Novas incertezas sem perspectivas claras de melhora

Frederico Vasconcelos

Para o advogado Sérgio Rabello Tamm Renault, “as omissões do Legislativo e inoperância do Executivo exigem cada vez mais do Judiciário o exercício de uma ação interventora, cuja legitimidade gera polêmica e discussões apaixonadas”.

“São novos paradigmas, novos papeis para os operadores do direito e é uma nova Justiça que alguns hão de chamar de simulacro, carente de legitimidade institucional. Tudo a apontar novas incertezas sem perspectivas claras de melhora”, diz.

“É a vida que segue”, comenta.

Renault é diretor presidente do Instituto Innovare. Foi secretário de Reforma do Judiciário na gestão do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

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Todo final de ano nos conduz a promover um balanço das experiências vividas ao mesmo tempo que se faz um exercício especulativo sobre o futuro próximo. Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer que no campo do nosso sistema de justiça o Brasil viveu em 2017 momentos de experimentações inéditas que colocaram em xeque nossas instituições.

Não há no pais alguém que acompanhe o noticiário que não tenha ficado apreensivo e temoroso de que as coisas saíssem definitivamente do lugar. Em ambiente político conturbado e marcado por momentos graves de instabilidade apontando para a quebra da normalidade institucional, tudo pareceu muito difícil. Aos trancos e barrancos chegamos ao final de um ano atípico em todos os sentidos. Vivemos sobressaltados a incerteza do dia seguinte e da falta de perspectiva breve mais tranquilizadora.

Tudo parece muito confuso como se novas regras fossem definidas para jogos antigos. Práticas consolidadas no dia a dia da atividade dos políticos passaram a ser conhecidas, criticadas e repudiadas pela cidadania. Vimos novidades alvissareiras a dar a impressão de que mudanças vieram para ficar, mas logo as esperanças se dissiparam diante da realidade que teima em se apresentar e embaçar o nosso cotidiano.

O cidadão que vive próximo ao sistema de justiça ou que dele participe diretamente passa por apreensões e temores ainda mais angustiantes. As reformas que se sucederam não deram conta dos desafios que surgem em velocidade sempre surpreendente. Fica a sensação do cachorro que corre atrás do rabo, da ação incessante de enxugar gelo, da impotência que não tem fim.

O Judiciário continua a conviver com suas mazelas já conhecidas tais como o excesso do número de processos, a burocracia asfixiante, a demora na tramitação dos processos – tudo torna a justiça sempre lenta, deixando a impressão de que, quando chega, chega tarde. Novas dificuldades surgiram, em dimensão proporcional ao crescente papel de protagonista da cena nacional que o Judiciário passou a exercer. E assim as responsabilidades crescem em ritmo desproporcional à capacidade de trazer respostas.

Nada de importante parece dispensar a presença do Judiciário. As omissões do Legislativo e inoperância do Executivo exigem cada vez mais do Judiciário o exercício de uma ação interventora, cuja legitimidade gera polêmica e discussões apaixonadas.

O papel do Ministério Público, agora fortalecido por forte apoio popular, insuflado pela mídia e por seus holofotes que fazem brilhar os olhos dos que dela se valem para propagar ideias que parecem fugir do seu mister.

Princípios caros, formadores da base de um Estado de direito que mereça a adjetivação de democrático foram arranhados na intenção de fazer prevalecer fins almejados como se fossem absolutos.

A expectativa, ou melhor, o desejo de um futuro que traga dias melhores não deve impedir que vislumbremos dificuldades a serem superadas.

Este duplo pensar sobre passado e futuro traz um fio condutor perfeitamente claro: o Judiciário seguiu e segue incensado por exigências que não cabem mais na lógica do pensamento liberal, segundo o qual os meios definem os fins possíveis. É evidente que o Judiciário hoje se orienta por um novo norte, francamente mais pragmático, pautado por uma ética onde os fins cada vez mais definem os meios necessários. Nada autoriza pensar que o futuro será a antítese do passado. Ao contrário, o sentido de continuidade está cada vez mais claro.

São novos paradigmas, novos papeis para os operadores do direito e é uma nova Justiça que alguns hão de chamar de simulacro, carente de legitimidade institucional.

Tudo a apontar novas incertezas sem perspectivas claras de melhora. Não há como ser otimista com tamanha incerteza, a não ser que se aposte que a reflexão sobre as dificuldades do passado recente seja suficiente para trazer nova luz. Quem viver verá…