Juiz protesta ao não obter liminar no CNJ
Magistrado vê fraude em concurso de cartórios do TJ-MG e teme “fato consumado”.
Inconformado com o fato de que a conselheira Gisela Gondin, do Conselho Nacional de Justiça, indeferiu pedido que fez para suspender preventivamente concurso de cartórios realizado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o juiz Danilo Campos, de Montes Claros (MG), decidiu divulgar uma manifestação pública de protesto.
O magistrado reclama o cumprimento da Resolução 81/2009, que disciplina o concurso de cartórios, pedindo o julgamento de denúncias nas quais acusa o TJ-MG de manipular e desrespeitar o edital do concurso 02/2011 em favorecimento de uma candidata concorrente de sua mulher.
Em novembro, Danilo Campos interpelou o desembargador Carlos Augusto Barros Levenhagen, presidente da Comissão de Concurso para cartórios, por entender que sua mulher, Norma Sônia Novaes Campos, foi preterida com a mudança de critérios no concurso, o que teria favorecido outra candidata.
Consultado pelo Blog, Levenhagen afirmou que a questão foi apreciada em recurso indeferido pelo CNJ, ao qual o juiz deveria dirigir “eventual irresignação” (*)
Segundo Campos, a conselheira Gisela Gondin negou-se a suspender preventivamente o concurso e no seu julgamento não tocou as questões centrais da controvérsia, retardando ainda levar o caso ao plenário, que entrará de recesso em breve.
Como a última pauta de julgamento está marcada para o próximo dia 17, o magistrado teme, com isso, “a aplicação mais uma vez da tese do fato consumado”.
Num dos despachos, em 28/11, a conselheira decidiu que o requerimento do juiz “confunde-se com o mérito deste Pedido de Providências, que será levado a julgamento em Plenário, se assim for permitido a esta Relatora, ainda no ano de 2013, oportunidade na qual serão submetidas à análise do órgão colegiado todas as alegações e fundamentos pelos quais a documentação é impugnada”. (**)
Eis a íntegra da manifestação do juiz:
RESPOSTA PÚBLICA À CONSELHEIRA DO CNJ GISELA GONDIN RAMOS
Senhora Conselheira,
As decisões monocráticas (solitárias) de Vossa Excelência no caso do concurso de cartórios do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, edital nº 02/2011, fizeram-me sentir qual uma verdadeira Alice, que no conto foi transportada para um lugar fantástico onde o rabo torce a porca e abana o cachorro, onde nada parece fazer sentido, seguindo a lógica do absurdo.
E as críticas colocadas a minha pessoa num daqueles julgamentos, dizendo que eu adotara “postura processual” pouco condizente com a condição de magistrado, muito embora absolutamente bem-vindas, obrigam-me a uma resposta que eu prefiro fazê-la publicamente, porque, sem a pretensão de ser dono da verdade, acho que a opinião pública, se bem informada, é a mais indicada a servir de mediadora neste nosso conflito de opiniões.
Além disso, uma das lógicas perversas neste País sem lógica é que a justiça só se faz operar muitas vezes a reboque da opinião pública.
Sendo assim, em primeiro lugar, quero deixar estabelecida a premissa de que o direito é uma ciência lógica, muito embora a lógica do direito não seja matemática, pelo que a absoluta falta de senso de decisões supostamente jurídicas estaria a indicar ou completa incapacidade do operador ou manifesta improbidade.
Aliás, a esse respeito, ensina Carlos Maximiliano, com sua indiscutível autoridade no assunto, que “deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”.
Portanto, é procurando não desviar-me da lógica do direito que eu passarei a responder a Vossa Excelência, no intuito de alcançar a verdade e deixar esclarecido quem entre nós não tem colaborado adequadamente com a justiça.
Sendo assim, em primeiro lugar, respondendo a acusação de não ter colaborado com o CNJ na comprovação da denúncia de falsidade, penitencio-me de eventual falta de habilidade no trato processual, uma vez que eu nunca fui advogado e como juiz eu estava convencido de que, como dispõe a súmula 473 do STF, a administração devesse ela mesma, por iniciativa própria, rever seus atos ilegais cometidos em prejuízo de terceiros, e que os fatos incontroversos, públicos ou notórios independeriam de provas.
