Anamages: “Reforma do Judiciário foi blefe”

Frederico Vasconcelos

Associação de juízes estaduais repudia declarações de Joaquim Barbosa e afirma que “é mais cômodo atacar a magistratura, do que questionar o Congresso”

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), Antonio Sbano, divulgou nota pública em que questiona algumas afirmações do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, em entrevista a jornalistas estrangeiros.

“É mais cômodo atacar a magistratura, do que questionar o Congresso, único responsável pela frouxidão de nossas leis”, afirma Sbano.

Eis a íntegra da Nota Pública:

 

A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages, tendo em vista a entrevista concedida à imprensa pelo Exmo. Sr. Ministro Joaquim Barbosa, DD. Presidente do Colendo Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, inobstante o elevado apreço devotado a S.Exa., sente-se no dever de questionar parte das declarações, em defesa da magistratura e, ainda, para esclarecimento público.

1. Comparativo entre a AP 470 e um julgamento em São Paulo

V.Exa. afirma que “Por que levar dez anos para julgar um caso tão simples? É por que alguém aí, provavelmente, não estava querendo julgar. Quando há vontade de se julgar, se julga.

– Vontade mesmo de trabalhar e ignorar a qualidade das partes.”

A afirmativa deixa no ar a pecha de que os juízes não trabalham. Os números divulgados pelo CNJ, presidido por V.Exa., dizem exatamente o contrário: 15.000 juízes, 22 milhões de sentenças em um ano,

A mais, na AP 470, apesar do elevado número de envolvidos, a instrução foi toda delegada aos juízes, restando ao STF, apenas o julgamento; no caso de São Paulo, a instrução, tomada de provas e julgamento se deram em um único lugar.

Por outro vértice, os recursos da AP 470, foram resolvidos pelo mesmo Órgão; no processo tomado como paradigma para comparação, os recursos dependiam de julgamento por outros órgãos e, como reconheceu V.Exa. ao responder a pergunta seguinte: “A causa sistêmica: nosso sistema penal é um sistema muito frouxo. É um sistema totalmente pró-réu, pró-criminalidade.”

É mais cômodo atacar a magistratura, do que questionar o Congresso, único responsável pela frouxidão de nossas leis ou, até mesmo, os Tribunais Superiores que se esmeram em aplicar o chamado direito penal libertário ou garatista, desestimulando decisões mais rigorosas, sem se afastarem do direito.

Se os juízes não têm vontade de trabalhar e de julgar, como se explica, então, que tenhamos hoje cerca de 500 mil presos, num sistema com 300 mil vagas e aproximadamente 200 mil mandados por cumprir?

O CNJ divulgou em seu site, em data recente, que dos mandados de prisão expedidos em 2011, apenas 28% restaram cumpridos, isto é, os juízes fazem a sua parte; o Executivo não se aparelha para cumprir as determinações judiciais.

2. Por que a demora em julgar?

A lentidão se prende ao medo de julgar ou a vontade de não trabalhar?

Evidente que não, Sr. Ministro.

A lentidão é um câncer fatal e que precisa ser eliminado. Está incrustado em todos os níveis da Justiça, desde o STF, passando pelo CNJ e atingindo as mais remotas Comarcas.

No STF, esta Associação tem processo aguardando apreciação de liminar a mais de 24 meses e outras com cerca de um ano; processos conclusos a bem mais de um ano; no CNJ, além do congestionamento que já se instala, grande número de processos tem seu julgamento adiado pelo avançado da hora, onerando advogados e partes que ali comparecem, esperam todo um dia e, no final, resignados, voltam para seus Estados sem decisão e sem a certeza de que na próxima sessão ocorrerá o julgamento.

As causas são muitas e falta vontade política de enfrentamento. Vejamos algumas:

– leis processuais medievais, permitindo gincanas e manobras legais, porém protelatórias (quando os juízes aplicam a litigância de má-fé, a sanção, quase sempre, é revogada pelos Tribunais);

– sobrecarga de trabalho pela excessiva judicialização decorrente da inoperância das agências reguladoras e outros órgãos protetivos;

– deficiência de instalações para o 1º Grau. Quem conhece o interior de muitos Estados bem sabe que diversas comarcas estão instaladas em prédios que não resistiriam a uma simples inspeção da vigilância sanitária ou da Defesa Civil;

– falta de pessoal técnico e em quantidade para atender a demanda. No andar de cima, assessores e secretarias bem equipadas providas de profissionais com nível superior; no térreo, muitas varas funcionam com estagiários, que a cada dois anos se vão e chegam outros inexperientes, ou com funcionários cedidos pelas Prefeituras. Assessores – só nos centros maiores disponibilizam um ou dois.

