Juízes debatem economia à beira-mar
Empresas patrocinaram seminário de magistrados, no último final de semana, na Praia do Forte (Bahia).
No último final de semana, foram reservados 125 apartamentos de um luxuoso resort no litoral da Bahia para magistrados discutirem o desempenho da economia do país.
O seminário teve patrocínio do Bradesco, da Associação das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços, de empresas de energia e de telefonia, shoppings, agroindústria e distribuidoras de combustível, entre outros apoiadores.
O encontro foi promovido pelo Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura (Copedem) e União Internacional de Juízes de Língua Portuguesa, instituições presididas por Antônio Rulli Júnior, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A iniciativa contraria orientação do Conselho Nacional de Justiça. No ano passado, o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, recomendou o cancelamento de um seminário em resort na ilha de Fernando de Noronha, promovido pela escola da magistratura daquele Estado. O encontro foi transferido para um hotel em Recife. O corregedor havia sido convidado –e não compareceu– para falar sobre as restrições do CNJ a eventos com patrocínio privado.
Consultados sobre o evento na Bahia, os ministros Joaquim Barbosa, presidente do CNJ, e o corregedor nacional de Justiça não quiseram se manifestar. O ministro do STJ João Otávio de Noronha, diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, não confirmou se participou da organização. O desembargador Rulli Junior não atendeu aos pedidos de entrevista.
O programa final previa a presença do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. Na última quarta-feira (14), seu gabinete informou ao Blog que o ministro não participaria do evento. Também foram convidados ministros do Superior Tribunal de Justiça, presidentes de tribunais de justiça de seis Estados, desembargadores e juízes de primeira instância.
O programa previa palestras de dirigentes das empresas patrocinadoras sobre temas como regulação bancária, estabilidade financeira, matriz energética, lei anticorrupção, resseguros, equilíbrio do sistema de previdência, regulação das telecomunicações, expectativas da agroindústria canavieira e do varejo.
As reuniões de trabalho foram programadas para ocorrer apenas entre 16h e 19h30. O tempo restante poderia ser dedicado ao lazer ou ao lobby.
Na plateia, havia magistrados, advogados e empresários. É comum nesse tipo de evento os convidados levarem acompanhantes.
As tarifas cobradas pelo resort Iberostar Praia do Forte para três pernoites –de quinta-feira (15) a domingo (18)– são de R$ 1.950,00 (apartamento) e de R$ 2.100 (suíte).
Limites a patrocínios
Em fevereiro de 2013, o CNJ tentou vetar qualquer patrocínio de grupos privados em encontros de juízes. Conseguiu apenas aprovar uma resolução limitando esse apoio financeiro a 30% dos gastos totais. A comprovação dos custos dependerá de eventual controle posterior pelo CNJ.
A Resolução nº 170 do CNJ prevê que o conteúdo desses eventos, a carga horária, a origem das receitas e o montante das despesas “devem ser expostos de forma prévia e transparente”. O programa do Copedem não estava nos sites de tribunais, escolas da magistratura e associações de magistrados.
No ano passado, o ministro Celso de Mello, do STF, negou liminar em dois mandados de segurança impetrados por entidades de classe da magistratura, que pretendiam suspender a resolução do CNJ.
Em sua decisão, o decano do STF afirmou ser inaceitável a transgressão, por magistrados, “a uma expressa vedação constitucional que não permite, qualquer que seja o pretexto, a percepção, direta ou indireta, de vantagens ou de benefícios inapropriados”, especialmente de pessoas físicas ou empresas públicas e privadas que “costumeiramente figuram em processos” no Judiciário.
As associações de magistrados alegam que a norma viola os direitos de seus associados à liberdade de atividade intelectual e científica. Não há data prevista para o julgamento dos dois mandados pelo STF.
Outro lado
O Bradesco e a Associação das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), que seriam os principais patrocinadores do seminário, não revelaram o valor de suas contribuições.
“O Bradesco participou com uma cota de patrocínio com o objetivo de apoiar a formação técnica da magistratura brasileira”, informou a assessoria de imprensa do banco.
A Abecs confirmou o patrocínio, mas informou que “tem por política não divulgar esse tipo de valor”.
Alísio Vaz, presidente-executivo do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), diz que a entidade colabora com o Copedem há cerca de dez anos. O sindicato apoiou o seminário com R$ 55 mil.
“A contrapartida é a participação do sindicato como palestrante. Entendemos que há a possibilidade de divulgar como funciona o sistema, os aspectos regulatórios, tributários, ambientais e os diversos tipos de causas que têm demandado o envolvimento do Judiciário”, diz Vaz.
Em nota oficial, a Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais) informou que apoiou o evento com R$ 50 mil. “Como contrapartida, a marca da Cemig será estampada nas peças de divulgação do evento, e a empresa teve direito a seis inscrições para seus empregados nesse seminário”, informou.
A Única – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo informou, por meio de sua assessoria, que está patrocinando o Copedem pelo quinto ano consecutivo, “mas não comenta o valor investido”.
A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) também confirma que é uma das apoiadoras do seminário, mas não informa o valor.
O escritório de advocacia TozziniFreire participou de painel sobre oportunidades e desafios na China, mas informa que não foi patrocinador do evento.
Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras e Correios, tradicionais apoiadores de encontros de juízes, informam que não patrocinam o seminário e não foram procurados pelos organizadores.