Reforma política e coronelismo partidário

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Reforma Política contra o povo“, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, e Luiz Flávio Gomes, criador do Movimento #QueroUmBrasilÉtico.

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O ponto crucial da reforma política que está em debate no Congresso Nacional é o do financiamento público das campanhas. Somos contra o uso de mais dinheiro do povo para custear as campanhas eleitorais de 2018.

Num país em que vários setores dos serviços públicos estão entrando em colapso, usar quase R$ 4 bilhões que pertencem a todos para manter os privilégios de poucos, incluindo incontáveis políticos desonestos que não deveriam ser reeleitos, constitui um grave acinte à população.

A ideia de financiamento público pode fazer sentido em um país em que o sistema partidário seja honesto e honrado. Mas é incogitável hoje no Brasil em que os partidos são geridos por coronéis que se eternizam no poder pisando na lei, em que não há qualquer espécie de coerência ou fidelidade a programa partidário, mera peça de ficção e marketing.

Mais estapafúrdia ainda foi a ideia sustentada pelo Deputado Federal petista Vicente Cândido, que tentou incluir na reforma uma aberrante emenda que proibiria prisões de políticos oito meses antes das eleições. Seu nítido propósito seria beneficiar o ex-presidente Lula, que acaba de ser condenado a 9 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado. Só não vingou porque a sociedade reagiu e exigiu a sua retirada.

Esta é a tônica de um Congresso que vem legislando de costas para o bem comum e para a sociedade. Um Congresso que não só desfigurou por completo, na calada da madrugada de 30 de novembro, o relatório final das chamadas 10 medidas contra a corrupção, como também tentou aprovar anistia ao caixa 2 em votação relâmpago secreta, além de pretender fazer uma nova lei de abuso de autoridade sem prever um único tipo penal incriminador dirigido a parlamentares, pretendendo nitidamente intimidar a magistratura e o Ministério Público.

Enquanto a nação se vê atordoada com os escândalos de corrupção que se renovam diariamente com números cada vez mais escabrosos e inimagináveis, a tal ponto que o povo parece estar nocauteado, discutem os legisladores a melhor forma de sobreviverem na política, escapando, ao mesmo tempo, do império da lei.

Um Parlamento totalmente deslegitimado, que funciona em dissintonia em relação ao anseio da sociedade, não pode se aventurar a fazer mudanças bruscas nas regras para as eleições de 2018, de importância capital para o futuro do país.

A proibição das coligações partidárias, no entanto, é um avanço, pois protege o voto do eleitor, evitando-se esdrúxulas e paradoxais coligações decorrentes de interesses oportunísticos de ocasião.

A cláusula de barreira também é positiva, pois veda a procriação de partidos, que sobrevivem como balcão de negócios. Não existem 35 ideologias partidárias. O partido da mulher brasileira, até outro dia, tinha apenas um parlamentar homem em seus quadros; o partido ecológico nacional teve o presidente processado por crime ecológico.
É razoável exigir dos partidos desempenho eleitoral.

O sistema político atual permite o coronelismo partidário e, mesmo na vigência da lei anticorrupção, que aplica aos partidos políticos o conceito de compliance, assiste-se à concessão indiscriminada de legendas partidárias a fichas imundas à luz do dia sem qualquer cerimônia, já que os coronéis dos partidos se acham acima da lei.

O conceito do “distritão” afasta-se diametralmente da ideia de aproximar o representante do representado. Distritos pequenos restringindo o voto a ele significaria baratear campanhas e aproximar muito o eleitor do seu representante.

Começa enganando o cidadão pelo nome, pois se afasta da ideia original do sistema majoritário distrital, presente no Reino Unido, por exemplo, desde 1264. O tal “distritão” existe hoje apenas no Afeganistão, Kwait, Emirados Árabes e Vanuatu.

No sistema distrital o território é dividido em distritos e os mais votados democraticamente em cada distrito são eleitos. No sistema do “distritão” apenas se adotou o sistema majoritário. Não existem distritos.

O “distritão” torna a campanha difícil e cara e distancia eleitor do político, o que amplifica a atual grave crise de representatividade.

Sendo vedadas as contribuições de pessoas jurídicas, serão beneficiados os candidatos ricos e os que já estejam no poder ou famosos. Ou seja, o processo de renovação política, essencial no Congresso fica naturalmente prejudicado.

A proposta obviamente visa beneficiar a manutenção do status quo atual, dificultando a emergência de novos quadros políticos, especialmente diante da dificuldade de financiamento.

Não é momento, não houve debate nem há legitimidade para pensar em mudar o presidencialismo pelo parlamentarismo. Isto seria oportunismo puro, agora em função de investigações dos interessados na aquisição do poder.

A mudança pode ser interessante no futuro, desde que precedida do essencial e profundo debate imprescindível com a sociedade brasileira. Guinadas desta magnitude podem levar o Brasil a um naufrágio total.

O que se sente falta na reforma política é regra proibitiva da reeleição nos cargos executivos e limitadora do número de mandatos no Legislativo. O enraizamento no poder é nocivo ao bem comum e contraria a própria essência do sistema republicano baseado na ideia da alternância no poder.

Instituir autolimite ao número de mandatos no Legislativo seria uma demonstração de grandeza e nobreza por parte dos senhores parlamentares. Evidenciaria espírito público. Traria alguma esperança ao triste povo brasileiro.

Diante da atual conjuntura, além de autolimitar o próprio poder, o que nos parece mais pragmático é aprovar apenas uma minirreforma: o fim das coligações e as cláusulas de barreira, retomando-se o debate após a eleição do novo Congresso, legitimado pelo povo. Afinal, numa democracia o poder deve emanar do povo e em seu nome deve ser exercido.