– falta de magistrados. Em São Paulo, locomotiva do Brasil, recentemente, foi realizado concurso para preencher 193 vagas, providas apenas 70. Situação pior se vê nos estados mais distantes.

Quais os motivos?

Os profissionais com mais experiência não querem trocar seus escritórios ou outros cargos públicos de melhor remuneração por uma carreira submetida a difamação constante por parte de alguns integrantes do Poder; submeter-se a peregrinação por anos em locais remotos, com vencimentos aviltados quando podem, sem sacrificar a família, obter melhores proventos e, ainda, a baixa qualidade do ensino jurídico.

V.Exa. sabia que em muitos Estados magistrados estão acumulando duas os mais comarcas, distantes entre si para suprir a falta de mão de obra?

Lógico que não podem se fazer presente todos os dias em todas elas e dar regular andamento aos processos.

3. Sentimento de impunidade

V.Exa. afirma, com razão, que somente poderá mandar prender os mensaleiros após o esgotamento de todos os recursos, na verdade, um só e a ser julgado pelo próprio STF. No paradigma retro citado, ocorrerá a mesma coisa, com uma sensível diferença:

– o réu estava preso, foi libertado por força de habeas corpus, ou seja, contrariamente à decisão do juiz, encontra-se em liberdade assim ficará até o trânsito da sentença. Quanto tempo decorrerá até julgamento da apelação, do recurso especial e de eventual recurso extraordinário, dez ou mais anos?

Em suma, nosso sistema legal é o grande responsável pela sensação de impunidade, além de permitir de forma magnânima a progressão de regime (e isto V.Exa. reconheceu expressamente).

4. Carreiras, comparativo entre o MP e a Magistratura

O Ministério Público opina e requer e, via de regra, quando vencido pela decisão raramente dela recorre; o juiz tem o dever de decidir, portanto atividade bem diferente; decide e vê sua decisão modificada não por defeito técnico, mas porque o julgador tem entendimento diverso, filiado que é a outra corrente doutrinária, em especial no campo penal, causando desestímulo e fazendo o julgador se curvar ao entendimento imposto, sob pena de ter suas decisões modificadas, com peso na avaliação de seu desempenho para promoções futuras.

5. Execução Penal

V.Exa. afirma que o sistema é um inferno e tem toda razão. Entretanto, dizer que os juízes não sabem o que é um ergástulo público foge à realidade, data vênia. Mensalmente, os juízes são obrigados a visitar cadeias e a enviar relatórios ao CNJ.

Para que?

O CNJ não tem poder para determinar mudanças no sistema, podendo, apenas, encaminhar os relatórios para providências; o juiz nada pode fazer, apenas anotar o que vê e, eventualmente, ajustar uma ou outra mudança decorrente da boa vontade do diretor do estabelecimento, nada mais.

Observe-se ainda que quando o juiz interdita a cadeia, soluções não são dadas, porém o estabelecimento continua a receber presos seja por descumprimento à ordem judicial, seja por força de liminar obtida pelo Executivo.

Concluindo, Senhor Ministro, a reforma do Judiciário foi um mero blefe político, decorrente da compra de votos do mensalão, assim como a reforma previdenciária – e isto está em sua fala durante o voto na AP 470. A Justiça restou mais amarrada e sem solução para seus males secular; o mesmo ocorrerá com a votação da PEC 358. Precisamos de uma reforma geral, discutida com a magistratura e demais Poderes, sem fórmulas mágicas criadas por uma Secretária para Reforma do Judiciário, órgão estranho ao Poder Judiciário, em verdadeira ingerência em nossa autonomia.

Sr. Ministro, esta Nota não é, tão só, de protesto ou de repúdio a mais um ataque feito à magistratura brasileira e sim um pedido de socorro para que as reais causas impeditivas de uma prestação jurisdicional mais célere e com excelência de qualidade possam ser erradicadas.

