância e notoriedade, mas me sinto legitimado e preparado para esta missão, se eventualmente for a vontade de Deus e dos Ministros do STJ.

 

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Possivelmente nada acontecerá com o ‘meritíssimo da carteirada’, diz Eliana https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/possivelmente-nada-acontecera-com-o-meritissimo-da-carteirada-diz-eliana/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/07/22/possivelmente-nada-acontecera-com-o-meritissimo-da-carteirada-diz-eliana/#respond Wed, 22 Jul 2020 13:00:26 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Eliana-e-o-meritíssimo-da-carteirada-320x213.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47703 Sob o título “A carteirada do meritíssimo”, o artigo a seguir é de autoria da advogada Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora nacional de Justiça.

***

A sociedade brasileira se indignou com a atitude de um desembargador que, advertido por um policial por estar descumprindo lei local, acabou por afrontá-lo com a apresentação de sua identidade de magistrado, humilhou-o, jactou-se de ser uma autoridade e, ao receber multa pela infração cometida terminou por rasgar a notificação e jogar aos pés da autoridade maior naquele instante, o policial que estava no exercício de suas funções.

O Tribunal ao qual pertence o desembargador apressou-se em anunciar a abertura de um procedimento administrativo e a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, com grande velocidade também abriu um procedimento. Todos disseram-se  indignados com uma prática que não é tão rara no Brasil. Pode-se   dizer que é até comum e vem expressa na arrogância de uma sociedade desigual:  sabe com quem está falando?

O Corregedor Nacional justificou o seu agir pela grande repercussão do acontecimento, sendo conveniente uniformizar a atividade disciplinar.

Esclareça-se que até o ano de 2012 esta avocação estava vedada pelo Supremo Tribunal Federal que não conhecia a competência concorrente do CNJ, só passível de agir em grau de recurso, ou na ausência da atuação dos órgãos dos Tribunais: Corregedoria ou Órgão Especial, exercendo assim competência subsidiária.

Efetivamente a corregedoria Nacional agiu adequada e formalmente  com a avocação da atividade censória.

Entretanto o alvoroço da mídia e a esperança da sociedade brasileira de sepultar mais uma prática inteiramente em descompasso com a modernidade das instituições, nelas incluindo o Poder Judiciário, tende a esvair-se frustrando os brasileiros mais uma vez, sequiosos de igualdade social independentemente das suas atividades profissionais: possivelmente nada acontecerá com o autoritário magistrado, protegido por uma vetusta legislação, a Lei Complementar nº 35 de 1979 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), antecedente à Constituição Federal de 88, nascida em pleno governo militar.

A Loman prevê no artigo 42 como penas disciplinares aos magistrados: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão.

Das seis espécies aos desembargadores só se aplicam duas; a disponibilidade e a aposentadoria compulsória.

A advertência e a censura só são aplicáveis aos juízes de primeiro grau (§ único do artigo 42), a demissão para magistrados vitalícios somente por sentença judicial após o devido processo penal (fora da alçada do CNJ e do órgão especial – artigo 26, I da LOMAN) e a remoção compulsória não alcança os vitalícios e inamovíveis e os desembargadores tornam-se vitalícios a partir da posse (artigo 22, I, “e” da LOMAN).

Será que uma carteirada será capaz de levar o CNJ a aplicar a pena de disponibilidade ou aposentadoria compulsória, ou seria uma demasia?

Fora do campo administrativo a carteirada é crime? Para alguns a tipicidade está no artigo 316 do Código Penal:

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

E o que diz a recentíssima Lei de Abuso de Autoridade nº 13.869/2019), tão festejada pela sua modernidade? Da longa listagem dos diversos crimes previstos a carteirada praticamente não se encaixa em nenhum dos tipos, a não ser no parágrafo único do artigo 33:

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.

