Magnani vê afronta à liberdade de informação

Frederico Vasconcelos

Procurador suspenso diz que Conselho não apontou a frase que teria violado o sigilo

A manifestação a seguir é de autoria de Matheus Baraldi Magnani, que assina o texto como Procurador da República “amordaçado”. Trata da decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que o suspendeu por 90 dias, sob a acusação de ter violado sigilo.

A decisão do CNMP de, a título de penalidade,  suspender-me  por 90 dias em razão do fato de ter dado  uma entrevista à imprensa na qual a sociedade foi informada sobre uma fraude em licitação de uma obra pública (com prejuízos à sociedade estimados pelo próprio TCU em mais de vinte milhões de reais),  constitui, sem dúvida, uma das mais agressivas tentativas de amordaçamento da instituição até hoje assistida. Mais do que isso, é também, sem dúvida, ato deliberado de limitação à liberdade de imprensa no Brasil, opinião que tenho com base em meu direito constitucional de livre convicção.

E é de se ressaltar que a declaração de tentativa de amordaçamento do Ministério Público no presente PAD [Processo Administrativo Disciplinar] partiu do próprio CNMP, através do discurso lúcido e de intenções claras  praticado pelo conselheiro Lázaro [Guimarães], magistrado experiente e isento que votou contra minha condenação.

O episódio é grave, uma afronta sem precedentes à liberdade de informação.

Deve ser ainda mencionado o fato de que eu já havia sido absolvido e elogiado por minha atuação (na investigação da fraude acima mencionada) tanto pela Corregedoria Geral do Ministério Público Federal quanto pela própria Corregedoria do CNMP.

Ambas as Corregedorias confirmaram que minha entrevista foi um ato de informação à sociedade e que nenhum tipo de sigilo havia sido violado.

Mas, de repente, tudo mudou. Apareceu a tese segundo a qual “dar entrevista é ato indecoroso para um procurador, sujeitando-o à pena de demissão”. Até hoje o CNMP não apontou ainda a frase por mim prolatada que teria, em tese, violado algum tipo de sigilo.

O caso concreto, embora tratado de forma discreta até o momento, talvez materialize o mais contundente passo rumo à limitação da liberdade de informação nos  dias modernos. Com a presente decisão, o CNMP aparenta deixar claro que, na sua visão, o Ministério Público não deve ser instrumento de informação da sociedade. E a cada dia mais aumenta a impressão, comum a muitos, de que o CNMP vem seguindo um trajeto bem diferente (e bem menos feliz) do que aquele escolhido pelo CNJ; os órgãos nasceram juntos mas trilharam caminhos absolutamente distintos, até mesmo porque existem diferenças estruturais imensas entre ambos que, hoje, assemelham-se somente no nome de batismo.

O CNJ vai à imprensa e dá informações à sociedade. O CNMP amordaça o Ministério Público. O CNJ corta na própria carne e provoca o avanço. O CNMP põe seus carros oficiais à disposição de deputados, mostrando disposição para o salamaleque com viés político.

Comentários

  1. Cumpre-nos refletir, e muito, sobre um órgão de controle que, a pretexto de não deixar impune uma conduta que entendeu irregular, lança mão de um artifício no mínimo contestável eticamente, e juridicamente teratológico: acorda previamente aplicar a pena de demissão com o compromisso de convertê-la em suspensão, pois se esta fosse aplicada diretamente prescreveria!!!
    Mais, como prova explicita de que os fatos em si pouco importavam, houve manifestação de encaminhamento de votos ao legislativo. Espera-se dos senhores conselheiros, julgadores que eram no caso, no mínimo liberdade de consciência.
    Caberá ao STF corrigir a monstruosa engenharia política disfarçada de ato jurídico, e à sociedade ficar alerta com os indivíduos que ocupam cargos nesse país cada vez mais apenas com o nome de República.

  2. Caro Doutor Matheus,

    Faço parte dessa sociedade podre, e como cidadão não posso deixar de lhe transmitir a minha solidariedade. Essa sociedade está representada por alguns órgãos de controle como o CNMP e CNJ, orgãos indispensáveis à democracia e ao estado de direito, contudo, no lamentável episódio envolvendo sua pessoa, fiquei estarrecido com a atitude do CNMP, atitude antidemocrática e preocupante, em querer fazer-lhe calar e amordáça-lo, talvez porque o Sr. é um homem público, um funcionário público exemplar, trabalhador e que denuncia a sujeira de politicos e dessa gente que utiliza os poderes da república como o fundo de seus quintais e com imoralidade de saltar oas olhos. O CNJ, citado por ti é um órgaõ da grandeza do CNMP, contudo, a imprensa não tem olhos para o CNMP, para denunciar as malandragens que lá existe, fato é, que, o CNJ ganhou a admiração e o respeito da sociedade e o povo tonou guardião daquele órgão, claro, pelo apoio incondicional da imprensa, portanto, a imprensa deve buscar a mostrar o CNMP ao povo brasileiro, para que a sociedade possa conhecer e fazer as cobranças devidas. Não se deixe intimidar, busque o STF e anule essa absurda punição. O Trabalho do MPF ou Estadual somente é fortalecido quando a imprensa caminha junto com esses órgãos, e o motivo para te amordar é apenas um recado aos demais, que eles ponham as barbas de molho e fiquem em alerta, porque uma punição contra ti é uma punição contra o povo brasileiro, porque seu trabalho realmente incomodou, incomoda e vai incomodar muitos politicos, empresários e bandidos públicos e privados de toda espécie, que não estão acostumdos a ir às barras dos tribunais. Um grande abraço. Coragem.

  3. Gostaria de saber se o douto Procurador pretender ingressar judiciamente com vistas a suspender a punição.

  4. Olá, Frederico, olá a todos: Sou o procurador amordaçado, e digo que a entrevista por mim concedida foi relativa ao desvio de dinheiro público, praticado na licitação de uma obra pública em Guarulhos e, nesta ocasião (da entrevista), tão somente discorri sobre os termos do acórdão do TCU que narrava minuciosamente a fraude (e os acórdão do TCU são públicos). Tudo era público nessa história e a Corregedoria reconheceu que minha entrevista não violou sigilo algum , muito pelo contrário, foi um ato justo de informação da sociedade. Numa democracia, fraude milionária em licitação não pode ficar debaixo do tapete, como alguns querem. A sociedade reagirá, acredito nisso.
    Matheus Baraldi Magnani
    Procurador da República (amordaçado)

    1. Você não está só nesse deserto.

      Não deixe de ingressar com a ação competente junto ao STF para coibir essa atitude do CNMP.

      Luciano Lopes Nogueira Ramos

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