Juíza suspende punição aplicada por Janot
Subprocurador-geral acusado de faltar ao serviço e receber auxílio-moradia indevidamente recorre de suspensão por 90 dias,
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A juíza federal Diana Maria Wanderlei da Silva, do Distrito Federal, concedeu liminar sustando decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que aplicou as penalidades de suspensão por 90 dias e censura ao subprocurador-geral da República Dilton Carlos Eduardo França, sob a alegação de “reconhecida prática de atos de improbidade administrativa”.
França foi acusado de abandono de cargo e de auferir “vantagem patrimonial indevida”, ao receber auxílio-moradia sem nunca ter residido em Brasília, local em que estava lotado.
A punição consta de portaria assinada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na última segunda-feira (11). Foi publicada no “Diário Oficial da União” na quinta-feira (14).
A liminar (tutela de urgência) foi deferida pela magistrada, no dia 28 de agosto, em ação ajuizada pelo subprocurador-geral contra a União Federal.
A juíza suspendeu a decisão do conselho até o julgamento final da ação.
Somente no último dia 13 o CNMP –notificado da decisão liminar pela Advocacia Geral da União– determinou a interrupção do julgamento de um recurso (embargos declaratórios) oferecido pelo subprocurador-geral.
A juíza entendeu que a ré [União] aplicou sanções administrativas “sem a devida valoração das provas colhidas” e impôs “penalidades desarrazoáveis e incompatíveis com os supostos danos causados ao patrimônio público”.
“É apenas um rematado absurdo, num colegiado desencontrado, em final de mandato, que não se deteve com os cuidados necessários à prova dos autos”, afirmou o subprocurador-geral ao Blog.
“O colega PGR Rodrigo [Janot] certamente não foi cientificado da liminar, ao baixar a referida portaria, clara e juridicamente ineficaz”, disse França.
Origem do processo
O processo administrativo disciplinar foi instaurado em 17 de outubro de 2016 pelo então corregedor nacional do Ministério Público, Claudio Henrique Portela do Rego, para apurar a suposta “falta sistêmica ao serviço, equiparada por lei a abandono de cargo”.
Segundo a corregedoria, entre abril de 2014 e março de 2015, o subprocurador-geral, “com consciência e vontade, faltou injustificadamente por 129 dias úteis”.
A mesma situação ocorreu nos meses de maio, julho e agosto de 2015.
A corregedoria registrou que “a auferição de vantagem patrimonial indevida importou num enriquecimento ilícito de, no mínimo, R$ 122,5 mil”.
A portaria que instaurou a sindicância registra ainda que o processado “sabia do percebimento ilegal dos valores”, pois firmara declaração se comprometendo a comprovar os gastos com hospedagem.
No pedido de liminar, França alegou que, “após ser promovido para o cargo de subprocurador-geral da República, requereu auxílio-moradia e encaminhou à Procuradoria Geral da República uma declaração de que residia em estabelecimento hoteleiro, apresentando recibo mensal para comprovação de gasto com hospedagem”.
A magistrada transcreve texto do voto do relator, conselheiro Esdras Dantas de Souza, informando que o subprocurador “conforme documento acostado aos autos, está submetido a tratamento psiquiátrico desde 8 de julho de 2010”.
“De 5 de novembro de 2014 a 25 de setembro de 2016 [o processado] passou afastado de suas funções, para tratamento de saúde, com a devida autorização, por 390 dias”.
Segundo consta nos autos, o acusado sofreu a perda de sua esposa, de um sobrinho por afinidade, que se suicidou por enforcamento, de uma cunhada e de um irmão. “No prazo de dez meses, sofreu a perda de quatro parentes próximos, dentre os quais está a própria esposa”, registrou o relator.
Voto vencedor
O conselheiro Sérgio Ricardo de Souza, autor do voto vencedor, acompanhou o relator, considerando improcedente a imputação inicial de abandono de cargo.
“Inexistem indícios de que o membro processado, mesmo nos dias em que não compareceu ao local de lotação, tenha deixado de exercer suas funções.”
Para Souza, ficou comprovado que, entre abril de 2014 e outubro de 2015, o subprocurador-geral recebeu 4.140 processos, tendo devolvido 4.000, ou seja, devolveu 96,6% dos processos recebidos no período no qual a Corregedoria Nacional alega que ele teria abandonado o cargo”.
Mas o conselheiro entendeu que “as provas nos autos são suficientes para indicar que o membro processado, desde que promovido ao cargo de subprocurador-geral da República, de fato, não residiu em Brasília”.
“É possível concluir que o acusado deslocou-se, esporadicamente, a Brasília/DF, mas que, efetivamente, não residiu de forma habitual, legal e efetiva neste local”.
Ainda segundo Souza, é “forçoso concluir ainda pela prática de infração disciplinar decorrente do recebimento de ajuda de custo para moradia quando conscientemente sabia não ter direito a percepção de tal verba”.
O autor do voto vencedor, concluiu que ficou caracterizada a prática de improbidade administrativa, com lesão aos cofres públicos.
Souza votou no sentido de que o levantamento dos valores percebidos indevidamente, assim como as medidas para ressarcimento ao erário, “devem ser realizados pela área técnica competente do Ministério Público Federal”.
Produtividade confirmada
Ao conceder a liminar, a juíza federal substituta da 5ª Vara do Distrito Federal observou que “o MPF concluiu que o autor [França] atendia a todos os requisitos previstos para o pagamento do auxílio-moradia, a contar de 9 de abril de 2014, data da fixação do domicílio nesta localidade (…) pois admitiu não haver imóvel funcional para disponibilizar ao autor e a moradia habitual em hotéis”.
O pagamento do auxílio-moradia foi deferido pelo então secretário-geral do MPF, Lauro Pinto Cardoso Neto.
“O cotejo dos documentos acostados ao processo, como movimentação dos veículos oficiais, informações das companhias aéreas, dados hoteleiros e relatórios de produtividade apontam circunstâncias que não foram consideradas ou ponderadas pela ré” [União], registrou a juíza.
“No mais, o fato do autor ter domicílio profissional em Brasília, não impede de que, no seu período livre, tenha também domicílio em outro lugar, desde que não obste a realização dos trabalhos sob a sua responsabilidade.”
Ainda segundo a magistrada, “na graduação da pena, deveriam ter sido considerados os relatórios que revelam a alta produtividade do autor no desempenho de suas atribuições, uma vez que o próprio MPF, em processo interno, ponderou que o autor teve zelo nos trabalhos sobre seu encargo, afastando o suposto prejuízo causado ao serviço público”.