Mudança de paradigma e risco de retrocesso
Juiz Pedro Pozza: “Há argumentos de ordem jurídica pelo não cabimento dos embargos infringentes.”
Sob o título “O STF e os embargos infringentes”, o artigo a seguir é de autoria do juiz Pedro Luiz Pozza, do Rio Grande do Sul, e foi publicado originalmente em seu blog.
O Brasil está em compasso de espera pelo voto do Ministro Celso de Mello na sessão da próxima quarta-feira, e que decidirá sobre o cabimento ou não dos embargos infringentes no processo conhecido como Mensalão.
O encerramento imediato do citado processo justifica-se por vários motivos: primeiro, a Corte Suprema tem milhares de processos a julgar, e de que dependem milhões de brasileiros. Um deles, diz respeito aos expurgos das cadernetas de poupança, decisão que está suspensa por força de liminares deferidas pelo STF em favor dos bancos.
O próprio Ministro Marco Aurélio referiu em seu voto, na semana passada, como já disse outras vezes, que é relator de inúmeros processos prontos a serem julgados há mais de dez anos, o que não ocorre por vários motivos – um deles, porque o STF está mais do que assoberbado. Portanto, não pode perder mais dezenas de sessões com um único processo criminal, por mais importante que seja.
Ainda mais porque, se admitidos os embargos infringentes na ação penal nº 470, eles por certo deverão ser aceitos, também, nas mais de 400 ações penais que tramitam no STF. Imaginem a consequência, pois, de uma decisão favorável a este recurso.
Segundo, o Brasil não aguenta mais esperar pela solução desse emblemático processo, em cujo julgamento o STF, exemplarmente, mudou um paradigma, qual seja, o de que os réus sujeitos a foro privilegiado, por mais culpados que fossem, jamais eram responsabilizados criminalmente por seus atos.
Será que a Suprema Corte vai retroceder nesse grande avanço da mais respeitável instituição da República? Pensamos que não.
Afora esses argumentos, há outros, de ordem eminentemente jurídica, que permitem decidir pelo não cabimento dos embargos infringentes, sem que o STF seja acusado de descumprir seu regimento ou as normas jurídicas vigentes, muito menos de ser casuísta.
Inicialmente, deve ser relembrado que a manifestação do Ministro Celso de Mello, no dia 02 de agosto de 2012, quando disse serem cabíveis os embargos infringentes, não o vincula. Na ocasião, não estava sendo decidida essa questão, tratando-se apenas de obiter dictum. Assim, nada impede que o Ministro, quando de seu voto, decida de forma diversa.
Além disso, ao contrário do previsto pela Constituição de 1969, que dava ao STF competência para dispor sobre normas de processo em seu regimento interno – art. 120, § único, alínea c -, tanto nos feitos originários como nos de sua competência recursal, essa norma não foi reproduzida pela Constituição Federal de 1988.
A Carta magna atual, ao contrário, em seu art. 96, I, a, dispõe claramente ser de competência privativa dos Tribunais, neles incluído o STF, “elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais …”.
Não outorgou o Constituinte de 1988, pois, competência aos Tribunais para legislar sobre processo, mas tão-somente sobre competência de seus órgãos (Turmas, Câmaras, Seções, Grupos, etc.) jurisdicionais.
E o mais importante: deixou claro que os regimentos dos Tribunais deveriam observar as normas de processo, cuja elaboração, como bem foi salientado pela Ministra Carmen Lucia em seu voto, passou a ser de atribuição exclusiva do Congresso Nacional, não dispondo a Constituição Federal atual, ademais, ao contrário da que vigia até então, sobre qualquer espécie de delegação de seu Poder legislativo aos demais Poderes, em especial ao Executivo.
Portanto, qualquer regra de processo constante do regimento interno do STF não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Certo, pode-se dizer que, a despeito de não mais ter o STF competência para legislar sobre normas de processo, continuariam vigendo as até então existentes em seu regimento interno, pelo que o art. 333 do mesmo continuaria em vigor, só podendo ser revogada por lei posterior que tratasse do tema.
Entretanto, a lei em questão existe, qual seja, a de nº 8.030/90, que tratou expressamente dos processos de competência originária do STF e só STJ, não prevendo a existência dos embargos infringentes, em especial na ação penal originária.
