Pirotecnia fiscal vai gerar enxurrada de ações

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Governo joga para a torcida ao invés de enfrentar o problema“, o artigo a seguir é de autoria de Alex Canuto, presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP).

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As medidas fiscais anunciadas na semana passada servem para agradar o mercado. Infelizmente servem só pra isso, pois ou são inócuas ou vão gerar rombo ainda maior que o atual.

Adiamento de reajustes e redução de salário de futuros servidores, que sequer se sabe se serão contratados, constituem apenas uma cortina de fumaça sem efeito.
Destinam-se a encobrir a nova meta fiscal, alargada não tanto pela frustração de receitas em decorrência da inflação, mas principalmente por aberrações como anistia a sonegadores e redução de alíquota do Funrural, concedidas perto da votação do impeachment, assim como a liberação de emendas parlamentares.Soma-se a isso a iminente desfiguração do REFIS e os 3,5 bi para o fundo eleitoral.

Essas benesses para os amigos têm um custo, que o governo quer repassar para a classe média e desempregados, com aumento de PIS/COFINS dos combustíveis e arrocho salarial, também devidamente encobertos com firulas retóricas para enganar o mercado.

O adiamento de reajustes concedidos pelo próprio governo a servidores só posterga e aumenta o problema, pois ao violar direito adquirido, já reconhecido em jurisprudência do STF e STJ, cria-se mais um esqueleto nas contas públicas. Haverá uma enxurrada de ações judiciais com êxito praticamente certo e algum dos próximos governos vai ter que pagar retroativamente o que é devido, com juros e sucumbência, deixando a conta para gerações futuras.

O pior é a falácia da redução de salário nominal de gestores públicos. Na verdade, os salários dos atuais servidores não serão reduzidos, pois o novo valor só se aplicaria a futuros ingressantes. Ocorre que os concursos no Executivo Federal estão suspensos por falta de recursos. Ou seja, governo está anunciando um desconto em um produto que ele mesmo não vai comprar.

Trata-se portanto de mero teatro para o mercado, como o dirigente de clube de futebol prestes a ser rebaixado que começa a inflar a torcida com cânticos que atacam o clube rival, numa atitude sem nenhum efeito prático, a não ser uma bela “Schadenfreude”.

O atual rombo fiscal foi causado por incompetência e corrupção, e o mais demagógico é que o governo está atacando justamente as carreiras públicas que trabalham com melhoria da gestão e combate à corrupção.

Para isso, compara caixa de uvas com saco de maçãs. Compara o salário de “economistas e administradores” do setor público com o privado, mas malandramente omite que estes servidores, ainda que tenham cursado graduação nessas áreas, não prestaram concurso para estes ofícios, e sim para serem auditores fiscais, policiais, ou especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, cargos que não possuem correspondentes na iniciativa privada.

Omite também que quem opta pela carreira pública não atinge os altos salários que o setor privado pode pagar, a não ser que fure ilegal e imoralmente o teto constitucional. Há ainda falácias como salários de R$ 17 mil para recém-formados na carreira de gestão, como se isso fosse regra, sendo que a maioria dos aprovados já entra com experiência profissional e/ou pós-graduações, e a média de idade dos ingressantes é 34 anos.

Enfim, trata-se de uma disputa entre as instâncias meritocráticas do Estado e a classe política. A pirotecnia fiscal do governo ataca frontalmente os concursados que combatem os desmandos dessa classe, tais como loteamentos de cargos, liberações de emendas e foros privilegiados. E além de tudo ainda tenta jogar a sociedade contra os concursados, com meias verdades maliciosas.