E o Código de Ética da magistratura Nacional – Resolução nº 60 de 2008? De tudo que nele consta temos como mais pertinente o  dever contido no artigo 37:

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

A transgressão de um dever funcional pode ser enquadrado como penalidade punível com a pena de disponibilidade ou aposentadoria compulsória?

Fica aqui a lembrança de que só pode ser aplicada sanção disciplinar se prevista em lei formal e material.

Com a palavra pois o Conselho Nacional de Justiça, tão diligente em sua atuação, mas extremamente limitado pela falta de instrumento legislativo capaz de fazer com que os magistrados sejam tão brasileiros como os demais, quando não estiverem no exercício da judicatura.

 

 

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STJ adia denúncia contra o próximo presidente do tribunal eleitoral de Minas https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/06/02/stj-adia-denuncia-contra-o-proximo-presidente-do-tribunal-eleitoral-de-minas/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/06/02/stj-adia-denuncia-contra-o-proximo-presidente-do-tribunal-eleitoral-de-minas/#respond Tue, 02 Jun 2020 21:33:27 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/Eugênio-Aragão-Alexandre-Victor-Herman-Benjamin.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47281 O STJ (Superior Tribunal de Justiça) só deverá examinar no segundo semestre a denúncia contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, acusado de corrupção passiva. (*)

Com o adiamento, ele tomará posse na presidência do TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais), no próximo dia 18, sem o risco de assumir o comando do segundo maior colégio eleitoral do país na condição de réu, se a denúncia fosse recebida.

A ação penal foi retirada da pauta da sessão da Corte Especial desta quarta-feira (3) pelo relator, ministro Herman Benjamin. A defesa pediu que o julgamento sobre o recebimento ou rejeição da denúncia fosse realizado em sessão presencial, e não por videoconferência.

A hipótese está prevista na Resolução 9 do STJ, que autorizou a realização de sessões por  videoconferência, em razão da pandemia.

Ainda haverá uma sessão da Corte Especial neste mês. Mas na última sexta-feira (28) o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, prorrogou até 1º de julho o prazo para a realização de sessões por videoconferência.

O advogado Eugênio Aragão, defensor de Alexandre Victor, impugnou o julgamento por videoconferência, alegando prejuízo à ampla defesa. Considera um “direito inalienável do advogado” a sustentação oral em julgamento presencial, com o comparecimento do representante do Ministério Público e dos membros do colegiado.

Aragão afirmou ao Blog que “o desembargador foi acusado por um fato que não tem nexo com a ação que está nas mãos do ministro Herman Benjamin, por isso ele não é prevento [competente] para julgar o caso”.

Segundo o advogado, “a denúncia configura um abuso, porque contra o desembargador não é apontado nenhum ato que corresponda a uma contrapartida, a uma alegada vantagem que teria recebido”.

Em resposta às acusações, requereu nos autos a rejeição da denúncia por inépcia e ausência de justa causa para seu oferecimento. Pediu, ainda, o reconhecimento da incompetência de Herman Benjamin para atuar na ação penal e a nulidade das interceptações telefônicas.

Aragão alega que a investigação que deu origem à ação tinha outro objetivo: apurar “um suposto esquema de venda de decisões por desembargadores do TJ-MG” interessados no processo de falência de uma empresa.

Os fatos que tratam da mulher e do filho do desembargador teriam surgido “de maneira fortuita” nas interceptações, numa conversa entre um advogado e Alexandre Victor.

Aragão também reclama que Benjamin “não determinou o desmembramento das investigações” e a livre distribuição para ministros do STJ.

Segundo o advogado, a denúncia acusa Alexandre Victor de ter solicitado e recebido vantagem indevida em favor de sua mulher e de seu filho, em troca da candidatura da advogada Alice de Souza Birchal ao cargo de desembargadora pelo Quinto Constitucional, o que seria de interesse do então governador Fernando Pimentel (PT).