Ao argumento de que o art. 12 do citado diploma dispõe, em seu caput, que o julgamento da ação penal originária obedecerá ao disposto no regimento interno do Tribunal, responde-se que “regras de julgamento” não se confundem com recurso.
Aliás, basta ver o regimento do STF para verificar que as regras de julgamento da ação penal originária estão nos seus arts. 230 a 246, nenhum deles tratando do recurso de embargos infringentes, localizado esse no Título XI da regra regimental, diverso do que trata do julgamento das causas de competência originária do STF – Título IX.
Por fim, a afastar o cabimento dos embargos infringentes, há também o argumento da isonomia, bem lançado pela Ministra Carmen Lúcia, quando refere que se um Congressista for processado no STF, ele teria direito aos embargos infringentes, o mesmo não ocorrendo, por exemplo, com um Governador de Estado, se processado pelo STJ por um crime idêntico.
Até aí tudo bem, pois se cogitariam de crimes diversos, em que pese tipificados pelo mesmo artigo da lei penal.
Entretanto, suponhamos que um Deputado Federal e um Governador do Estado, ambos com foro privilegiado, sejam denunciados, juntamente com outros réus, sem o citado privilégio, perante o STF, pela prática em um único crime, em concurso de agentes.
Quando do recebimento da denúncia, o STF, como já decidiu em várias oportunidades, em vista do grande número de acusados, procede ao desmembramento, processando apenas o Deputado Federal.
Assim, o processo desmembrado é remetido ao STJ, que decide não fazer o mesmo, processando não só o Governador do Estado, mas também os demais acusados.
Neste caso, réus acusados de um mesmo crime, mas porque processados em Cortes diferentes, teriam tratamento diverso, pois o Deputado Federal, se recebesse ao menos quatro votos pela absolvição, teria direito aos embargos infringentes, o mesmo não ocorrendo com os que tivessem sido processados perante o STJ, com escancarada violação ao princípio da isonomia.
Não há como, com a mais renovada vênia, sustentar o cabimento dos embargos infringentes. Não será o Ministro Celso de Mello, com sua reconhecida cultura jurídica, a cometer tal equívoco.
Esperamos ter razão. Na quarta-feira, vamos saber.
Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! O dia que o STF agir como uma corte romana, e decidir que o que existe no cenário jurídico, simplesmente, não existe, teremos o mesmo país corrupto que é o que acontece na Europa, atualmente. Itália MOFADA no setor jurídico. O que a maioria pretende é eternizar no Brasil, os Berlusconi da vida. Espero que o Min. Vote pela aceitação dos embargos infringentes. Um direito da defesa e a complementação do devido processo legal. Ouvir a opinião popular é diferente de decidir segundo a opinião popular. Por sinal, a maioria da população está dando um tiro no pé. Aguardem. E, a decisão que sair é a que vale. Independentemente de minha opinião, apoiar a decisão do min. será inteligente. OPINIÃO!
Sem entrar no mérito da decisão referente aos embargos infringentes, a açao penal 470 serviu para expor todas idiossincracias que permeiam o STF. No plano político torna-se óbvio que a corte hoje também reflete parte do espectro político-ideológico e as lutas decorrentes da partidarização de qualquer instituição. Se de um lado temos Ministros que possuem histórico de ligações com determinado partido, por outro não podemos deixar de enxergar as óbvias ligações, por exemplo, do Ministro Gilmar Mendes, com a pauta oposicionista. O pior dos mundos aconteceu ou seja, a partidarização política alcançou a corte suprema com todos as consequências danosas à democracia que o fato proporciona.
Nao faria diferenca alguma a orientacao politica de um ministro, ou sua origem, se a CORTE fosse o que seria sua destinacao original, ou seja, a guardia da Constituicao.
Ficam nessa lenga-lenga de julgar politicos, que por sua vez se consideram acima da lei e cobram lealdade de seus indicados.
Receita de fracasso.
Sua Excelência é voto vencido. A sua tese não há de prosperar porque Justiça é pão, é alimento diário e como tal deve ser bom, deve ser boa.
