Defesa fora do campo versus torcida pelo réu

Frederico Vasconcelos

Juiz analisa condenação de futebolista na Alemanha e sugere como seria no Brasil


Sob o título “Todo poderoso… RÉU?!”, o artigo a seguir é de autoria do Juiz de Direito Gustavo Sauaia Romero Fernandes, do Juizado Especial de Embu das Artes (SP).
 
Na semana passada, o futebolista brasileiro Breno Vinícius Rodrigues Borges, residente na Alemanha e ex-jogador do Bayern de Munique, foi condenado a pena de três anos e nove meses de reclusão, por ter incendiado a casa da qual era locatário. Estranhamente, nossa comunidade jurídica se calou perante um fato que, se ocorrido no Brasil, causaria arrepios. Refiro-me ao cumprimento imediato da pena estabelecida em primeira instância, mesmo ante a possibilidade de recursos. Tal situação é absolutamente normal na Alemanha, país onde pouco ou nada se fala contra a excelência do Poder Judiciário, muito menos sobre impunidade – menos ainda sobre desrespeito à defesa.

Sinceramente, como juiz de primeiro grau, gostaria que certos juristas explicassem por que um Estado notoriamente civilizado valoriza por completo as sentenças, enquanto outro desenvolve ojeriza implícita – quando não explícita – pelas mesmas. Nas entrevistas e artigos de praxe, destacam que “os juízes erram”. Parafraseando meu amigo Danilo Mironga, seriam os juízes alemães infalíveis, Pancho? Será que, no fim das contas, tinha razão quem advogava a superioridade ariana? O argumento seguinte seria dizer que os juízes brasileiros não tiveram a mesma formação acadêmica. Que eu saiba, é rigorosamente a mesma formação acadêmica dos desembargadores e Ministros. Incrivelmente, também foram as mesmas universidades de promotores, procuradores e advogados. Portanto, se esta assertiva valer, devo chamar Cazuza para concluir que somos iguais em desgraça e devemos cantar o blues da piedade.

Não discuto que um desembargador ou Ministro possui mais experiência. Tal vivência jurídica, e até de vida, constitui uma vantagem incontroversa. Por outro lado, o julgador de primeiro grau tem a seu favor o contato direto com a prova. O que agora tentam enfocar como temerário é, a rigor, o que mais aproxima o Poder Judiciário da verdade real. Quem pergunta e ouve as respostas, em audiência, tem a possibilidade de obter impressão inteligente e sensível sobre o que embasará a decisão. Conduzir a instrução não é problema. Pelo contrário. Fazê-lo bem é o melhor caminho para a solução da lide. Não é por outro motivo que, na maioria esmagadora dos países de melhor desenvolvimento humano, independentemente de o Direito ter origem romana ou costumeira, as decisões de primeiro grau têm efetivo valor. Trata-se de reconhecer um trabalho, no lugar de dar o erro judicial como presumido.

Vale destacar que, tanto lá como aqui, existem formas de impedir que uma sentença evidentemente equivocada tenha efeitos instantâneos. É o caso do Habeas Corpus. Mas o Direito brasileiro decidiu ir além. Além de suspensão ilimitada das sentenças condenatórias, a lentidão dos Tribunais Superiores faz com que, por vezes, nem exista a palavra final sobre ser o réu culpado ou inocente. No Brasil, é possivelmente o que teria sido de Breno, se tomarmos o exemplo de um ex-colega, o atual comentarista Edmundo. Mesmo com duas condenações, em primeira e segunda instâncias, seguiria atuando normalmente, até o dia em que o processo prescrevesse na fila do STJ ou STF. Não tenho o talento estatístico de alguns jornalistas, mas deve se tratar do único caso de um time estar ganhando por 2 a 0 e perder por WO. Daí se dizer que, em campo brasileiro, ampla defesa se transforma em torcida pelo réu.

Alheia a tais polêmicas, a Justiça alemã já coloca Breno pagando pelo que se concluiu ter feito. Na curiosa interpretação germânica, o princípio da Inocência significa que todos são inocentes até sentença em sentido contrário. Na avançada legislação brasileira, renovada a cada ano com projetos mais condizentes com um livro de ficção científica, o réu é inocente até que não caiba recurso algum. Enquanto isso, para todos os efeitos, ele é alvo de uma conspiração de policiais, testemunhas, promotores, juízes, desembargadores e, logicamente, vítimas. Pelo Bayern, a defesa exposta prejudicou a trajetória do zagueiro-réu. Estivesse no Brasil, a História seria outra. Não se trata mais de ampla defesa. É retranca descarada, mesmo.