A vantagem seria a nomeação da mulher do magistrado para um cargo no gabinete da presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e de seu filho para a vaga antes ocupada por ela. Seriam, segundo Aragão, “indícios totalmente circunstanciais e não portadores de qualquer ilicitude”.

Nepotismo e influências

O desembargador Alexandre Victor de Carvalho é um caso raro de magistrado suspeito da prática de nepotismo envolvendo ascendentes e descendentes. O TJ-MG foi a corte estadual que mais resistiu à ação contra o nepotismo nos primeiros anos do CNJ.

Filho do desembargador aposentado Orlando Adão de Carvalho, ex-presidente do TJ-MG e TRE-MG, Alexandre Victor era procurador de justiça do Ministério Público mineiro. Entrou no TJ-MG pelo Quinto Constitucional.

Foi eleito para o Órgão Especial em sessão aberta pelo pai –que sustenta ter transferido a presidência da sessão para o primeiro-vice-presidente.

Em interceptações telefônicas da Polícia Federal, Alexandre Victor “propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de ‘rachadinha’ para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra”, revela reportagem de Fábio Fabrini, da Folha.

A ação penal adiada tem gerado expectativa por três motivos: a) o investigado esteve no centro de episódios muito suspeitos no tribunal mineiro; b) a denúncia trata de fatos relacionados a figuras que estão em evidência; c) o acusado mantém aliados influentes no Judiciário.

Alexandre Victor participou de inspeções em tribunais quando o atual presidente do STJ, o mineiro João Otávio de Noronha, foi corregedor nacional de Justiça.

Já foi defendido pelo então advogado e hoje ministro do STF Alexandre de Moraes (que foi conselheiro do CNJ em sua primeira composição, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça).

Seu advogado na ação penal, Eugênio Aragão, também é ex-ministro da Justiça.

A reportagem de Fabrini informa que a transcrição dos áudios consta de investigação iniciada em 2015, “cujo foco são supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do segundo maior tribunal de Justiça do país”.

Reportagem de autoria do editor deste Blog, publicada na Folha em maio de 2009, revelou que, no final da gestão de Orlando Adão de Carvalho, o TJ-MG lançou a pedra fundamental de uma sede do tribunal que não saiu do chão. A cerimônia contou com a presença do então vice-governador Antônio Anastasia (PSDB).

O tribunal enterrou uma urna com documentos da obra, suspensa depois por suspeita de corrupção. A comissão de licitação (cinco desembargadores) renunciara por causa de supostas ilegalidades no edital.

Antes de se aposentar, Orlando Adão de Carvalho transferiu, de seu gabinete para o do filho desembargador, a advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais, que atuou como assessora judiciária, de 2005 a 2008. Há indícios de que Leoni receberia seus proventos sem trabalhar.

Pelo acordo familiar, a jovem deveria receber sem ir ao tribunal. Ela foi acusada de extorquir o ex-presidente Orlando Adão. O filho, suspeito de “rachar” parte do salário dela, foi absolvido. A defesa alegou que houve uma “permuta informal”.

Ao Blog, Leoni afirmou que foi a Brasília conversar pessoalmente com a então corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, para relatar que estava sofrendo ameaças –que depois pararam. “Perdi patrimônio, fui prejudicada”, disse.

Desembargador acusa colegas

Os fatos chegaram ao CNJ por canais oficiais. Uma reclamação disciplinar contra Alexandre Victor foi instaurada no CNJ em abril de 2011 por determinação de Eliana Calmon.

Ela recebera do desembargador Doorgal Andrada, do TJ-MG, peças de um habeas corpus com indícios de delitos imputados a Orlando Adão e a seu filho Alexandre Victor.

Andrada sugeriu que houve “negociata” em aluguel, pelo tribunal, de moderno prédio na avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, e que o ex-presidente teria recebido R$ 5 milhões na operação.

Orlando Adão Carvalho negou as acusações de Andrada. “É claro que tudo é mentira, nada de verdade. É apenas a revolta dele contra o presidente”, disse à Folha.

