Fausto De Sanctis: nova lei de lavagem traz mudanças relevantes, sem grandes avanços
“O Brasil continua à margem da atuação contra o crime organizado”, diz magistrado
O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que foi titular de uma das primeiras varas especializadas no julgamento de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, entende que a nova lei de lavagem aprovada pelo Senado traz inovações importantes –como a exclusão dos crimes antecedentes e o aprimoramento do sistema de comunicações suspeitas. Mas são procedimentos há muito adotados por grande parte dos países. Segundo ele, a nova lei não avança em relação a outras inovações necessárias.
“O Brasil continua à margem da atuação contundente contra o crime organizado, que não possui uma legislação rigorosa específica e sempre consegue interpretações favoráveis às suas ações delituosas”, avalia o magistrado, membro do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS).
De Sanctis é especialista em Direito Processual Civil pela UnB e doutor em Direito Penal pela USP. Em 2008, lançou pela Editora Millennium o livro “Combate à Lavagem de Dinheiro – Teoria e Prática”. É co-autor, com outros juízes de varas especializadas, do livro “Lavagem de Dinheiro” (Livraria do Advogado – 2007).
O magistrado encontra-se nos Estados Unidos, onde realiza pesquisa sobre julgamento de crimes financeiros e profere palestras sobre a legislação e as práticas de combate à lavagem de dinheiro no Brasil.
A pedido do Blog, De Sanctis fez uma primeira avaliação sobre o substitutivo que será enviado à sanção da presidente Dilma Roussef.
A seguir, algumas conclusões:
O substitutivo aprovado melhora de fato a lei em alguns pontos. Destacaria dois:
1. A exclusão do rol dos crimes antecedentes, permitindo, assim e por exemplo, o enquadramento da lavagem decorrente de crime fiscal. Aliás, o Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI (OCDE) em fevereiro deste ano reviu suas Recomendações e fez constar expressamente a necessidade da inclusão da fraude fiscal no rol dos antecedentes. A questão delicada (em termos de Brasil) é o enquadramento da lavagem por fraude fiscal se esta ainda não foi caracterizada pela via administrativa. A jurisprudência, notadamente do Supremo, somente admite o crime fiscal, uma vez reconhecido pela Receita. Ora, poderia existir lavagem decorrente da sonegação ou supressão fiscal se esta sequer foi reconhecida pelas autoridades tributárias atendendo à autonomia (da própria lavagem)?;
2. O aprimoramento do sistema de comunicação de operações suspeitas inserindo-se quem preste serviço de assessoria, consultoria ou auditoria em operações de compra e venda de imóveis ou de participações societárias; de gestão de fundos, valores mobiliários e outros ativos; abertura de contas bancárias e de investimento; de criação, exploração ou gestão de sociedades; financeiras, societárias ou imobiliárias; de contratos referentes às atividades desportivas ou artísticas profissionais. Isso é realmente positivo.
Mas, causam-me bastante perplexidade alguns pontos, s.m.j.:
1. Permitir a eterna negociação por parte de um acusado para uma delação premiada. Isso certamente gerará discussões na jurisprudência porquanto sempre será possível “negociar” a pena, até mesmo a fixada em Sentença.
2. Por outro lado, a vinculação do juiz ao acordo de Delação Premiada parece-me que viola a independência judicial que deve ser, sempre, preservada como, aliás, tem sido nos Estados Unidos. Jamais um acordo vincularia o juiz federal encarregado do julgamento. Se, por hipótese, o acordo for contrário ao interesse público, às Diretrizes estabelecidas para as Sentenças norteamericanas ou for desproporcional à gravidade dos fatos, não há como um juiz acatá-lo, ainda que haja a composição entre o Ministério Público e a Defesa;
3. A lei não contemplou a obrigagoriedade de associações, federações, confederações e clubes de futebol, bem ainda os que atuem sob os “interesses de agremiações” (torcidas organizadas) procederem à comunicação de operações suspeitas o que constitui um equívoco. Seria também necessário o disciplinamento e fiscalização dos agentes de futebol, com imposição de limites jurídicos para, por exemplo, condicionar a atuação mediante registro no Banco Central e na Receita Federal do Brasil; proibição de inclusão de cláusula de irrevogabilidade nos contratos de representação de mão-de-obra esportiva e a atuação para menores de 18 anos; limitar o percentual percebido a título de honorários a uma determinada percentagem; proibir o agenciamento de um clube e atleta deste mesmo clube simultaneamente etc.;
4. Não se procedeu à incriminação da não comunicação de operação financeira, de seu retardamento, da prestação incompleta ou falsa ou revelação de comunicação obrigatória, bem como da estruturação de transações ou operações para inibir comunicação obrigatória, de forma a esgotar toda a possibilidade de tentar obstruir informação vital e que permite a descoberta da lavagem de dinheiro (o sistema de comunicação de operações suspeitas);
5. A destinação de bens decorrentes da Alienação Antecipada (antes do trânsito em julgado) agora é determinada pelo legislador que estabeleceu caber à União, antes, determinar o seu destino. Mais uma vez, uma ingerência indevida sobre assuntos pertinentes ao juiz, uma transferência de decisão do Poder Judiciário ao Executivo;
6. O legislador contempla textualmente a possibilidade da lavagem mesmo no caso de extinção de punibilidade (morte, prescrição etc.). Ora, isso no caso de Lavagem praticada por terceiro para ajudar o criminoso é plenamente viável. Mas,e se estivermos na autolavagem e a pessoa morre? Não haveria como tomar seus bens já que não existe qualquer possibilidade da continuidade da ação penal. Por isso que grande parte dos países da América Latina, os EUA, a Europa etc. adotaram a Ação Civil de Extinção de Domínio (ou seja, a retirada dos bens adquiridos com proventos da infração no campo cível), havendo, inclusive, Recomendação do GAFI nesse sentido.