Mas poderia ser pior. Parreira poderia ter sido jurista… 

Comentários

  1. Muito bem.

    Gostaria de saber do meritíssimo então, como ficaria então o caso de erro judiciário? Tivemos um caso recente do homem que morreu de enfarto após saber que recebia a indenização por ficar preso 19 anos injustamente.

    E nesse caso doutor? poderia ser cumprida imediatamente a sentença de primeira instância ou teriamos que aguardar 20 anos de recursos + 15 anos para pagamento do precatório?

    Dá pra fazer direito comparado com a Alemanha também?

    grato

    1. Na verdade, se for contar lá na Alamenha a histórica desse caminhoneiro, que acabou morrendo sem receber a indenização mesmo tendo apelado para um tribunal internacional, ou não iriam acreditar, ou iriam ter também um ataque cardíaco.

  2. O belíssimo e bem fundamentado (além de irônico) post faz meditar com seriedade. E logo vem à mente que para ser aplicável tudo quanto ali se contém seria preciso, antes de mais nada, radicalizar a observância do princípio da identidade física do juiz criminal. Réus, testemunhas e peritos somente poderiam ser ouvidos pelo juiz instrutor, que seria o juiz sentenciante. Nada mais de cartas precatórias, cartas de ordem, delegações. E a sentença não poderia tardar, sob pena de evanescimento da prova. A Lei Federal nº. 11718 é de meados de 2008, em vigor portanto há quatro exatos anos; está sendo observada fielmente? Inclusive pelo autor do post?

  3. Sobre a qualidade das decisões dos juízes de primeiro grau e dos tribunais de segunda instância, assim se referiu a Ministra Laurita Vaz do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do do HC 208.887:

    “(…)

    Prosseguindo, apenas acrescente-se ser nítida a afronta do Juiz Singular e do Tribunal a quo ao posicionamento deste Superior Tribunal e do Supremo Tribunal Federal que, ao editarem as referidas súmulas, pacificaram seu próprio entendimento acerca da matéria.

    Relembre-se ao Magistrado de piso e à Corte origem que a edição de súmulas é apenas o último passo de longo processo de uniformização da jurisprudência, após inúmeras discussões e divergências dentre os próprios ministros, em diversos órgãos julgadores, acerca do sentido e alcance de dispositivos.

    O acolhimento de posições pacificadas ou sumuladas pelos tribunais superiores ou pelo Supremo Tribunal Federal – vinculantes, ou não – está longe de significar um “engessamento” dos Magistrados de instâncias inferiores. O desrespeito, porém, em nada contribui para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Sequer provocam a rediscussão da controvérsia da maneira devida, significando, tão somente, indesejável insegurança jurídica, e o abarrotamento desnecessário dos órgãos jurisdicionais de superposição.

    Em verdade, ao assim agirem, as jurisdições anteriores desprestigiam o papel desta Corte de unificador da Jurisprudência dos Tribunais Pátrios e contribui para o aumento da sobrecarga de processos que já enfrenta este Sodalício, além de ensejar grande descrédito à atividade jurisdicional, como um todo.

    Por isso, devem os Julgadores de hierarquia jurisdicional ínfera compreender que, neste Superior Tribunal de Justiça, onde apenas dez ministros têm a hercúlea tarefa de julgar habeas corpus impetrados contra Tribunais de apelação de todo o país, a contraproducente prolação de decisões contrárias aos posicionamentos desta Corte e do Supremo Tribunal Federal é um grande e grave fator – desnecessário – a contribuir para a
    demora na concretização da prestação jurisdicional, causado pelos próprios Juízes das instâncias antecedentes.”

    E a Minitra, certamente, sabe do que fala, já que está todos os dias a analisar as afrontas cometidas todos os dias pelos Magistrados, na condição de julgadora no STJ.

      1. São os que criam novos entendimentos, e fazem com que a Jurisprudência tenha evolução. De outra forma, a Jurisprudência seria estática.

        1. Então só vale contrariar a orientação dos Tribunais Superiores quando é para beneficiar os réus?

          Quando é para contrariar o interesse do réu, não pode?

