Avanço de decisões dos juízes na competência alheia
Ives Gandra da Silva Martins considera que a preocupação da maior parte dos juristas brasileiros é o avanço de decisões dos juízes na competência constitucional e exclusiva de outros Poderes, principalmente do Legislativo.
“Há problemas estruturais da organização judicial, assim como zona nebulosa nas limitações de competência”, diz.
“Chegou o momento de repensar-se o fortalecimento do equilíbrio de poderes, sem invasão de competências alheias”, diz o articulista.
Ives Gandra é presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP e professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, entre outras instituições.
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A detecção dos problemas que envolvem a Justiça brasileira, à luz da atuação das três instituições essenciais à sua administração, é fundamental para que se possa, a partir de 2018, trilhar uma rota de ajustes necessários para modernização da prestação jurisdicional e a busca do equilíbrio dos poderes e da segurança jurídica desejada pela nação.
De longe, a questão maior que se põe não é nem da dignidade, nem da competência, nem do conhecimento daqueles que, no tripé da Justiça, têm a função mais relevante de decidir sobre conflitos na sociedade e sobre a constitucionalidade das leis em vigor.
É de se lembrar que Ministério Público e Advocacia, como funções essenciais à administração da Justiça, completam o triângulo, em que, em igualdade de importância, asseguram o respeito à lei e acusam seus desvios (Parquet) ou exercem o mais sagrado direito, numa democracia, que é o da ampla defesa, inexistente nas ditaduras (Advocacia).
Ministério Público e Advocacia não são, todavia, poderes, mas funções relevantes para a Administração da Justiça. Por este prisma, o Brasil, felizmente, está bem servido e o nível dos julgadores republicanos é equivalente ao das mais avançadas nações.
Há, todavia, problemas estruturais da organização judicial, assim como zona nebulosa nas limitações de competência, não poucas vezes havendo avanço de decisões dos juízes brasileiros na competência constitucional e exclusiva de outros Poderes, principalmente do Legislativo.
O debate sobre se, no vácuo legislativo, pode ou não o Poder Judiciário legislar permeia a preocupação da maior parte dos juristas brasileiros.
Em projeto do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e da Um Brasil, no qual sou Curador, já tendo veiculado a primeira série de entrevistas com os eminentes intérpretes de Direito no país (Carlos Ayres Britto, Edson Fachin, George Niaradi, Ives Gandra Martins, Ives Gandra Martins Filho, Janaína Paschoal, José Eduardo Faria, José Renato Nalini, Luís Roberto Barroso, Maria Cristina Peduzzi, Marco Aurélio Mello, Marcos Reis, Marivaldo Pereira, Nelson Jobim, Ney Prado e Oscar Vilhena), percebeu-se a necessidade de repensar-se a atual Lei Orgânica da Magistratura, nascida sob a égide da Constituição anterior, para perquirir se ainda atenderia aos desafios crescentes da Modernidade, cuja velocidade de ocorrência exige soluções e estruturas que a velha Lei Complementar 35/79 já não mais comporta equacionar.
Até mesmo a organização judiciária plasmada na Lei Maior, sua compartimentalização à luz dos novos campos do conhecimento e das ações humanas cada vez mais complexas e diferenciadas, assim como a maior litigiosidade que a cultura de um povo termina por impor – visto que a garantia de direitos teorizada na lei suprema nem sempre é de fácil atendimento -, representam temas sobre os quais a reflexão se faz necessária, neste debate.
Thomas Friedman, no seu segundo livro (“Quente, Lotado e Plano”) coloca, entre os grandes problemas da sustentabilidade atual, a impossibilidade de o globo suportar, em nível de alimentação, energia e direitos individuais, a população mundial, se esta tivesse padrão médio de vida semelhante àquele do povo da América do Norte.
A meditação de especialistas sobre temas desta magnitude quanto ao Poder que deve assegurar direitos e fazer justiça, é de indiscutível relevância, lembrando para a ocasião o alerta de Roberto Campos no prefácio de meu livro “Desenvolvimento Econômico e Segurança Nacional – Teoria do limite crítico”, em que diz que “a melhor forma de evitar-se a fatalidade, é conhecer os fatos”.
Creio que chegou o momento de repensar-se o fortalecimento do equilíbrio de poderes, sem invasão de competências alheias, o que implicaria, necessariamente, o fortalecimento da sofrida democracia brasileira. É que o que se deseja para 2018.