Brasília, 03 de março de 2.013

Antonio Sbano – Presidente da Anamages

Comentários

  1. É preciso que se diga, de uma vez por todas, que decisão homologatória, que resolve a demanda, é tão importante quanto qualquer outra. A precípua função do Judiciário é pacificar. É só ler o preâmbulo da Constituição Federal. E uma das formas de pacificação é homologar os acordos firmados entre as partes. Isso, a não ser que haja má fé de quem entenda que tem pouca relevância, é serviço – serviço essencial da justiça, e muitas vezes com maior resultado do que sentença de mérito, que prolonga o andamento processo por anos e anos.

  2. Das 22 milhões de sentenças afirmadas sabem os demais quantas foram HOMOLOGATÓRIAS? Fico apenas aqui.

      1. O senhor está redondamente enganado e sequer foi propositivo…

        1. Caro Antônio, Estes dados podem ser verificados nas estatísticas dos Magistrados. Penso que o CNJ pode apresentá-las.

          1. O senhor tem razão. Seria interesante conhecermos tão importante dado estatístico.

    1. Seria bom se houvesse muitas sentenças homologatórias, mas não parece o caso. Na seara de família, com certeza são a maioria, mas nas demais áreas não. A vontade de brigar e o desejo de obter mais honorários (sucumbnciais e do próprio cliente) impede que muitos processos se encerrem (muitos deles que sequer deveriam ter iniciado).

  3. Realmente essa opinião do juiz Joaquim Barbosa não é compartilhada pelos diversos ramos do Ministério Público, em especial pelo Ministério Público Federal, de que foi membro. No entanto, quando o juiz Tourinho Neto disse inúmeras impropriedades em desfavor da Polícia e do MP, não vi nenhum magistrado/associação etc. sair em defesa do MP. Pelo contrário: os ingênuos continuam atacando o MP. O Presidente da AJUFE que o diga…

    1. Assim como não estamos vendo agora a solidariedade de nenhuma associação de promotores… As associações tem mesmo esse caráter corporativo. De qualquer forma, posso assegurar que houve grande resistência interna a esse discurso do Tourinho, do qual aliás discordo frontalmente. Tenho certeza, assim, de que promotores que atuam junto aos muitos juízes criminais comprometidos estão solidários com estes.

      Quanto ao Joaquim Barbosa, vê-se que é honesto e tem boa vontade para tentar mudar o “status quo”, mas sua análise da realidade é simplória: embora identifique as más consequências, simplifica as causas da ineficácia do processo penal quando se trata da criminalidade do colarinho branco, principalmente. E acaba sendo extremamente leviano e injusto com juízes que se sacrificam para tentar prestar a jurisdição penal no Brasil, apesar da oposição do STF, com sua jurisprudência benevolente, para dizer o mínimo. Sobre este, curiosamente, o ministro não falou.

  4. Parabéns Sbano! Claro e objetivo em seu texto. O Super Ministro agora poderá resolver todos os problemas do judiciário ou continuar fazendo seu populismo barato.

  5. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Esse pedido de SOCORRO é mais que justo. Inegavelmente, a RESPONSABILIDADE pelo fracasso no PIB do ano passado e pelo jeito, deste também, tem a ver com a OMISSÃO política DESCARADA e se encontra nas casas legislativas, municipais, estaduais e federais. Encabeçada pelo congresso nacional. Coisa INERTE, INÚTIL e que mantém nosso PAÍS BRASIL, Nação Brasileira na absoluta ignorância e leniência. Ou mudamos a MENTALIDADE política ou vamos conduzir o BRASIL, nossa NAÇÃO, para algo similar à ESPANHA de hoje. Um fracasso TOTAL. O CNJ infelizmente BATE e achincalha no local ERRADO. Podemos crescer e desenvolver de maneira SUSTENTÁVEL e SAUDÁVEL, o que nos IMPERRA? A ignorância e o falso MORALISMO aplicado. Também, Não encarar as questões de FRENTE com coragem. Então: Resta uma nota de desagravo, como a constante do texto, que como cidadão comum, àquele do POVO, apóio e desejo que mudem às coisas para MELHOR! OPINIÃO! SERÁ? OPINIÃO!

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