          1. Pode. Tanto que o Ministério Público frequentemente também recorre aos Tribunais Superiores uma vez que o recurso especial e extraordinário em matéria penal estão disponíveis para as partes no processo penal indistintamente (acusação e defesa). O fato é que a advocacia, de forma geral, se mostra muito atuante e criativa, no sentido de demonstrar de forma científica que em dado caso o acusado é inocente, o que o processo não foi conduzido se respeitando as garantias processuais universalmente aceitas, construindo novas teses. Enquanto os “lagartões” do Ministério Público recebem remuneração fixa independentemente da qualidade do trabalho, já que não são submetidos a qualquer controle popular, contentando-se muitas vezes com “modelinhos” e arrazoados padronizados, a advocacia criminal se reinventa a cada momento objetivando resultados em favor do acusado, pois de outra forma o profissional acaba não sendo bem visto pela comunidade jurídica e acaba sendo excluído do mercado de trabalho.

          2. Há no Brasil uma ideia absolutamente equivocada no sentido de que a lei penal e as garantias do acusado são um “obstáculo” à punição dos culpados, e que a atuação do advogado mais laborioso e criativo leva à impunidade. O que muitos se esquecem é que a atuação dos magistrados e membros do Ministério Público no Brasil pode ser considerada, no que tange à qualidade, como pífia. Acusações ineptas, inquéritos conduzidos de forma superfial, sem fiscalização pelo Ministério Público, decisões precárias e sem fundamentação idônea fazem parte do dia a dia do processo penal no Brasil, o que abre um longo leque para que a defesa, cumprindo suas obrigações, explore essas falhas ao máximo visano obter a absolvição do acusado. Assim, se o brasileiro quer uma Justiça penal boa, ao invés de se tentar criar obstáculos ao exercício do direito de defesa deve ensejar condições para que magistrados e membros do Ministério Público ateiem fogo nos manuais e resuminhos que memorizaram visando obter sucessos em concursos públicos, e comecem a estudar o processo e o direito penal de forma científica, como fazem os advogados bem sucedidos da área.

          3. A propósito, plena razão assiste a Lênio Streck:

            “Mas isso tudo quer dizer: precisamos sofisticar a discussão no Brasil acerca de como se aplica o Direito. Urgentemente. O Direito não pode ser simplificado, estandartizado. O problema é que estamos colonizados por uma baixa literatura, que confunde conceitos e teorias. Basta ver os concursos públicos, que mais estão preocupados em fazer pegadinhas do que perquirir questões reflexivas. Hoje, já não se estuda para concurso; treina-se.” (fonte: http://www.conjur.com.br/2012-jul-06/ideologia-pessoal-define-decisoes-juizes-estudo-ufpr)

          4. Essa é uma dúbia criticando juízes por contrariar entendimentos consolidados de tribunais superiores e enaltecendo advogados que os contrariariam. Sem juízes que acatem as teses inovadoras de advogados não há jurisprudência dinâmica.

          5. Essa é uma dúbiaconsideração criticando juízes por contrariar entendimentos consolidados de tribunais superiores e enaltecendo advogados que os contrariariam. Sem juízes que acatem as teses inovadoras de advogados não há jurisprudência dinâmica.

          6. O cnj desde 2009regulamentou os concursos da magistratura, eliminando pegadinhas. aliás desde a emenda 45 ele monitora os certames. quem tiver uma alternativa melhor aos concursos sinta-se à vontade. ps não vale eleição porque aí prefiro concurso de prognóstico.

  4. Muito pontual o texto; entretanto não temos em mãos maiores informações da Justiça alemão em outros casos para saber se ela só condena pessoas menos abastadas e deixa os de colarinho branco nas ruas, como fazem as suas Excelências os Ministros dos Tribunais Superiores.

  5. Excelente artigo. Diria apenas que a tal presuncao da inocencia e’ relativa. Depende do status social do reu e do eventual clamor publico.
    Alguns condenados em primeira instancia vao direto para a (ou continuam na) prisao.
    Outros – e ai’ vem o detalhe – ja’ sao agraciados pelo presidente do Tribunal do Juri com a liberdade (caso Pimenta) antes mesmo de recurso.
    Por que nao se cria uma especie de “Purgatorio” penal onde o individuo permaneceria por ja’ ter sido condenado mas nao ainda de maneira definitiva?
    Como a quantidade nao e’ tao grande imagino que seria possivel acomoda-los em pouco espaco. E livrar a Sociedade de sua presenca incomoda.