“Nós fizemos a alocação de um prédio para o tribunal. É ilógico que alguém pague R$ 5 milhões a outrem por alugar um imóvel durante cinco anos por R$ 600 mil por mês. Empresa nenhuma jamais faria isso”, disse ele.

Em janeiro de 2014, uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski, atuando no exercício da presidência do STF, determinou que o CNJ retirasse de pauta a reclamação disciplinar contra Alexandre Victor.

Lewandowski entendeu que os mesmos fatos já haviam sido julgados pelo TJ-MG em junho de 2012, em processo disciplinar que absolveu Alexandre Victor por unanimidade, e só poderiam ser revistos pelo CNJ até um ano depois do julgamento.

Na ocasião, o advogado Alexandre de Moraes defendeu Alexandre Victor.

“O que o CNJ não pode fazer é disfarçar uma revisão, como se fosse uma nova reclamação pelos mesmos fatos”, Moraes disse à Folha.

Nas informações que prestou ao TJ-MG e ao CNJ, Alexandre Victor sustentou que não foi demonstrada qualquer conduta ilícita, não havendo indícios de falta disciplinar.

Segundo sua defesa, haveria apenas “declarações e imputações absolutamente falsas e inverídicas”. O desembargador considerou os depoimentos da advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais “confusos, inconsistentes, inverídicos, contraditórios e levianos”.

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(*) AÇÃO PENAL Nº 957/MG (2014/0240346-5)

 

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STJ julga recurso de juiz que inspirou a imagem do ‘bandido de toga’ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/05/18/stj-julga-recurso-de-juiz-que-inspirou-a-imagem-do-bandido-de-toga/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/05/18/stj-julga-recurso-de-juiz-que-inspirou-a-imagem-do-bandido-de-toga/#respond Mon, 18 May 2020 06:09:40 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/Gercino-Donizete-do-Prado.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47143 A Primeira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) julga nesta terça-feira (19) recurso do juiz Gercino Donizete do Prado, de São Paulo, condenado a 8 anos e 4 meses de reclusão. Ele foi acusado de receber propina semanal de um empresário, e de exigir até 13º do extorquido. (*)

Em 2010, a ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon afirmou em entrevista que uma execução foi obstada porque uma das partes teria “molhado a mão do juiz”. A declaração gerou forte reação da magistratura de São Paulo.

Ela não mencionou na ocasião o nome do juiz Gercino –e só viria a usar a expressão “bandido de toga” um ano depois da entrevista.

O juiz atuava na 7ª Vara Cível de São Bernardo do Campo. Chegou a ser afastado pelo TJ-SP por interferência da Corregedoria Nacional de Justiça.

O julgamento de Gercino Donizete do Prado no Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2014, teve ampla repercussão. O juiz foi condenado por unanimidade pelo Órgão Especial do TJ-SP, que acompanhou o voto do relator, desembargador Xavier de Aquino. A quebra do sigilo do processo permitiu a divulgação de um amplo esquema de concussão.

O recurso a ser julgado nesta terça-feira ilustra bem o sistema que permite a demora da realização final da justiça. Em 2015, o caso esteve no centro das discussões sobre a execução da prisão com a condenação na segunda instância.

O juiz está recorrendo no STJ de decisão do Órgão Especial do TJ-SP que rejeitou seu questionamento [exceção de impedimento] em processo administrativo disciplinar.

O juiz Gercino alega que é ilegal o processamento e julgamento do processo administrativo pelo mesmo órgão responsável por condená-lo na esfera judicial.

Ele opôs exceção de suspeição em desfavor do desembargador relator, sob o argumento de que teria recebido em seu gabinete, de forma reservada, testemunha de acusação, que seria sua amiga pessoal. O processo foi liminarmente arquivado pelo Órgão Especial, segundo o entendimento de que não cabe exceção com meras suposições.