Assim concluo: as mudanças de relevo (ausência do rol de crimes antecedentes e obrigar mais pessoas à comunicação de operações suspeitas), ora alardeadas com ênfase, nada de avançado possuem no mundo atual (já que são medidas de há muito adotadas por grande parte dos países), apesar de importantes.
Muitas outras inovações são necessárias, notadamente as que não limitam a apreciação dos juízes de primeiro grau, que não devem estar vinculados a acordos entre partes, muito menos aos destinos dos bens ao talante do Poder Executivo, pecando o país por não avançar, de fato, nos pontos mais sensíveis (reconhecimento de infração penal aos resistentes em comunicar operações suspeitas, possibilidade da lavagem mesmo em caso de sonegação, não importando as conclusões das autoridades tributárias a respeito; possibilidade de confisco civil de bens, extensão de outros co-obrigados).
Parabenizo este Jornalista pela Excelente reportagemm, e por escolher bons juizes e conhecedores da causa, em especial, ao Juiz FAUSTO DE SANTIS, um ótimo Juiz, e com ilibada reputação.
O Brasil continua à margem da atuação contundente contra o crime organizado, que não possui uma legislação rigorosa específica e sempre consegue interpretações favoráveis às suas ações delituosas
Concordo em parte com as observações do Fausto de Sanctis. O projeto de lei que vai a sanção realmente poderia ser melhor. A Câmara dos Deputados extirpou várias inovações que haviam sido aprovadas pelo Senado. Porém, divirjo no que tange à colaboração premiada. O texto que vai ao exame da Presidência da República não contém essas regras de delação premiada às quais o desembargador se referiu. A única novidade na disciplina atual desse instituto é a possibilidade de delação “a qualquer tempo”, o que sugere a possibilidade de realizá-la após a sentença condenatória. Aliás, a timidez do legislador neste ponto é lamentável, porque o ideal mesmo seria a regulamentação da pactuação penal (justiça criminal consensual) não só para lavagem de dinheiro, mas para todas as espécies delitivas, como aliás, consta do anteprojeto gestado pela comissão de juristas instituída pelo Senado para propor o novo Código Penal. Por fim, embora o juiz americano possa recusar os “plea agreements” que lhe são apresentados, na prática a maioria esmagadora desses acordos entre o MP e a defesa é chancelado pelos julgadores, porque nos EUA não se conhece a figura do juiz investigador, e o modelo acusatório, de processo penal de partes, é a regra em todas as jurisdições estaduais e no plano federal. Mesmo merecedor de críticas (o artigo 17-D, por exemplo, é uma excrescência e merece veto), o projeto é um grande avanço para o Brasil na luta contra a lavagem de dinheiro, o crime organizado, a corrupção e outros crimes graves.
O texto final, que vai a sanção da presidente Dilma Rousseff, é este aqui: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=109655&c=PDF
Vejam o artigo 1º, §5º (sobre delação), e o artigo 17-D que admite o afastamento automático de servidor público em caso de “indiciamento”. Este é que deve ser vetado, por inverter a lógica das medidas cautelares.
Mas uma das grandes novidades, além, é claro, da supressão da lista fechada de crimes antecedentes, é a previsão do novo artigo 17-B, que permitirá finalmente ao Ministério Público e à Polícia a obtenção direta de “dados cadastrais” (nome, filiação, endereço) de investigados, sem necessidade de prévia decisão judicial.
Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! A previsão contida no artº 17- B é INCONSTITUCIONAL e se aprovada só vai facilitar a vida dos PILANTRAS IMPROBOS. É a mais pura BOBAGEM! Por sinal, toda vez que afastam o JUDICIÁRIO do POVO é para favorecer os MARGINAIS. Me engana que eu gosto! OPINIÃO!
Quem vai dizer se é inconstitucional ou não é o STF. Até lá, a lei está valendo.
Sem sombra de dúvida o Desembargador De Sanctis é uma das maiores autoridades brasileiras sobre o assunto: Lavagem de Dinheiro. Contudo, peca o grande mestre a meu ver, qdo quer, que, todas as decisões importantes na seara do processo criminal, fiquem nas maõs de um juiz de primeiro grau. Não obstante, eu ser ferrenho defensor do Juiz primevo, não concordo com ele sobre essa argumentação, a despeito de aspectos por ele expendidos, pois, o Estado brasileiro deverá funcionar harmonicamente, os poderes deverão agir juntos, haja vista, que, nenhum poder, nenhum ser humano, sozinho, consegue derrotar a criminalidade do colarinho branco, muito menos um juiz sozinho para decidir tudo, como quer o Ilustre Mestre. Peço vênia. è o que penso.
Nunca tinha visto tanto puchasaquismo aqui neste blog!
Senhor Carlos,
Em primeiro lugar peço ao senhor para me respeitar, porque o Senhor não é do circulo de minha amizade, alías, nem o conheço. Segundo, porque não tou puxando saco de ninguém, estou apenas trantando um Doutor em Direito, não por ser Desembargador, mas, por ser Doutor em ciências penais, como ele merece. Terceiro, porque esse HOMEM o povo brasileiro respeita, e não preciso de puxar saco dele, pois, não sou ninguém para alimentar o ego do mesmo. Quarto, acho que o Sr. ficou com inveja a despeito do tratamento a que fiz ao Ilustre mestre das ciências penais.
Por que esse juiz não se tornou Procurador da República ou promotor de Justiça? Magistrado não deve combater o crime: isso é trabalho do Ministério Público e da Polícia. O juiz apenas julga as ações que lhe são submetidas. Ele é bem intencionado. Mas está do lado errado.
O lado certo é o lado da honestidade. Ele pode ser juiz, mas antes é um cidadão. Não só um magistrado pode contribuir para acabar com a criminalidade, mas todo e qualquer cidadão.
Não haver mais o rol de crimes antecedentes, já é um avanço.Pena é a equivocada jurisprudência, no que se refere aos crimes fiscais, que só são considerados configurados após o encerramento do processo fiscal – que pode durar anos e anos . Não precisa entender muito de direito para se reconhecer que os crimes tributários estão sempre de mãos dadas com os crimes de lavagem.
Falou e disse. Eu fui numa palestra sobre tributação e lá falaram que no Brasil o processo do crime fiscal pode ser arquivo se a pessoa pagar o devido até 1 dia antes da condenação ou se o processo prescrever (o que acontece o tempo todo).
O Brasil irá continuar à margem do combate ao crime organizado. Temos várias pessoas dentro do poder interessados justamente na organização do crime. Se você olhar a câmmara e o senado, par ficar em dois exemplos, a situação lá dentro é de organização quadrilheira para assumir o poder dentro do Estado, ou trocá-lo por impunidade com apoio a governos que agem de forma ilícita …
Pois é, falta as pessoas valorizarem mais os esforços de pessoas como De Sanctis e prestar menos atenção nos Malufs e Sarneys.
esta lei vai facilitar para a policia federal investigar, porque nos ultimos anos, somente ela esta correndo atras dos colarinhos brancos
Fred como sempre o Juiz Fausto de D Sactis da um show de competência na sua área de atuação. É lamentável que os nossos legisladores percam a oportunidade de solicitar a ele uma assessoria antes de mandar uma lei para aprovação. Até para uma leiga fica evidente o prejuízo que o pais têm por falta desta iniciativa. Você acredita que haja falta de empenho por parte dos nossos legisladores em atacar o crime organizado de forma verdadeiramente eficaz? Pergunto por que foi essa a questão que um grupo de amigos acabou de levantar. A quem interessa acabar com a atuação do crime organizado no pais? Precisamos encontrar essa resposta.
Sua ideia foi demais! Ele podia ser convidado a falar algumas coisas no Congresso sobre crimes fiscais. Certamente ia acordar os legisladores para um problema fácil de se resolver.