  6. Fred, este artigo é simplesmente triste. Retrata aquele velho complexo de vira-lata tão bem definido por Nelson Rodrigues. A Constituição Brasileira é uma das mais belas e justas do planeta. Ela valoriza, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, o princípio da presunção de inocência e o direito à saúde. Veja que os Estados Unidos estão praticamente copiando o SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil. Ela, a Constituição Brasileira, foi inspirada nos princípios filosóficos que alicerçaram a revolução francesa. Querer comparar a cultura jurídica da Alemanha, um país saxônico e gelado, com o Brasil, um país latino, tropical e de maioria católica, é o mesmo que pretender misturar o óleo e a água. São culturas distintas. Foi na Alemanha onde floresceu o Direito Penal do Inimigo (Günter Jacobs) e o NAZISMO/EUGENISMO, um movimento político com apoio popular que condenou milhões de inocentes à morte, sem direito de defesa.

    1. Olhe para a Alemanha. Olhe para o Brasil. Agora diga: qual país é mais desenvolvido econômica e socialmente? Em qual país as pessoas tem mais segurança pública, acesso à saúde e educação? Em qual país o sistema jurídico se presta eficientemente ao desenvolvimento da sociedade? Em qual país o poder judiciário é mais respeitado e eficaz? Em qual país as pessoas nutrem uma cultura comunitária de respeito ao próximo e às leis? Bem. Não creio se tratar de complexo de vira-lata, mas de pura análise objetiva da realidade: o Brasil ainda é um país muito atrasado. Fique com a nossa Constituição conto-de-fadas. Às pessoas não interessa a beleza das leis, mas sim uma boa qualidade de vida.

    2. Até as pedras sabem que no Brasil as regras jurídicas são criadas e distorcidas, propositalmente, por ingenuidade ou utopia, para beneficiar a bandidagem, o crime, o ilícito e a imoralidade pública.
      Aqui vigora o “princípio do coitadinho” para homicidas e toda a espécie de bandidos.
      Chegamos nessa situação de extrema violência generalizada, que nos mantém reféns em casa, trancados, e de descrédito da Justiça, graças a essa extrema incapacidade de punir com rigor e no tempo necessário.

      1. Essas considerações não são interiramente verdadeiras uma vez, na medida em que as regras são ditorcidas para beneficiar a bandidagem, também o são para perseguir desafetos, promover vinganças pessoais, impor comportamentos não obrigatórios, enfim, promover a tão temida “dominação do homem pelo homem”.

    3. o problema é que não apenas na alemanha vigora a eficácia imediata das decisões judiciais de primeira instância. frança, estados unidos, grã-bretanha, países vencedores do nazismo adotam isso. a diferença é que aqui uma sentença não vale nada, lá, sim.

        1. É o senhor que está desinformado. Pesquise um pouco de direito comparado, mais precisamente presunção de inocência. veja maddoff e outros casos.

          1. Ratifico o meu comentário acima, jovem Moisés. Você está está desinformado. Estude um pouco mais para depois debatermos em situação de igualdade. Se você estivesse preparado para discutir direito comparado de forma racional, não defenderia que o direito brasileiro se posicionasse no mesmo patamar do direito alemão. Recomendo, como bom início, “Introdução à Ciência do Direito”, Reale.

          2. Ah carlos estude também um pouco mais. leia outras coisas que não reale. eu lhe sugiro kelsen ou cossio para que tenhas uma boa introdução ao estudo do direito. Quando chegares ao processo penal leia direito processual penal nos estados unidos da américa. lá inclusive o preso assiste ao julgamento algemado, mas não com uniforme laranja. no tipi, tribunal penal internacional,o preso assiste numa cela de vidro. continue criticando o direito alemão, mas não defenda isso lá fora para não passar constrangimentos.

          3. Leia Reale, meu jovem! É bom para quem está começando a refletir sobre a ciência do direito! Hans Kelsen? Ora, este aí é exatamente a fonte do pensamento de Günter Jacobs, aquele da escola nazista do Direito Penal do Inimigo! Outra coisa: nunca sinta vergonha de defender suas idéias, seja onde for, quando as mesmas são dirigidas à proteção da dignidade da pessoa humana!