Em 2014, Gercino foi condenado a 8 anos e 4 meses de prisão em regime fechado –além da perda do cargo– sob a acusação da prática de extorsão por 177 vezes.

O juiz foi denunciado por exigir de José Roberto Ferreira Rivello o recebimento de vantagens para não converter em falência o processo de recuperação judicial de sua empresa.

A denúncia narra que, entre 2008 e 2011, Gercino recebeu valores em espécie e bens materiais. O juiz recebeu joias –relógios Rolex e Bvlgari, uma gargantilha de ouro no dia do aniversário da sua mulher– aparelho celular, notebook, canetas Montblanc e roupas finas.

Segundo os autos, os valores chegavam às mãos do juiz em três locais: num hotel, num café e até mesmo na Vara onde atuava. A gargantilha de ouro foi entregue na residência do réu.

O empresário também assumiu despesas de viagens e festas para o magistrado –entre elas, uma recepção para 400 convidados, no dia do aniversário do réu. Rivello pagou os serviços de uma assessoria de imprensa para divulgar o nome do magistrado na mídia.

Durante o interrogatório, o juiz Gercino Donizete do Prado afirmou que as acusações eram “absurdas, fantasiosas”, feitas em retaliação, com o objetivo de afastá-lo do processo, porque tomara medidas duras contra o empresário.

Argumentou que a palavra de uma pessoa de má índole –com antecedentes criminais– não poderia prevalecer sobre a palavra de um magistrado.

O advogado José Luiz de Oliveira Lima fez a sustentação oral em defesa do juiz. Disse que ele é inocente e não poderia ser condenado sem provas.

Oliveira Lima alegou que o Ministério Público não apresentou um único documento concreto que comprovasse a entrega de propina. “Não há prova, fotografia, nada”, disse. “Não tem os documentos, porque os fatos não ocorreram”, afirmou o defensor.

Diante de pedido feito pela Procuradoria Geral da República ao STJ para o início da execução provisória da pena, os advogados impetraram o HC preventivo alegando que, de acordo com a decisão condenatória, o mandado de prisão somente deve ser expedido após o trânsito em julgado.

Argumentaram ainda que o juiz foi processado em instância única, sem direito à revisão fático-probatória e sem a observância do duplo grau de jurisdição.

​O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para sustar a execução da pena. Na decisão monocrática, Fux registrou que “o réu na ação penal de trâmite originário no tribunal local não pode aguardar preso, por tempo indefinido, o juízo de valor que será proferido, restando caracterizado o periculum in mora’”.

Posteriormente, Fux reviu seu entendimento e revogou a liminar. O ministro registrou que a garantia do foro por prerrogativa de função “não pode se converter em uma dupla garantia” – o julgamento perante tribunal e, concomitantemente, a inviabilidade de execução provisória da pena imposta ao detentor do foro.

Segundo o ministro, “o que legitima a execução provisória da pena é a decisão colegiada do tribunal local que examina, em toda a sua amplitude, a pretensão do órgão acusador, e não a necessidade de confirmação da sentença condenatória por mais de um órgão jurisdicional”.

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CNJ terá a terceira mulher corregedora https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/05/06/cnj-tera-a-terceira-mulher-corregedora/ https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2020/05/06/cnj-tera-a-terceira-mulher-corregedora/#respond Wed, 06 May 2020 23:07:36 +0000 https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/Maria-Thereza-de-Assis-Moura.jpg https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/?p=47035 A ministra Maria Thereza de Assis Moura, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, será a próxima corregedora-nacional. Ela exercerá o cargo durante o biênio 2020-2022. Substituirá Humberto Martins, que encerrará o mandato em agosto e assumirá a presidência do STJ.

Será a terceira mulher a desempenhar as funções de xerife do Judiciário, cargo já ocupado por Eliana Calmon e Nancy Andrighi.

