Juiz vê 2017 como o ano de descrédito do Supremo
Para o juiz Renato Soares de Melo Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o descrédito do Supremo Tribunal Federal marcou o ano de 2017 para o Poder Judiciário.
“A Suprema Corte não pacifica conflitos, ao contrário, potencializa aqueles que caem no seu colo. Cada ministro atua como se fosse um tribunal, contrariando entendimentos consolidados”.
Juiz de primeiro grau, Melo Filho critica o uso político dos pedidos de vista no STF, os bate-bocas em plenário e vê “falta de autoridade e insegurança” na atual presidente da Corte.
O magistrado condena o indulto natalino concedido pelo presidente Michel Temer e a mudança de discurso, que enxerga na academia, diante do “grande presente de Natal aos corruptos”.
“O que era antes ‘leniência’ se transformou em ‘ampla defesa’. O que era ‘punitivista” se converteu em “garantista”. O que era “seletivo” se fantasiou de “democrático”.
Renato Soares de Melo Filho é juiz da 3ª Vara Cível da comarca de Fernandópolis (SP). Sem ver grandes perspectivas de mudança no cenário político, ele diz que a tendência (contra a qual torce) é de que “o eleitorado domesticado conduza 2018 a um 2019 com mais do mesmo”.
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A marca de 2017 para o Poder Judiciário foi o descrédito do Supremo Tribunal Federal. E as razões desta constatação são várias.
Dentre elas, temos o regime falido de competências para uma Corte que deveria ser, exclusivamente, constitucional. E os exemplos são diários.
Conforme noticiado aqui no blog neste 27/12, o ministro Luís Roberto Barroso negou seguimento a habeas corpus versando sobre acusação de “embriaguez ao volante e prática de racha que provocaram a morte de três mulheres na Ponte JK, em Brasília, em acidente de trânsito ocorrido em outubro de 2007”.
Vejam, o ministro se debruçou sobre uma decisão (pronúncia) que deu impulso ao processo. Não é seu começo, muito menos o fim. É apenas o meio. Ou melhor, o reflexo do fracassado sistema processual brasileiro, altamente fracionado.
Como se não bastasse, boa parcela destas “frações” podem ser revisadas pelas vastas sobreposições monocráticas e colegiadas de cada instância, em verdadeiro “looping” infinito, num vai e vem processual cujas consequências são ou a impunidade (se o processo é criminal), ou a transmissão da injustiça aos herdeiros (se cível). Inegavelmente, a carga deste marasmo pesa sobre os ombros da última sobreposição, o STF. Mas as razões sistêmicas não são as únicas.
A Suprema Corte não pacifica conflitos, ao contrário, potencializa aqueles que caem no seu colo. Cada ministro atua como se fosse um tribunal, contrariando entendimentos consolidados.
O regime de vistas é um acinte, dadas as razões políticas do seu uso.
Os bate-bocas em plenário –tendo sempre como um de seus protagonistas o mesmo ministro– são um ultraje e deslegitimam a já infantilizada Corte.
A proximidade de certos julgadores com alguns jurisdicionados é um escárnio. A falta de autoridade e a insegurança de sua atual presidente a fragilizariam para comandar qualquer sessão de turma recursal em juizados especiais.
Leia-se, o já conhecido processo de degradação dos Tribunais de Contas chegou ao Supremo Tribunal Federal com toda força. No frigir dos ovos, temos uma Corte ilegítima e juridicamente arruinada –seja por parcela de seus membros, seja pelo sistema já decrépito construído por nossa Constituição de 1988.
É um diagnóstico, porém, renegado pela academia, sobretudo neste 2017.
Muitos se recordam de que, no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, o meio jurídico acadêmico, predominantemente de esquerda, direcionou com vigor suas críticas à chamada “seletividade do sistema penal” (punitivismo alegadamente excessivo contra pobres, negros e pardos em “crimes de sangue”), em oposição à leniência judicial contra os classificados “crimes do colarinho branco”.
Entretanto, recentemente, boa parte dessa mesma academia, hipnotizada ao ver seus ídolos respondendo a processos, pasmem, por “crimes do colarinho branco”, não se fez de rogada ao atacar, de modo virulento, seletivo e bovino, as medidas e instituições voltadas ao combate à corrupção. Inclusive, viu com muita satisfação, por exemplo, o repugnante Decreto presidencial nº 9.246, deste 21/12, que concedeu indulto natalino –-o grande presente de Natal aos corruptos.
Enfim, o que era antes “leniência” se transformou em “ampla defesa”. O que era “punitivista” se converteu em “garantista”. O que era “seletivo” se fantasiou de “democrático”.
E, assim, começamos 2018 sem grandes perspectivas de mudança. Como a depuração do sistema foi irrisória, uma renovação contundente da classe política não passa de mera utopia. A tendência (contra a qual torço) é de que o eleitorado domesticado conduza 2018 a um 2019 com mais do mesmo.