          4. Carlos, Carlos o direito penal alemão não se resume a jakobs. welzel e roxin que o digam. Não fique na estratosfera do mundo jurídico, com a cabeça nas nuvens. sei que estás se deliciando com ied, mas já passei por esta fase. O direito serve à vida.é regulamentou de vida por ela é criado e de certo modo a cria pontes de miranda. Comente estas coisas no Brasil.aqui o ultrapassado é pop.

    4. o obamacare vigorará até a entrada de um republicano na casa branca. a lei foi aprovada quando havia maioria democrata. hoje a maioria é republicana na câmara, e há um presidente democrata que vetaria a reforma da reforma da saúde.

  7. O texto é bem-humorado, mas traz profunda reflexão: a desvalorização, no Brasil, da jurisdição de primeira instância, justamente aquela que tem contato direto com as partes e provas.

    Nenhuma medida seria tão eficaz para reduzir a demora na prestação jurisdicional que a valorização das decisões tomadas pelos juízes de primeira instância.

  8. Não sou juiz, mas posso imaginar a frustração de um quando assiste um réu condenado “edmundar”, vendo-se livre sem cumprir a pena ante a demora judicial.
    Tampouco conheço o direito alemão, só tendo estudado aqueles casos (quase sempre) clássicos que, de lá, influenciaram a aplicação do direito aqui. Mas posso falar do direito brasileiro.
    Aliás, posso falar como brasileiro, já que nasci aqui, aqui graduei, aqui permaneço estudando e trabalhando. Não atuo em penal (sou advogado público e fico com nariz enfiado em livros de direito administrativo e tributário mais do que tudo), mas vamos lá.
    Acredite ou não, a constituinte brasileira, após anos de ditadura, resolveu postar a liberdade como regra. A lógica do sujeito permanecer solto até o trânsito em julgado da sentença não se dá da inépcia do juiz de 1o grau, ou ao menos assim não deveria ser, uma vez que um inepto jamais poderia ser juiz. O que ocorre é a possibilidade concreta de reforma da sentença (como vemos em o quê? 20% dos casos? É pouco? Alguns milhares? Também não sou bom quando o assunto são estatísticas). E, convenhamos, o tempo que alguém passa preso por alguma diferença de entendimento que seja, em uma cadeia brasileira (quem já viu sabe! 25 pessoas em uma cela que cabe oito, cheios de naftalina pra evitar sarna e sabe-se lá o quê, um vapor de suor, dormindo em turnos, apanhando, enfim) nada paga de volta. Aliás, ver-se preso injustamente provavelmente é uma das maiores agressões que um indivíduo pode sofrer, física e psicologicamente. Não à toa o art. 5o da CF, em seu inciso LVII diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o que torna (ou deveria tornar!) a prisão antecipada uma verdadeira exceção (elas acabaram se tornando a REGRA, como o nobre juiz e centenas e mais centenas de milhares de miseráveis devem saber).
    Agora, é verdade que a justiça demora, é verdade que os tribunais superiores lidam com casos que em nenhum outro lugar do mundo estaria na pauta de um tribunal superior e isso atrasa ainda mais qualquer condenação. Mas não parece em nada justo impor (mais) essa ineficiência estatal ao cidadão.
    Talvez se tivéssemos uma cultura alemã, uma distribuição de renda alemã, uma previdência alemã, um governo alemão e as prisões indevidas resultassem em polpudas indenizações norte americanas (e o governo as pagasse, em vez de jogá-las no buraco negro dos precatórios…) isso daria certo. E a prisão como exceção não seria, por desnecessária, uma cláusula pétrea da nossa constituição.
    A quem não gosta, uma solução: nova constituinte. =)

    1. Só um adendo, para o assassinato (confesso) do português que cometi na pressa da digitação, uma pequena reparação: lá no quarto parágrafo, o correto seria “o assunto é” e não “o assunto são”. Que doutos desembargadores (ou o repórter!) reformem o comentário (ou do jeito que as coisas andam me mandem pra cadeia, vai saber).

  9. Infelizmente a justiça de primeiro grau é apenas uma ação de passagem. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais seguem a mesma tônica. O interesse dos legisladores é concentrar tudo no STJ e STF. Logo, se é assim, deveriam acabar com as instâncias inferiores. Com isso, tudo começaria e terminaria no STJ e STF. Dessa forma, a questão da presunção da inocência estaria resolvida!!!

