“Não se pode ‘conciliar’ a qualquer custo”
Sob o título “Conflitos trabalhistas: qual conciliação?”, o artigo a seguir é de autoria de Guilherme Guimarães Feliciano, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP) e vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).*
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No último dia 23 de junho, o Conselho Nacional de Justiça realizou audiência pública para discutir o tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça do Trabalho. Entre os objetivos do evento estava a definição de diretrizes para a estipulação de uma política de conciliação na Justiça do Trabalho e o debate de questões polêmicas como a necessidade da instalação de núcleos ou centros específicos de conciliação/mediação no 1º e 2º graus de jurisdição da Justiça do Trabalho e o cabimento da mediação privada e/ou pré-processual no processo do trabalho. Vale a pena trazer ao leitor alguma notícia do que ali se debateu e dos seus possíveis reflexos para a jurisdição trabalhista.
Para muitos entusiastas da ampliação das políticas de soluções alternativas de conflitos trabalhistas, o recurso intensivo às conciliações e mediações torna-se a panaceia para os problemas atuais da Justiça do Trabalho — notadamente em tempos de carestia orçamentária, com corte de mais de 29% em suas verbas de custeio e de 90% em suas verbas de investimento, para 2015 (Lei 13.255/2016) —, uma vez que, sem recursos orçamentários, conviria recorrer a instrumentos que “facilitem” a solução dos litígios trabalhistas típicos. Além disso, ante o desemprego crescente (taxa acumulada de 11,2% no início de junho) e o aumento vertiginoso de demandas nos órgãos da Justiça do Trabalho, restaria à instituição antecipar-se ao boom de litígios e servir-se de mediações e conciliações “pré-processuais”, evitando a afluxo dessas demandas como ações judiciais.
A nosso ver, tais razões revelam apenas o equívoco por detrás desse novo frenesi pelos métodos alternativos de solução de conflitos trabalhistas. A jurisdição é uma função de Estado voltada à tutela de direitos subjetivos e/ou de interesses juridicamente protegidos; e, logo, um mecanismo para o acesso pleno à ordem jurídica justa, que é mais que a simples “pacificação” dos conflitos.
Não se pode “conciliar” a qualquer custo, tanto mais quando estão em jogo direitos sociais fundamentais, de natureza alimentar, como são os salários, as horas extraordinárias, as verbas decorrentes da rescisão contratual etc. Já por isso, devem-se evitar os acordos ruinosos (p.ex., frações de verbas rescisórias incontroversas a se pagar em parcelas a perder de vista), simulados (p.ex., acordos celebrados em juízo, para pagamento integral de rescisórias, apenas para o efeito de se obter quitações plenas em favor de empresas devedoras de outros direitos), fraudulentos (p.ex., acordos que ocultam ou alteram naturezas jurídicas irrevogáveis das parcelas a serem pagas, com o adrede intuito de evadir tributação) ou temerários (p.ex., acordos que “vendam vento”, oferecendo direito futuro, incerto e/ou litigioso).
Nenhum método alternativo de solução de conflitos que se guie por critérios de massificação, priorização qualitativa ou legitimação por precificação/quantificação será adequado para esse controle. Cabe ao juiz do Trabalho zelar por essa condição de eticidade nas conciliações; servidores judiciários ou conciliadores/mediadores privados, no seu lugar, não terão sequer competência — no sentido técnico-processual — para essa aferição.
Os núcleos judiciais de solução alternativa de conflitos são evidentemente bem-vindos na Justiça do Trabalho, como em qualquer outro ramo do Judiciário. Mas devem se balizar pela natureza especial das pretensões que estão em disputa. E têm de ter à frente de toda e qualquer negociação, a se encetar apenas no curso de processos judiciais já instaurados, a figura do juiz.
Se há conjuntura de explosão da litigiosidade, as dificuldades daí advindas precisam ser contornadas por outros mecanismos, como a simplificação dos ritos, as tutelas provisórias de urgência e de evidência, a racionalização dos sistemas recursais e, por que não, o aumento dos quadros de juízes e servidores (basta lembrar que há, na França, doze juízes por cem mil habitantes; no Brasil, na Justiça da União, há um único magistrado para cada cem mil habitantes). Recorrer a uma lógica que busque prioritariamente métodos de extinção/prevenção de procedimentos é, a rigor, desconstruir o próprio conceito contemporâneo de jurisdição, que é função estatal de tutela jurídica. Não poderá ser jamais método estatal para “qualquer” solução de conflitos.
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