Maria Thereza foi corregedora-geral eleitoral e é a atual corregedora da Justiça Federal, onde exerce o cargo sem maior projeção. A Corregedoria Nacional de Justiça expõe mais o titular.

A ministra é considerada uma magistrada preparada, correta, discreta e que não compactua com imoralidades. Ela enfrentou reações externas desfavoráveis ao votar pelo arquivamento das investigações da Operação Castelo de Areia. Igualmente, despertou a ira dos movimentos feministas ao votar pelo arquivamento no primeiro caso de violência contra a mulher respaldado na Lei Maria da Penha.

Maria Thereza assumirá um CNJ caracterizado pelo estilo “paz e amor” –segundo definem alguns magistrados. Esse modelo foi inaugurado na gestão do presidente Ricardo Lewandowski, que abriu as portas do órgão de controle para o lobby das associações de magistrados.

A julgar pelo perfil dos antecessores, difícil imaginar como ela enfrentará o exercício desgastante da fiscalização dos pares como corregedora nacional.

Humberto Martins já comparou a atividade correcional com uma terapia. Martins sucedeu a João Otávio Noronha, para quem o papel primordial do CNJ é proteger e blindar a magistratura.

Antes de assumir, Eliana Calmon anunciou que sua principal meta seria combater a corrupção, em continuidade à atuação do ministro Gilson Dipp, em cuja gestão foram afastados vários magistrados –inclusive um colega ministro do STJ, cuja ação até hoje não foi concluída.

Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4, afirmou em 2012, em artigo no site Conjur, que “o desgaste da imagem do Judiciário foi enorme”, mas “Eliana Calmon foi apenas a pessoa que exteriorizou o que estava acontecendo”.

“A culpa foi de todos aqueles praticaram ou que deixaram o mal alastrar-se por seus tribunais”, disse Freitas.

Nancy Andrighi deixou a Corregedoria do CNJ sem que os cerca de 40 processos prontos  fossem levados a julgamento pelo ministro Lewandowski. Segundo o Painel da Folha, ela “abandonou o plenário sem se despedir nem receber a homenagem prevista.”

Ainda é cedo para avaliar a atuação de Humberto Martins, mas permanece válida a observação registrada neste Blog em março de 2018:

“Parece distante o modelo de corregedor disposto a enfrentar resistências para afastar as chamadas maçãs podres do Judiciário –mesmo sabendo-se que se trata de uma minoria.

No CNJ, essa foi a marca deixada pelos ex-corregedores Gilson Dipp, Eliana Calmon, Francisco Falcão e Nancy Andrighi.”

Também foram corregedores nacionais os ex-ministros do STJ Cesar Asfor Rocha e Antônio de Pádua Ribeiro.

***

Eis alguns dados curriculares de Maria Thereza de Assis Moura divulgados pelo STJ:

Antes de ocupar a vice-presidência do STJ, a ministra Maria Thereza de Assis Moura integrou a Sexta Turma e a Terceira Seção do tribunal, tendo ocupado a presidência de ambos os colegiados. Natural de São Paulo, a magistrada ingressou no STJ em 2006.

Foi diretora-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) entre 2016 e 2018, e atuou no Tribunal Superior Eleitoral como ministra substituta (de 2013 a 2014) e efetiva (de 2014 a 2016). Entre 2015 e 2016, exerceu o cargo de corregedora-geral eleitoral.

Atualmente, a ministra compõe a Corte Especial do STJ, é corregedora-geral da Justiça Federal e membro do Conselho Superior da Enfam.

Maria Thereza de Assis Moura também é professora doutora da Universidade de São Paulo (USP); membro do Conselho Consultivo da Rede Mundial de Integridade Judicial da ONU, do Conselho da Revista de Processo, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos.

Com vasta publicação acadêmica, a ministra é bacharel em direito pela USP, mestre e doutora em direito processual pela mesma universidade, tem especialização em direito processual penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialização em direito penal econômico e europeu pela Faculdade de Coimbra.

 

 

 

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