Lobby de juízes está instalado no CNJ

Frederico Vasconcelos

Sem consultar o colegiado do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Ricardo Lewandowski criou dois conselhos consultivos para assessorar a presidência do órgão: o primeiro é formado por presidentes de associações de classe da magistratura; o segundo, por integrantes do “Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça”.

Nunca os magistrados estiveram tão próximos do comando do órgão que tem o dever constitucional de fiscalizá-los.

Ricardo Lewandowski e Colégio Permanente

Os dois “conselhinhos” –como estão sendo chamados pelo colegiado– foram criados por portarias assinadas por Lewandowski no último dia 24 de março. Ou seja, por meio de atos monocráticos do presidente, sem passar pelo plenário.

Membros do colegiado temem que a real intenção dos “conselhinhos” seja “pautar” as decisões do CNJ. Só entraria em pauta processos e temas que lhes interessam –ou não lhes incomodam.

Como é o presidente quem autoriza a inclusão dos processos em pauta, esses consultores poderiam filtrar tudo que não lhes interessar.

Consultas prévias

A título de assegurar a “defesa das garantias e direitos dos magistrados”, os presidentes da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) serão consultados pelo presidente do CNJ sobre a “rotina de atenção prévia no trato de assuntos de interesse direto da magistratura”.

Portaria Conselho do Lobby das associações

O segundo conselho, “formado pelos integrantes ativos do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça”, vai ser consultado por Lewandowski antes de o CNJ expedir “propostas normativas e demais matérias que causem impacto na gestão financeira e administrativa dos Tribunais de Justiça”.

Portaria Conselhinho do CNJ

Como já foi registrado neste Blog, o tal “colégio” nada mais é do que um “lobby”–no melhor sentido da expressão– que, segundo os estatutos, defende as prerrogativas da magistratura. Não raro em eventos com patrocínio do governo ou de bancos privados.

A entidade não pertence à estrutura formal do Judiciário, não tem sede e é presidida por um ex-presidente de tribunal estadual.

Ao anunciar essa medida em março, Lewandowski afirmou que a criação de um conselho consultivo para auxiliar a presidência tem a finalidade de melhorar o diálogo do CNJ com os tribunais estaduais. Ele também alega que a iniciativa tem a ver com a prioridade do CNJ aos juízes de primeiro grau.

Numa gestão anterior da AMB –a maior associação de juízes do país–, a entidade escalava diretores para acompanhar no plenário o julgamento de processos disciplinares contra juízes. O ato de Lewandowski transfere esses dirigentes do auditório para seu gabinete.

Representantes de classe

“Os senhores não representam o CNJ. Os senhores não representam a nação. São representantes de classe”, afirmou o então presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, quando os presidentes das três entidades foram entregar um ofício em seu gabinete, a título de apoio ao CNJ.

“O CNJ não necessita de apoio”. “Os seus atos estão previstos na Constituição e nas leis”, disse Barbosa. O então presidente do CNJ tratou o então presidente da Ajufe como “líder sindical” [leia aqui].

Barbosa revidava, atribui-se, o fato de os presidentes da AMB, Ajufe e Anamatra terem oferecido uma representação criminal contra a então corregedora nacional Eliana Calmon, notícia-crime rejeitada pelo procurador-geral da República à época, Roberto Gurgel.

Isso não quer dizer que as três entidades de classe nunca tiveram interlocutores no CNJ. Em sua gestão à frente do CNJ, o ministro Ayres Britto escolheu para atuar como auxiliares da presidência os juízes Mozart Valadares, Fernando Mattos e Luciano Athayde, respectivamente, ex-presidentes da AMB, da Ajufe e da Anamatra.

Era uma forma de manter um amplo canal de diálogo sem o risco de aproximações indevidas.

Morosidade e esvaziamento

Alguns conselheiros registram que, enquanto dedica especial atenção aos conselhos consultivos externos, Lewandowski não dispensa o mesmo tratamento às comissões internas do CNJ.

Processos com temas “polêmicos” ou que não tenham a “simpatia” do presidente simplesmente não são pautados para deliberação do plenário. A tão esperada regulamentação da Lei de Acesso à Informação – LAI, por exemplo, aguarda inclusão em pauta desde meados de 2014. Ofício enviado a Lewandowski, reforçando o pedido de pauta, sequer foi respondido.

Da mesma forma, não são colocados em julgamento processos de reconhecida gravidade. É o caso, por exemplo, da reclamação disciplinar contra o desembargador paulista suspeito de, como relator, reter em seu gabinete sem sentenciar –por mais de três anos– uma ação penal contra um deputado estadual, o que resultou na prescrição de vários crimes atribuídos ao parlamentar.

Diante desse quadro de esvaziamento, não surpreende que dois ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia afastados pela gestão anterior do CNJ tenham retornado ao cargo graças a uma liminar concedida por Lewandowski, no recesso do Judiciário, contrariando decisão anterior do ministro relator. Foram recebidos na Corte baiana com foguetório e a presença do prefeito e do governador do Estado –“um acinte” ao Poder Judiciário, no dizer do ministro Gilson Dipp.

Mais recentemente, um desembargador investigado pelo CNJ se inscreveu para disputar uma vaga como conselheiro do órgão de controle externo do Judiciário.

Como observa o professor Joaquim Falcão, da FGV Direito Rio, ao contrário do que muitos imaginam, “o CNJ não é um órgão dos juízes, é da sociedade”.