De fato, como diz o nome, os concursos públicos são públicos, e portanto é público e notório que no caso o edital exige para a comprovação do exercício de 10 anos de prática cartorária a cópia da carteira de trabalho e a ficha de registro de empregado (alínea “b” do subitem 1.1.1. do capítulo XIV do edital do concurso), exigência que, a toda evidência, não foi satisfeita pela candidata premiada pela banca.
Também, se o fundamento do pedido é a Resolução 81/2009 do CNJ, que manda, no interesse da segurança jurídica, uniformizar os critérios de avaliação dos concursos de cartório, de forma que o entendimento amplamente predominante prevaleça, é absolutamente sem sentido que o CNJ, pelas mãos de Vossa Excelência, acolha um novo e inusitado precedente na contramão da segurança jurídica pretendida, inaugurando assim uma controvérsia que nunca houve, porque até agora nunca uma banca de concurso nesse País cogitou de não reconhecer o títulos dos tabeliães.
Daí que eu não tenho dúvidas que esse “entendimento”, pelo qual os meros empregados de cartório não bacharéis em Direito mereçam vantagens concorrendo com os titulares bacharéis, só vá prevalecer para o caso desse concurso, socorrendo uma candidata com “pedigree” e que, no passado, indicam as evidências por mim apontadas, pode ter sido beneficiária de outros inúmeros jeitinhos.
Mas como Vossa Excelência não quer mexer no passado, é bom que saiba pelo menos que eu sei exatamente o que estou falando, porque nas diversas vezes que enfrentei o TJ-MG nos tribunais em Brasília (TSE, STJ e STF) ganhei de balaiada, tanto que, se me não falha a memória, o placar dos votos em meu favor está em 12 a 0.
Também, se Vossa Excelência se der ao trabalho de consultar o computador, constatará que eu inaugurei o CNJ (minha representação é a 001) e que nas outras representações por mim formuladas ao CNJ, denunciando invariavelmente fraudes nos concursos de promoções dos juízes, os fatos foram todos comprovados, entendendo o CNJ, no entanto, que, àquela altura, a situação seria irreversível.
Então, porque seria realmente admirável que alguém que fraude compulsivamente concursos públicos de promoção vá ter escrúpulos de não fraudar também os concursos de ingresso, é que afirmo categoricamente a Vossa Excelência que o Concurso de Ingresso pelo critério de remoção, edital nº 2/2011 do TJ-MG, está sendo grosseiramente fraudado.
Desta forma, não podendo deixar de ressaltar que a demora no julgamento parece-me favorecer mais uma vez a aplicação da famigerada tese do fato consumado, com mais estes esclarecimentos, coloco-me à disposição para quaisquer outras eventuais informações, esperando que, agora, bem informada, Vossa Excelência não traia a confiança que lhe foi depositada pela nobre classe dos advogados, que a conduziu ao CNJ, e adote finalmente as providências necessárias ao restabelecimento da lisura e credibilidade do concurso referido.
O Blog enviou à conselheira Gisela Gondin, por intermédio da assessoria do CNJ, cópia da manifestação do magistrado. Segundo a assessoria, a conselheira prefere não se manifestar antes de uma decisão do Plenário.
O CNJ informa que há três procedimentos que tratam da matéria, todos sob a relatoria da conselheira: Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 0005398-98-2013.2.00.0000 e os Pedidos de Providência (PP) 0006403-58-2013.2.00.0000 e 0007033 – 17-2013.2.00.0000, os quais ainda não foram submetidos à apreciação do Plenário do Conselho. Todos tratam do mesmo tema e limitam-se à questão de ordem de classificação em concurso de remoção de serventias extrajudiciais em Minas Gerais.
As decisões proferidas pela relatora constam nos respectivos autos que podem ser acessados na consulta processual do CNJ (https://www.cnj.jus.br/ecnj/).
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(**) Pedido de Providências 0007033-17.2013.2.00.0000