O que pode mudar com a ação do mensalão

Frederico Vasconcelos

Especialistas avaliam o julgamento da AP 470 e seus possíveis desdobramentos

Sob o título “A mensagem do Tribunal”, o “Valor Econômico” publicou nesta sexta-feira (23/11) trechos de debate com três estudiosos de assuntos políticos convidados a analisar o Brasil pós-mensalão: Francisco Rezek, ex-presidente do STF, Marcos Nobre, da Unicamp e Cebrap, e o procurador da República Rodrigo de Grandis. O debate foi conduzido pelos repórteres Cristine Prestes, Juliano Basile e Diego Viana.
Eis alguns trechos e frases selecionadas pelo Blog:

Francisco Rezek: O julgamento tem um valor educativo sem precedentes. Educativo para a classe política, mas também e em igual medida para o setor privado, que induz, ou se deixa induzir, a determinadas práticas que, no passado, não tinham consequências, mas hoje têm e terão no futuro.

Rodrigo de Grandis: Como o STF é o órgão de cúpula do sistema judiciário, veremos um efeito prático importante: o cumprimento da pena privativa de liberdade por crimes de colarinho branco, o que me parece uma raridade no Brasil.

Marcos Nobre: Deixamos de discutir se o Judiciário, como poder independente, funciona. Passamos a discutir como ele funciona. Isso é um avanço gigantesco no Brasil.

Rezek: Não acho que o tribunal, do ponto de vista estritamente jurídico, inovou muito.

Nobre: O julgamento deixou claro que o Judiciário é político. (…) O Judiciário, em especial o STF, faz política através de uma linguagem específica, a linguagem do direito, e um conjunto de procedimentos que também pertencem ao direito.

De Grandis: Nós, que lidamos na linha de frente, esperamos que o Supremo respeite o que ficou decidido na AP 470, para termos uma jurisprudência consolidada do ponto de vista da lavagem de dinheiro e dos crimes financeiros.

Nobre: A jurisprudência se cristaliza ao longo de décadas. Não é um julgamento que vai estabelecer jurisprudência em sentido forte.

De Grandis: O STF, por ser o juiz natural da causa, enfrenta problemas que um juiz de primeira instância encara todo dia. (…) Estou curioso para saber como o STF vai enfrentar embargos de embargos de embargos.

Rezek: É com hipocrisia que alguns dizem suspeitar que amanhã, em outro caso semelhante, mas envolvendo outro contexto ideológico, partidário, estadual, o STF abrandará os padrões de procedimento que adotou na AP 470.

Nobre: Me pergunto onde estão todos aqueles críticos terríveis do sistema de indicação do STF, que disseram que o STF ia ser aparelhado? Agora estão aplaudindo a decisão.

Nobre: [A mídia] teve extrema dificuldade em fazer a mediação cultural entre o julgamento e a sociedade. Quem pinçava as frases não estava preocupado em entender o conjunto do voto de um ministro ou o conjunto do processo.

De Grandis: No meu dia a dia, na 6ª vara criminal de São Paulo, vejo vários processos de lavagem de dinheiro do sistema financeiro, parecidos com o mensalão. Minha frustração é não ver a sentença condenatória ser concretizada, por força do sistema jurídico.

Nobre: Algo lamentável na história recente do Brasil é ter ido por água abaixo a operação Castelo de Areia. Com ela, veríamos exatamente onde estão os entes privados que não aparecem nesses casos de corrupção.

De Grandis: A questão da cegueira deliberada também envolve a participação dos entes particulares, das instituições financeiras e outras atividades em que pode haver lavagem de dinheiro. Para mim, é a grande novidade no STF. (…) A lavagem de dinheiro, no Brasil, só se pune dolosamente. Diferentemente da Alemanha ou da Espanha, não criminalizamos a conduta culposa de lavagem de dinheiro.

Rezek: Até agora, as penas do setor privado, reunindo os núcleos operacional e financeiro, são suntuosamente superiores às do setor público, do núcleo político. Isso poderá sacudir a sociedade brasileira, para que se torne igualmente exigente com o setor privado e o público. Há uma tradição no Brasil de extrema leniência com o setor privado.

Nobre: Uma coisa que o debate público não ressaltou é a consistência dos votos. (…) Pareceu, na discussão pública, que existia um voto, que era o voto correto, o do ministro Joaquim Barbosa, e um voto protelatório, ou de defesa, o do ministro Ricardo Lewandowski. É um absurdo.

Rezek: [Joaquim Barbosa] tem um dos currículos mais exuberantes da história do Tribunal. Poucas vezes se viu, no STF, alguém que, em virtude da sua formação acadêmica múltipla, seria capaz de proferir uma conferência hoje em Paris, uma outra, amanhã, em São Francisco, e uma terceira, semana que vem, em Heidelberg.

Nobre: O Joaquim Barbosa que vimos como relator, eu acho, vai se transferir para a presidência do Conselho Nacional de Justiça.

De Grandis: Estou curioso em relação ao comportamento de Joaquim Barbosa no CNJ, porque sabemos que o ministro tem posições muito próprias.

Comentários

  1. Não existe juridiquês que legitime a defesa do esquema de corrupção que as investigações desnudaram… O único limítrofe que assegurou nada saber sobre o caso é o nosso conhecido anti-herói tupiniquim, aquela espécie de macunaíma sindical…

  2. A Justiça brasileiro não é baseada em precedentes. Mesmo o Supremo, muda sua Jurisprudência ao sabor do vento, de acordo com o jogo político de interesses envolvido. Assim, o julgamento do Mensalão nem de longe representa alguma “mudança de paradigma” ou coisa do gênero.

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