Juízes de SP recebem prêmios de empresas

Frederico Vasconcelos

Corregedor do CNJ quer aprovar resolução sobre os patrocínios privados

Juízes estaduais paulistas recebem presentes de empresas privadas em festas de confraternização de final de ano, como automóveis, cruzeiros marítimos, viagens internacionais e hospedagem em resortes com direito a acompanhante, revela reportagem de autoria do editor deste Blog publicada nesta segunda-feira (10/12) na Folha.

Esses brindes são sorteados como “prêmios” em megaeventos da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), que obtém patrocínio de bancos públicos, empresa de saúde, seguradora, agências de turismo, hotéis e companhias aéreas.

No último sábado, a Apamagis reuniu mais de mil pessoas em festa no Clube Atlético Monte Líbano. Os associados pagaram ingresso de R$ 250. Contrato de patrocínio com a Caixa Econômica Federal, de R$ 10 mil, prevê que o banco oficial assumirá a “divulgação e infraestrutura do evento”.

Outras empresas, como a Qualicorp, administradora de plano de saúde, adquiriram cotas de patrocínio para a festa. Houve distribuição de viagens nacionais e internacionais e sorteio de um automóvel zero quilômetro. A Apamagis não forneceu, como prometera, a lista de empresas doadoras e dos juízes sorteados neste ano.

Em 2010, a confraternização da Apamagis realizou-se no Espaço Transamérica. O evento, para 1.700 pessoas, teve patrocínio do Banco do Brasil, da cervejaria Itaipava, da seguradora MDS  e da operadora de planos de saúde Qualicorp.

O ministro Sidnei Benetti, do Superior Tribunal de Justiça, foi um dos dez sorteados e ganhou um cruzeiro de cinco dias no navio Grand Mistral, para duas pessoas, oferecido pela Agaxtur. A TAM cedeu duas passagens de ida e volta para Paris e a Qualicorp, um automóvel Ford Fiesta Sedan.

Magistrados que defendem essas promoções alegam que a Apamagis é uma entidade privada, e que o interesse das empresas é apenas mercadológico, não comprometendo a independência do juiz.

“Saímos inteiramente dos padrões aceitáveis”, diz a ex-corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. “Recompensa material de empresas não está de acordo com a atuação do magistrado, um agente político”, afirma. Segundo ela, “quem dá prêmio a juiz é o tribunal, quando merece promoção”.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, levará o assunto ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, nesta terça-feira. Falcão tentará desengavetar proposta de sua antecessora para regulamentar patrocínios privados em eventos de juízes. A resolução foi “esquecida”, na gestão do ex-presidente do CNJ Cezar Peluso, diz Eliana Calmon.

“Como se pode confiar nas decisões de juízes que recebem presentes? Magistrados não podem se colocar na posição de devedores de favores a empresas que podem vir a ser partes em processos que julgam”, diz Claudio Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil.

Segundo Abramo, “esse tipo de prática precisa ser coibida pelo CNJ, pois configura violação da vedação fundamental de agentes públicos se colocarem em posição de conflito de interesse”.

O presidente da Associação Paulista de Magistrados, desembargador Roque Mesquita, não quis se pronunciar sobre o evento de confraternização.

O ministro Sidnei Benetti, do STJ, informou, por meio da assessoria de imprensa, que não iria comentar o assunto.

A Caixa Econômica Federal informou que o patrocínio à Apamagis é “parte da estratégia de relacionamento com públicos ligados ao setor jurídico”.

“O patrocínio de R$ 10.000,00 é o primeiro, e o único, concedido à Apamagis. O valor será pago após o evento”, informou o banco.

Em nota, a Qualicorp informou que “adquiriu uma das cotas de patrocínio para o evento de final de ano da Apamagis, tendo por objetivo a exposição de sua logomarca e mensagem institucional”.

A empresa é a administradora de planos de saúde da Apamagis, a quem presta serviços há mais de oito anos.

“A Qualicorp apoia e patrocina diversos eventos e iniciativas socioculturais, esportivos e institucionais, especialmente de clientes e parceiros”.

Procuradas, a TAM e a Agaxtur não quiseram se manifestar.

Comentários

  1. Uma hora os juízes vão aprender a jogar golfe com patrocínio privado da CEF, do Banco do Brasil, da Souza Cruz, do Sindicado Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustível e Lubrificantes, da Eletrobrás e do Instituto brasileiro de Ética Concorrencial. Depois, reclamam que as pesquisas do IPEA constatam que o brasileiro não acreditam na honestidade da Justiça, nem que haja imparcialidade e rapidez nas decisões.
    Felizmente não se tem notícia de patrocínio pela Associação Brasileira de Bingos (Abrabin). Certa feita, disse o n. presidente da AMB: “Recebo com muita simpatia essa classe de empresários que vem, engajada, lutar para colocar o nosso país para frente por meio da criação de empregos e da geração de impostos em nosso país”.
    Em outra oportunidade, o Banco do Brasil e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco bancaram os jogos nacionais da Anamatra em Porto Galinhas.
    Em 2009 a Febraban – Federação Brasileira de Bancos – pagou as despesas de magistrados do Trabalho acompanhados de suas mulheres em congresso num luxuoso resort na Bahia.
    Outra hora, a Confederação Nacional de Seguros convida ministro do STF, do STJ e do TSE, mais desembargadores e juízes para participarem de seminário em resort na paia do Guarujá.
    Eis o tipo de compromisso que esses servidores públicos parece que assumem com os brasileiros.
    É uma tragédia. Não, é uma desgraça.

