Insignificância de crime na Câmara

Frederico Vasconcelos

O cidadão apresentou-se em um gabinete da Câmara dos Deputados, identificou-se falsamente como padre de uma paróquia de Pernambuco e disse ter sido autorizado pelo deputado a fazer uma ligação telefônica.

Iludida pela fraude, a secretária do parlamentar permitiu que ele utilizasse o telefone.

Percebendo a pouca vigilância no gabinete, o falso sacerdote abriu a gaveta da secretária e surrupiou a carteira de couro com os documentos pessoais da servidora.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (*).

O Superior Tribunal de Justiça negara habeas corpus objetivando a absolvição do falso padre, pela aplicação do princípio da insignificância e, alternativamente, pela aplicação do privilégio previsto ao furto qualificado [se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa].

O STJ entendera que “as circunstâncias em que o delito foi cometido inviabilizam, no caso, o reconhecimento da figura privilegiada”.

A defesa foi ao Supremo, pois pretendia ver restabelecida a sentença condenatória que, expressamente, reconheceu a primariedade do recorrente, bem como o pequeno valor do furto (R$ 100,00).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento parcial do recurso.

“Em que pesem os fundamentos lançados pelo Superior Tribunal de Justiça, as circunstâncias qualificadoras do crime de furto não se mostram conflitantes com a primariedade do réu e o pequeno valor do bem furtado, inexistindo razão jurídica para o não reconhecimento da figura do furto qualificado-privilegiado”, opinou a Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques.

“O crime foi cometido mediante fraude, no interior de uma repartição pública”, registrou a subprocuradora. “No entanto, o recorrente é primário, de bons antecedentes e a coisa furtada de pequeno valor (fatos registrados na sentença). Nessas circunstâncias, nada há que impeça a incidência cumulativa das circunstâncias qualificadora e de privilégio”.

No último dia 12, por maioria de votos, a Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do relator, ministro Luiz Fux, vencido o ministro Marco Aurélio, que o desprovia.

(*) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 115.225 – DF

Comentários

  1. o que ja gastou com o processo daria para comprar um monte de carteiras.
    Agora isto e normal no dia a dia, o sistema e irracional.

  2. Entendi bem? Opinativo ministerial pelo reconhecimento da insignificância?! Ué, mas não era os juízes que tinham mentalidade “pró-impunidade”?

    1. Entendeu mal. O MP opinou pelo reconhecimento do privilégio constante do artigo 155, § 2º: se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Se a ação fosse insignificante, o agente não teria sido denunciado ou, se o fosse, deveria ter sido abolvido. O larápio foi condenado, na forma da lei. O MP defendeu, inclusive, uma tese combatida rotineiramente pelas defesas: a possibilidade de que o crime privilegiado seja, também, qualificado, quando presentes duplamente as correspondentes circustâncias.

    2. Parece que somente os defensores do acudados falaram em insignificância. O MP, no que foi seguido pelo STF, opinou pela ocorrência de furto qualificado-priviliegiado. A lei trata de forma mais branda quem é primário e furta coisa de pequeno valor. Ou então: trata de forma mais severa quem for reincidente ou, se primário, furta coisa de considerado valor. E a possibilidade simultânea da incidência de qualificadora e privilégio, é jurisprudência consolidada do STF: EMENTA Habeas corpus. Penal. Decisão transitada em julgado. Possibilidade de impetração de habeas corpus. Precedentes. Crime de furto qualificado. Artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. Aplicação do privilégio (ibidem § 2º) ao furto qualificado. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. (…) 2. Não há vedação legal ao reconhecimento do furto como sendo concomitantemente qualificado (art. 155, § 4º) e privilegiado (art. 155, § 2º). 3. Ordem concedida. (HC 101256, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/08/2011, DJe-176 DIVULG 13-09-2011 PUBLIC 14-09-2011 EMENT VOL-02586-01 PP-00024).

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