Advogada enfrenta Google, Yahoo e Microsoft

Frederico Vasconcelos

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deverá julgar nesta terça-feira (7) ação ajuizada por advogada que pretende a condenação de Google, Yahoo e Microsoft “a se abster de divulgar, em seus sítios eletrônicos de busca, notícias relativas à suposta fraude praticada em concurso para ingresso na magistratura de carreira do estado do Rio de Janeiro, quando for realizada pesquisa mediante a digitação de seu nome“. (*)

Trata-se de uma demanda de amplo interesse público nos dias atuais. O concurso foi realizado em 2005/2006. O caso também recomenda uma volta ao passado, para resgatar como foram os primeiros embates entre o Conselho Nacional de Justiça e tribunais resistentes a sua intervenção.

O STJ julgará recurso oferecido por Google e Yahoo, tendo Microsoft como parte interessada. A ação trata de questões sobre responsabilidade civil, dano moral e direito de imagem. A relatora é a ministra Nancy Andrighi, ex-corregedora nacional de Justiça.

Em agosto, o STJ indeferiu o pedido de retirada de pauta requerido pela advogada.

Em apertada síntese, Denise Pieri Nunes foi apontada em várias reportagens como uma das beneficiárias de fraude num concurso para ingresso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que, em 2009, rejeitou ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, que pretendia a anulação de decisão colegiada do CNJ.(**)

A advogada alegou inocência. Em seu site, a OAB informa que Denise Pieri Nunes posteriormente foi aprovada em concurso do Ministério Público do Rio de Janeiro, tomando posse como promotora de Justiça substituta em abril de 2010.

Aparentemente, a questão envolve o chamado direito ao esquecimento, um direito não previsto na Constituição Federal.

Sem se referir ao caso específico, em artigo de março deste ano a advogada Taís Gasparian observa que “o sistema jurídico brasileiro não prevê um direito genérico de ser ‘esquecido’, no sentido de uma pessoa ter o direito de limitar a difusão de informação que lhe diga respeito e que considera prejudicial ou contrária aos seus interesses. Tampouco há respaldo na Constituição Federal para que um conceito como esse seja adotado. E nem há um direito absoluto de “ser esquecido”, como se fosse um direito fundamental”.

O julgamento ocorre no momento em que se multiplicam iniciativas que ameaçam a liberdade de expressão.

A propósito, recomenda-se a leitura do artigo Censura, ameaças e photoshop“, do criminalista Luís Francisco Carvalho Filho, neste sábado (4) na Folha.

Um dos personagens citados no artigo de Carvalho Filho é o ministro do STF Alexandre de Moraes [mencionado, segundo o autor, por declaração em que “faz questão de se situar no campo autoritário, contra a liberdade de imprensa”].

Na época dos fatos que o STJ está examinando, Moraes era conselheiro do CNJ, e seu voto deve ser revisitado.

A atuação de Moraes no CNJ foi elogiada. “Sempre muito preparado, ele se alinhou com o lado mais progressista em teses sobre a administração da Justiça”, diz Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio, segundo perfil do ministro publicado na Folha em fevereiro deste ano, escrito a quatro mãos pelo repórter Rogério Gentile e pelo editor deste Blog.

Joaquim Falcão também era conselheiro do CNJ à época dos fatos. Recomenda-se também a leitura do longo voto vencido de Falcão, proferido em março de 2008, no processo administrativo que teve dois relatores: Moraes e o procurador de Justiça Felipe Locke Cavalcanti. (***).

“Este concurso se realizou dentro de uma política gerencial de manutenção do nepotismo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro”, registrou Falcão. “Foram inscritos no concurso 2.083 candidatos. Destes, 33 tinham parentesco com magistrados e 2.050 não. Deste total de 2.083, apenas 24 foram aprovados. Destes 24, sete são do grupo que tem parentesco com magistrados”.

Sobre a suspeita de vazamento que teria beneficiado a candidata Denise Pieri Nunes, Falcão entendeu que “dada a impossibilidade de determinação de quantos tiveram acesso ao referido critério de correção, torna-se também impossível determinar quantos eventuais candidatos podem ter sido favorecidos no concurso”.

Ele tratou da “reprovação proposital” da candidata, que teria se utilizado do gabarito na fase anterior, em desacordo com o edital:

“De acordo com a própria defesa da candidata Denise Pieri Nunes, não teria ocorrido vazamento do gabarito, mas sim aplicação de questão no concurso que já figurava na apostila da EMERJ, escola de preparação para os concursos da magistratura do próprio TJ-RJ.

Ocorre que, como aponta o relator, antes de ser uma comprovação de que não teria havido vazamento do gabarito, é este fato a comprovação de favorecimento de alunos do curso preparatório da Escola do Tribunal em detrimento dos demais candidatos. Ou seja, mais uma inobservância do princípio da igualdade”.

“Em mais um descumprimento dos critérios previstos no edital, e mesmo antes do vazamento público de qualquer denúncia, ou seja, em decisão envolvendo os examinadores, optou-se por reprovar a candidata Denise Pieri Nunes na prova oral.

Tal decisão foi tomada após a detecção, pelos integrantes da banca de direito tributário, de que teria havido vazamento do gabarito ou dos critérios de correção.

Ao invés de se denunciar a ocorrência de fato grave optou-se pela adoção de um método não previsto no edital. A aplicação de prova oral com o específico objetivo de reprovar candidata. Mais uma vez deixou-se de cumprir o edital e princípios elementares de direito, como o da isonomia e da generalidade”, anotou.

O conselheiro registra que o concurso do TJ-RJ foi realizado na presidência do desembargador Sergio Cavalieri, no biênio 2005/2006:

“Tal Administração foi marcada não por reações contrárias pontuais e específicas com relação à Resolução 7, de combate ao nepotismo, deste CNJ. O que seria absolutamente legal e legítimo. Mas foi marcada, sim, por uma sequência de atos administrativos e disputas processuais com o fim de manter o nepotismo naquele tribunal”.

Falcão cita decisão de Alexandre de Moraes:

“Apenas três dias depois de reconhecida a constitucionalidade da Resolução 7 deste CNJ em sede de liminar pelo Supremo, a mesma Administração baixou o Ato Administrativo 6/2006, que criou o “Departamento de Assessoria Direta aos Desembargadores”, para o qual foram transferidos os assessores de desembargadores, antes subordinados aos gabinetes.

Os 51 parentes de desembargadores foram mantidos, sob a alegação de que não haveria mais subordinação. Da decisão do conselheiro Alexandre de Moraes destaca-se: “mecanismos ou circunstâncias propiciadas pelo ato normativo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que caracterizaram ajuste para burlar a vedação à prática do nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário“.

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(*) REsp 1660168
(**) PCA 510

(***)  http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/41533/40882

Obs. Com acréscimo de informações às 10h58.