  2. Este é um comportamento tão reprovável quanto o nepotismo no judiciário. É preciso extirpar esta prática nefasta, utilizando punição e não apenas medidas repressivas. É incompreensível que algum cidadão mentalmente são possa defendê-la ou justificá-la. A não ser, é claro, que seja praticante ou beneficiário.

  3. Polêmica ridícula, pois, além da APAMAGIS ser entidade privada, e foi para ela que os “brindes” foram oferecidos, é raciocínio bastante rasteiro imaginar que algum juiz irá beneficiar a Qualicorp, a CEF, a Agaxtur ou quem mais seja por conta disso.
    A propósito, não sou filiado…

  4. O que assombra é a cegueira moral que impede que se veja a total incompatibilidade entre a função pública e o recebimento de “mimos”. Essa gente se julga tão imune às críticas que não consegue mais discernir o que é a Moralidade. Não vale a comparação com meios de comunicação e outros. Estas são instituições que não são da esfera pública e a opinião de um jornalista não tem força de lei ou a capacidade de forçar um “entendimento” da lei. O país parece estar se modernizando mas o seu Poder Judiciário é do Terceiro Mundo e tudo que este representa moralmente.

    1. Muito da mídia não são concessões públicas? A influência dos meios de comunicação (de novelas a jornais) é assim tão nula? O problema é que para uns a “desonesta” é sempre a mulher dos outros. Você citou a palavra certa: moralismo, ou neomoralismo ou pseudomoralismo. Vale aqui a razão prática da hipocrisia.

      1. No julgamento do assim chamado “mensalão” muito se falou no Supremo Tribunal a respeito da “cegueira deliberada”. Seria o caso aqui?

  5. Eram 1700 pessoas no evento. Só a CEF pagou R$10.000,00. Então foram R$5,80 por cabeça. A que ponto chegamos. Esse pessoal aí estaria se comprometendo (em relação a CEF, que sequer julgam) por conta de cincão (mais os oitenta centavos).
    Gente, os meios de comunicação recebem muitíssimo mais de campanhas publicitárias e nem por isso comprometem sua isenção. Ou comprometem?

    1. Sério que tem gente que cai nesse tipo de raciocínio envolvendo o número de beneficiados? Nunca imaginei que pudesse encontrar alguém que acreditasse na isenção da mídia. Em que mais você acredita? Leia mais filosofia, procure entender o mundo, filho.

  6. Fred, sou cidadão, empresário e estudante de direito. É muita pegação no pé dos juízes. A associação tem todo direito senão não sobrevive. Agora achar que os juízes vão se vender por uma festinha no final de semana beira a má-fé.

    1. O próximo estágio é pagar os salários dos juízes com “doações” de empresas. Pelo que leio aqui, todo mundo vai achar normal e até acreditar que assim aliviarão o Tesouro dessa “despesa”.

  7. Caro Fred, a reportagem, excepcionalmente e salvo melhor juízo, me parece injusta. Isso porque a CEF, por exemplo, é entidade que sequer é julgada pelos juízes de direito paulistas, mas tão somente pelos colegas juízes federais. Não seria uma informação essencial, tal como as outras? Respeitosamente, abç, Renato.

    1. Privilégios cruzados… O Banco do Brasil deve patrocinar a AJUFE etc. O problema não é a CEF. Quantas distorções a magistratura paulista tem praticado.

  8. Que vergonha, heim? Depois dizem que a imprensa é que anda perseguindo os juizes. Esse país é uma lástima. Cruzeiro maritimo, não foi por isso que o AGU adjunto caiu? ganhou dentre outras coisas um cruzeiro maritimo?

  9. Nunca via TAM, nem banco do Brasil, nem Caixa oferecer um patrocinio ao Andes que em mais de 100 mil professores filiados… professor na da lucro, nao é mesmo?

  10. Fico com vergonha até de comentar. Funcionario publico tem que reeber bom salario. Desconfio rapido de quem recebe presentes no natal e vai julgar açoes em fevereiro, muito provavelmente havera um bilhete ou cartao do tipo: lembra o carro do sorteio? ou Gostou da viagem Meretissimo.?

Comments are closed.