O min. Celso não precisa se preocupar. Ele pode voltar à traz e votar pelo não cabimento dos embargos em questão. O brasileiro não tem memória, ou ele pode se convencer que daqui a cem anos ninguém mais lembrará dele e do episódio. No mais, o juiz que proferiu o parecer acima, deve adotar o princípio “para uns a vaca morre, para outros o boi dá cria”. Juiz não dá palpite, profere sentença. Por isso, deveria manter um silêncio respeitoso quanto ao que o Ministro deve decidir. Deixe isso para os jurisdicionados.
O STF ao se meter no que nao era seu, pois sabemos que, a questão do chamado “mensalão” é politica, coisa portanto do Legislativo, cujo tempo nao leva em conta o tempo da justiça que como o dos médicos é tempo de vida ou morte. O tempo da política é outro, muda toda hora….
Senhor João Paulo,
O Poder Judiciário só atua quando é provocado. Em relação ao E. STF, sinto lhe informar, mas o E. STF é uma Corte Política. A função precípua do Supremo é a guarda da Constituição, e tal fato ocorre em todos os países democráticos.
Continuando o debate:
Sobre o risco de uma decisão “política”, o professor Marcelo Figueiredo ressalta que o E. Supremo Tribunal Federal não está a serviço de interesses de partidos. “O Supremo é político. O direito constitucional tem um conteúdo político. Não político-partidário, mas no sentido de traçar políticas de Estado”, diz Figueiredo.
Esperamos que o E. STF demonstre à população que não está a serviço do Partido dos Trabalhadores, mas a serviço da Constituição e da dignidade do Estado.
Ouvi de um jurista, na TV, há muitos anos, o seguinte: “Que no Brasil todos são iguais perante a lei, mas, que na prática, funciona da seguinte forma: para os que podem os benefícios da lei e, para os que não podem, os rigores dela”. Acompanhando esse escândalo do mensalão, que pode ficar maior ainda se o Ministro Celso de Melo votar pelo recebimento dos embargos infringentes, parece que aquele jurista tinha mesmo razão. De qualquer forma penso que teremos complicações futuras ainda maiores, pois, recebendo o recurso, aí sim é que será julgado pelo STF e, curiosamente, por uma só pessoa, isto é, o Relator, se não estou enganado. Que me perdoem os i. ministros do STF, mas, a meu ver, estão agindo como nossos políticos que, quando querem manipular alguma situação, partem para o tal de “nem sim…, nem não…, muito ao contrário”.
O nosso país deve se orgulhar do resultado pífio da qualidade de sua educação, esse disparate é representado pelo grau de cidadania da população. A maioria da população não sabe o que é Poder Judiciário. O povo confunde polícia, juiz, promotor e delegado. A população não sabe para que serve o MP. A população não conhece a Constituição.
O Supremo quer construir uma carreira solo e se bastar frente ao sistema, mas é impossível faze-lo sem a valorização dos juízes e do próprio sistema.
Independente do que acontecer no processo n. 470, o Poder Judiciário será julgado pela nação.
Evoluiremos para o patamar de um país sério que combate a impunidade ou mostraremos à nação o quão frágil é o sistema jurídico deste país, onde os Tribunais Superiores não produzem jurisprudência para a unicidade do sistema, mas querem que os juízes apliquem a jurisprudência que representa uma verdadeira Torre de Babel.
Este é o sistema brasileira, que como dizia Becker: É um manicômio judiciário.
este disparate…
Hoje, tanto a Folha como o Estadão acusam que alguns votos são pautados pela opinião pública e outros pela técnica impecável e infalível do Direito, estes quase como derivados do Poder Divino.
Em análise rasa e cheia de viés, deturpam os antológicos votos dos Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Chegam ao absurdo de imputarem que estes votos defendem teses nazistas, a tal democracia direta.
Evidentemente, os votos dos Ministros traduzem que dar “satisfação” não significa votar com a opinião pública, mas dar ao povo a explicação correta do seu convencimento dentro das leis. Ademais, a reflexão de a quem o Magistrado serve, ao povo (e às Leis) não ao “Poder”.
Preocupam os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes com a principal função do Poder Judiciário, a educativa de condutas que podem ou não serem feitas pelos cidadãos, na antropológica regra de coexistência ética, “seus semelhantes”.
A opinião pública, desprezada por alguns, não é contra os embargos infringentes, mas do cantado em verso e prosa do resultado deles a partir dos novos Ministros indicados, a impunidade das elites.