  10. O desleal Articulista “se esqueceu” de comparar como são feitos os julgamentos aqui e como são feitos na Alemanhã. Vejamos uma notícia, narrando em parte como foi o julgamento:

    “Eram 9h da manhã de terça-feira, em Munique, na Alemanha, quando Breno chegou ao Tribunal de Justiça. Sempre demonstrando calma, o zagueiro do Bayern foi o tempo todo acompanhado por uma intérprete para entender o que era dito no julgamento sobre ter colocado fogo ou não na própria casa, em setembro do ano passado. Durante cinco horas, o atleta de 22 anos, revelado pelo São Paulo, sofreu marcação cerrada da juíza, ouviu acusação de sofrer com alcoolismo e viu a defesa de seu advogado, que alegou que o jogador não lembra de nada do dia do incêndio por causa do uso de medicamento para dormir dado pelo clube (versão negada por um dirigente).

    O GLOBOESPORTE.COM acompanhou de perto um dia do julgamento que definirá a vida de Breno. As sessões acontecem às terças e quartas e devem ser finalizadas no próximo dia 17, mas é possível que a decisão da juíza saia antes. O contrato do zagueiro com o Bayern foi encerrado no último dia 30 e não foi renovado. Segundo informações da imprensa europeia, o Lazio, da Itália, surge como provável destino caso seja decretada a inocência do jogador no caso. Mas tudo vai depender da decisão da Justiça alemã. Nesta quarta, o promotor do caso afirmou querer que Breno seja condenado a cinco anos e seis meses de detenção.” (fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-alemao/noticia/2012/07/julgamento-acaba-e-breno-pega-tres-anos-e-nove-meses-de-prisao.html).

    Observe-se que o julgamento consumiu vários dias seguidos, e aparentemente o dia do tribunal era dedicado somente a aquele caso. Há relato de que a juiza lia, antes do reiniciou de cada sessão diária, tudo o que havia sido dito e produzido nas sessões anteriores. Um outro mundo. Na Alemanhã, e em todos os países civilizados, é comum julgamentos se estenderem por meses a fio, com três ou quatro sessões por semana. Testemunhas e peritos são ouvidos várias vezes. Seus depoimentos são contraditados, e nenhuma dúvida remanesce quando a instrução se encerra. Aqui no Brasil, mesmo os casos mais rumorosos é difícil ver um julgamento se estender mais do que dois dias. O cerceamento de defesa é permanente. Dúvidas remanscem a todo momento, e a sentença é muito mais uma sucessão de “achismos” do que um verdadeiro julgamento. Condena-se muito mais por preconceito, vingança, rancores, do que propriamente pela conduta do réu, e se vê a todo momento sentenças serem revertidas pelos Tribunais. Erros procedimentais diversos, cerceamento de defesa, abusos de todo gênero são as regras que regem a tutela penal no Brasil. Não tenho dúvida em afirmar que realmente o condenado deveria ir para a cadeia, assim que for prolatada a sentença de primeira instância, mas, frise-se, desde que tenhamos no Brasil uma Justiça penal que se assemelhe à Alemã em matéria de isenção, acuidade, e respeito às regras processuais. Sem que a Justiça brasilera tenha uma eficiência e respeitabilidade mínimas, querer que os condenados sejam recolhidos à prisão tal como na Alemanhã não é só um ato de desonestidade intelectual, mas um ato de desumanidade.

    1. Sim. É muito comum na Alemanha e em outros países o juiz só julgar um caso por ano, em julgamentos que se “estendem por meses a fio”. Aqui no Brasil não há bandidos, há somente pessoas condenadas por “preconceito, vingança e rancores”. Todos os processos estão eivados por “erros procedimentais diversos”, “cercamento do direito de defesa” e “abuso de autoridade”. Até para se ser “intectualmente desonesto” é necessário um pouco de “acuidade”, não é?

    2. bem lembrado! na alemanha um juiz só julga cinquenta casos por ano! aqui raro são os juízes federais que não julgam mil por ano.

