Conselheiro requereu uso da Lei de Segurança Nacional contra procurador
Por ter redigido uma “Carta Aberta” às Forças Armadas, Davy Lincoln Rocha foi punido sem direito a defesa.
Quando afastou por 90 dias o procurador da República Davy Lincoln Rocha por redigir uma “Carta Aberta às Forças Armadas Brasileiras“, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) chegou a discutir a possibilidade de aplicar –em pleno regime democrático– a Lei de Segurança Nacional, uma peça editada pela ditadura militar.
A ata da sessão ordinária do CNMP, realizada em 17 de novembro último, registra esse fato.
Três questões permanecem controvertidas:
a) A peça contestada foi escrita em 2013. Mais de um ano depois, a punição foi aprovada pelo CNMP, no mesmo dia em que o requerimento foi colocado em votação. O procurador não foi ouvido previamente pelo Conselho;
b) A “Carta Aberta” faz críticas ao governo federal, ao Partido dos Trabalhadores e ao desfecho da ação penal do mensalão no Supremo. A punição ao procurador foi requerida pelo conselheiro Luiz Moreira, amigo pessoal do ex-deputado federal José Genoino (PT-SP). Há dois anos, Moreira foi alvo de uma forte campanha que pretendia impedir a aprovação de sua recondução ao CNMP. Todas as acusações contra Luiz Moreira foram arquivadas –inclusive as de suposto uso irregular do veículo oficial que ficava à disposição do então deputado paulista;
c) Um mês antes de o CNMP aplicar a punição, Davy Lincoln Rocha publicou artigo neste Blog, criticando a concessão do auxílio-moradia a procuradores e magistrados.
As informações a seguir foram extraídas da ata da sessão:
1) Por iniciativa do conselheiro Luiz Moreira, foi veiculado vídeo que tratava de “Carta Aberta às Forças Armadas Brasileiras”, subscrita por membro do Ministério Público Federal, o qual solicitava a intervenção militar para por fim ao atual governo, sugerindo, ainda, que os norte-americanos tomassem providências, para estabelecer uma intervenção armada no país. Luiz Moreira procedeu à leitura da missiva, esclarecendo que foi publicada nas redes sociais e difundida pela Federação da Família Militar do Distrito Federal. Ele propôs a instauração de Processo Administrativo Disciplinar e o afastamento do procurador por 90 dias.
2) Walter Agra registrou que “a proposta da missiva é atentatória à autonomia e à soberania nacional”. Moreira consignou que, “em tese, a conduta do membro do Ministério Público Federal configura crime contra a segurança nacional”. Antônio Duarte cumprimentou Moreira pela iniciativa. Jarbas Soares Júnior acolheu a proposta de Moreira. Foi acompanhado por Antônio Duarte, Cláudio Portela, Walter Agra e Jeferson Coelho.
3) Fábio George “registrou que tinha dificuldade em compreender que é lícito e regular um membro do Ministério Público Federal conclamar a intervenção das Forças Armadas no regime democrático, bem como em compreender a aplicação da Lei de Segurança Nacional, editada no período de exceção, em manifestações orais ou escritas que visem a defender pontos de vista, por mais absurdos que sejam”.
4) Alessandro Tramujas [corregedor] acolheu a proposta de Moreira e sugeriu, ainda, que fosse encaminhada cópia do documento ao Procurador-Geral da República, para verificação de eventual crime contra a segurança nacional.
5) Jarbas Soares Júnior, Jeferson Coelho e Leonardo Carvalho manifestaram-se contrariamente ao envio de cópia ao Procurador-Geral da República. Fábio George fez ressalvas quanto à aplicação da Lei de Segurança Nacional, para tratar de matérias em regime democrático. Rodrigo Janot “esclareceu que iria analisar a matéria sob o aspecto penal, sem o indicativo da Lei de Segurança Nacional”.
6 ) Marcelo Ferra admitiu a gravidade do fato, “contudo, registrou que se preocupava com o afastamento do Procurador, sem antes ouvi-lo, de forma que entendia pela instauração de Reclamação Disciplinar perante a Corregedoria Nacional”. Alexandre Saliba ressalvou que qualquer juízo de valor sobre o documento em discussão seria precoce. Leonardo Farias entendeu ser mais prudente fazer uma averiguação preliminar.
7) Fábio George questionou sobre a data da postagem da “Carta Aberta às Forças Armadas” e se o autor havia subscrito o documento na condição de particular. Luiz Moreira “esclareceu que a publicação se deu em 19 de setembro de 2013 e consignou que, ao menos em tese, a carta configuraria crime, o que afastaria a prescrição administrativa, pois o prazo prescricional seria o da matéria penal”. Fábio George “consignou que se não há certeza de que a carta foi veiculada há menos de um ano, nos termos da Lei Complementar n.º 75/93, a matéria estaria prescrita, de modo que acompanhava a divergência suscitada pelos conselheiros Marcelo Ferra, Alexandre Saliba e Leonardo Farias.
8) Rodrigo Janot passou a Presidência ao Corregedor Nacional, para não se tornar eventualmente impedido na análise da matéria sob o aspecto penal. Alessandro Tramujas passou à coleta dos votos.
O Conselho, por maioria, decidiu pela instauração do Processo Administrativo Disciplinar e determinou o afastamento de Davy Lincoln Rocha por 90 dias, nos termos propostos por Luiz Moreira, vencidos Marcelo Ferra, Alexandre Saliba, Leonardo Farias e Fábio George, que entendiam pela abertura de Reclamação Disciplinar.
Ainda, por maioria, o conselho decidiu pela comunicação ao Procurador-geral da República para análise da matéria sob o aspecto penal, nos termos propostos pelo Conselheiro Luiz Moreira, vencidos os Conselheiros Jeferson Coelho, Leonardo Carvalho e Jarbas Soares Júnior.
Rodrigo Janot declarou-se impedido. Em seguida, reassumiu a presidência da sessão.
O procurador da República Davy Lincoln Rocha impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra a decisão do CNMP. O pedido foi distribuído ao ministro Luiz Fux. (*)
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(*) MS 33332