Como não se discute mais que houve os atos ilícitos de corrupção, a conseqüência educativa dado pelos Ministros, que entendem não dever satisfação aos cidadãos, é que o crime compensa, deste que realizado pelas oligarquias, antigas ou novas.
Assim, os votos são antológicos, pois em mais de 500 anos de história, é a primeira vez que alguns membros da mais alta corte do Judiciário saem do pedestal, explícitam a necessidade de olhar nos olhos dos seus jurisdicionados e explicar os motivos dos seus entendimentos, cidadãos dos quais lhe advém o poder, a legalidade e legitimidade, de julgar.
Pois é… Embargos infringentes. Realmente cabem os famigerados embargos, no concerto das previsões normativas de cunho processual vigentes, diga-se, desde muito tempo. Mas há TAMBÉM um aspecto que os colegas estão esquecendo. Desde os tempos de Roma que os jurisconsultos (sim, já na antiguidade) sabem: NEM TUDO O QUE É LEGAL É HONESTO. A Sociedade Civil vem observando o julgamento do mensalão desde o início. O STF é uma Corte NÃO apenas jurídica mas também POLÍTICA. E que bom que assim é. No universo de sua competência, tem mesmo responsabilidade direta com os destinos políticos do País. NEM TUDO O QUE É LEGAL É HONESTO. Sábios romanos. Atuais como nunca.
Parabéns pelo artigo Dr. Pedro Pozza. Concordo com o Sr. em todas as hipóteses postas. Se o min. Celso aceitar essa aberração de recurso, vamos enterrar o poder judiciário de vez. Ninguém será punido.
O articulista não se recorda de que não houve desmembramento na AP 470?
Já quanto ao mensalão mineiro… Esse processo, CONVENIENTEMENTE DESMEMBRADO, anda deitado em berço esplêndido e recôndito.
Caro senhor Antônio, E o caso do TSE e as contas do PT, o senhor está acompanhando? A Ministra Carmem Lúcia honra, com sua educação e inteligência, o povo Mineiro. Os Ministros de São Paulo? Infelizmente, os Doutores e formados pela USP envergonham a nação.
os formados
Espero que, desmembrado ou nao, o processo chegue a bom termo e que os condenados sejam PUNIDOS. Isso mesmo! Punicao! E’ hora de restaurar o temor ‘a lei e o respeito ‘a Justica. Chega de coitadismo.
Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Poderia desmanchar todos os argumentos do Juiz Pedro Luiz Pozza, entretanto, o assunto avança e volto a insistir no básico e realmente importante. Os Embargos Infringentes fazem parte do MUNDO REAL JURÍDICO. É um dos instrumentos que a DEFESA pode e deve utilizar. O caso é criminal/penal, comporta legitimamente esse pedido. Se o Ministro Celso Mello vai decidir favorável ou contrariamente saberemos na 4º feira. Só uma lembrança, há casos MOFANDO em todos os Tribunais e sem exceção. Esse critério se utilizado, isso sim, desvaloriza o JUDICIÁRIO. E continuo mantendo a posição de que: Como é a LIBERDADE de seres humanos que está em JOGO, todo o RESTO é secundário como argumento. E, sejamos francos, com ou sem embargos infringentes, talvez um e só um escape da prisão, todos os demais que foram punidos, vão puxar “CANA”, na expressão popular. É como digo, trata-se de cumprir ou não cumprir o devido processo legal. E discutir, no final do julgamento, questão administrativa burocrática operacional, no meio de ação criminal, não só é CASUÍSMO como irresponsabilidade em julgar. De qualquer maneira, entendo que o STF já fez um papel EXCELENTE e cumpriu sua OBRIGAÇÃO. Todos foram e estão CONDENADOS. Qualquer decisão deve ser respeitada. Em minha opinião os embargos infringentes devem ser aceitos. OPINIÃO!
Esse artigo foi assinado por um juiz? Que judiciário ruim nós temos!!!!!
Desculpe , mas a vida e liberdade de um cidadão nao pode ser pautada pelos processos que aguardam para serem julgados ou pelo tempo.Sem que os réus nao tem culpa se o STF nao remeteu os autos para primeira instancia e pincou este processo na frente de tantos outros que tem réus presos