  11. O engraçado é que os nossos “juristas”, quando querem fundamentar uma decisão promotora da impunidade, sempre se saem com pomposas citações de doutrinadores alemães, querendo fazer parecer que lá impera a mesma falta de bom senso e balbúrdia que aqui. Certamente, ou traduzem mal o ensinamento, ou o fazem fora de um contexto, ou é pura má-fé mesmo, se não for tudo isso junto! Vendo essa decisão, se pode perceber claramente que o nosso país ainda precisa piorar muito para se tornar um verdadeiro Estado Democrático de Direito, como o é a Alemanha; e que um verdadeiro Estado Democrático de Direito não é aquele que promove a impunidade a qualquer custo, mas, sim, o que faz valer a sua lei penal quando esta é violada, independetemente de quem seja o violador. E para os desavisados ou inocentes úteis, a Alemanha não é exceção no mundo; exceção mesmo é o Brasil, único a elevar o princípio da presunção de inocência à quarta potência.

    1. Perfeito, Daniel.
      Não nos esqueçamos que um dos expoentes do garantismo no STF (sem qualquer demérito nisso) invoca, mais do corriqueiramente, citações doutrinárias e doutrinadores alemães em suas decisões.

  12. Diante de tantos absurdos que emanam de decisões dos tribunais superiores, só com humor para encará-las, para não fazer mal ao estômago.

    Se alguém já foi condenado em uma instância, a presunção de inocência já foi para o espaço. Tanto é que o réu busca alterar o decidido. Se fosse inocente, caberia à acusação ir galgando cada instância para ter confirmada a condenação.

    Essa estória do trânsito em julgado, que não transita nunca, é coisa de quem decide pensando que um dia poderá precisar de uma certa jurisprudência…

    Ao réu é dado o sagrado direito de impedir o trânsito em julgado, que para alguns só se dá com a efetiva baixa dos autos, e quando esses chegam à instância de execução. Assim, o réu pode impedir a execução fazendo juntar sucessivas petições para substituir advogado, por exemplo.No vai e vem dos autos de um setor para o outro, para a juntada da petição e publicação de tal juntada, levar à conclusão, etc e tal, pode-se ganhar alguns anos.

    Mesmo nos processos eletrônicos há quem tenha seus truques.

    A deturpação do real significado do direito à ampla defesa tem premiado a chicana, possível explicação para tamanha impunidade.

  13. Brilhante o artigo do magistrado.
    Só no Brasil a presunção de inocência é levada ao extremo, aguardando a sociedade anos e anos para o tal do trânsito em julgado para efetivação das sentenças.
    Isto com a proliferação de recursos, agravos, agravo do agravo, etc…
    Enquanto isto, em sociedades mais avançadas, com maior grau de cidadania, a EFETIVIDADE da sentença judicial é buscada justamente para que não haja impunidade.
    Mas este ‘fetiche’ garantista que vigora no Brasil não existe porque perseguimos o processo perfeito e, sim, porque queremos manter esta impunidade que tanto interessa a nossas elites.

  14. O texto coloca algumas coisas no trilho. Muito boas por sinal. Contudo, deixa algumas questões de forma duvidosa, pois, subliminar propõe que os juizes julgam de forma exemplar. Ora, na Alemanha os Juizes, são Juizes de primeiro mundo, aqui os juizes, são juizes de terceiro mundo. Portanto, a confiabilidade na justiça do terceiro mundo faz com que, a defesa do terceiro mundo, busque alternativas para que, no fundo, a lei seja cumprida. Por isso no Brasil existem muitos recursos que possam ser considerados desenfreados, é uma questão de CONFIABILIDADE. Um exemplo são as penas aplicadas na 1ª instância de forma exacerbada, v.g, caso do lindomar que matou aquele garota em Sto André – SP. A pena aplicada pela juiza sentenciante foi estratosferica e fora do contexto admissível, imaginem só, caso, não existissem recurSos para aquela teratologica dosimetria, como ficaria o Réu? Que me perdõe o articulista, que propôs sua tese de forma brilhante, porém, no mérito, tive que contrapor.

  15. Cumprimento o Gustavo pelo artigo e acrescento que a presunção de inocência aqui está virando ficção de inocência.Ou que a presunção de incoência está virando absoluta: o réu é inocente, mesmo que todas as evidências digam o contrário. O trânsito em julgado, dada a excessiva tolerância com as revisões criminais, está ficando cada vez mais ficta,Aliás, a imprensa precisa se debruçar sobre o mecanismo das revisões criminais aqui no estado de S.

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