O que esperar depois de um ano de abusos

Frederico Vasconcelos

O promotor de Justiça Roberto Livianu avalia 2017 como um ano dificílimo para a justiça brasileira. E 2018 começa com complexos desafios.

Presidente do “Instituto Não Aceito Corrupção”, ele lista entre os maiores desafios as seguintes questões pendentes: foro privilegiado, acordos de delação premiada, a possibilidade de execução da pena após condenação em segundo grau e a admissibilidade da candidatura de Lula.

A julgar pelos casos de impunidade não julgados, escolhas de ministros suspeitos e comprometidos com irregularidades, leniência em julgamentos relevantes e tentativas de vinganças contra magistrados e membros do Ministério Público que investigam e julgam políticos acusados de corrupção, o ano de 2018, segundo Livianu, promete…

Roberto Livianu atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos do Ministério Público de São Paulo. É doutor Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

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Após o impeachment de Dilma, no final de 08/16, mergulhamos numa grande nuvem de incertezas sobre o que seria do Brasil nos 16 meses de mandato de seu sucessor constitucional, que com um Ministério da estirpe de Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves (ambos presos por corrupção), Elizeu Padilha e Moreira Franco (ambos denunciados criminalmente por formação de quadrilha), logo se perceberiam os novos nortes do Planalto, que não se constrangeu diante do pisoteamento das 10 medidas contra a corrupção em 11/16, nem diante da trama para anistiar o caixa 2 em votação secreta uma semana antes, que só não se consumou diante da grita da sociedade.

Já em janeiro, a tragédia da morte do Ministro Teori Zavascki, levou ao STF em março o então Ministro da Justiça de Temer, Alexandre de Moraes e fez com que se reacendesse a discussão sobre a necessidade de mudança de critérios para a escolha de Ministros do STF, que acabou escolhendo seu braço-direito jurídico no Governo para o cargo.

O assunto é objeto de PECs e fala-se em instituir mandatos assim como em fórmulas desconcentradoras de poder para a escolha dos Ministros, tema que monopolizou durante meses as atenções no país.

Definida esta questão, em junho o TSE pautou o julgamento de chapa Dilma/Temer por abuso de poder econômico, que poderia culminar com a cassação de Temer. Em voto histórico, o Relator Herman Benjamin apresentou conjunto arrebatador de provas contra o Presidente, que em termos racionais deveria determinar a cassação, já que o abuso de poder econômico efetivamente sabota a democracia e desequilibra a disputa eleitoral.

Benjamin foi acompanhado pelos Ministros Fux e Rosa Weber. No entanto, os Ministros Tarcísio e Napoleão, nomeados pelo próprio acusado de abuso poucos meses antes votaram de forma fiel ao nomeante aos quais se juntou o Presidente Gilmar Mendes. O caso ficou conhecido como de inédita absolvição por excesso de provas, expondo a fragilidade do sistema da Justiça Eleitoral em que o fiscalizado escolheu seus julgadores e estes não se consideraram impedidos para o julgamento.

Nesta época já se discutia o PL 280 no Senado que pretendia atualizar a Lei de Abuso de Autoridade. O projeto foi aprovado e está sendo discutido na Câmara tendo com marcas singulares o nítido propósito de vingança contra magistrados e membros do MP, cujas condutas são criminalizadas especialmente e a total impunidade de parlamentares, não punidos em crime algum.

A conduta do Presidente da Alerj de proibir o povo de acessar as galerias na votação do caso dos e Deputados cassados pelo TRF, por exemplo, óbvio e clássico caso de abuso de autoridade, não é punido, nos termos do projeto.

Mas ainda em 2017, Temer conseguiu neutralizar duas denúncias criminais por corrupção e outros crimes, em agosto e outubro, não sendo autorizado o prosseguimento dos processos na Câmara, que viu o sempre Deputado Geddel Vieira Lima ser preso após o encontro de 51 milhões em dinheiro em seu poder, em relação ao qual até hoje não deu qualquer explicação, limitando-se a exigir que se apresente o denunciante do bunker.

Aécio Neves, após ser surpreendido em ligações telefônicas comprometedoras, evidenciando estar envolvido em atos de corrupção, obteve vitória no STF, que decidiu ser do Congresso a última palavra no tema afastamento de parlamentar no exercício do cargo, precedente que foi na sequência invocado absurdamente por várias Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Mas, para fechar o ano ainda viria o novo Diretor da PF, Fernando Segovia, ligado a Sarney e à cúpula do PMDB, que, no discurso de posse enalteceu que uma mala de propina pode não caracterizar propina. E em dezembro, o manifesto pelo empoderamento da sociedade brasileira no combate à corrupção do Instituto Não Aceito Corrupção e o indulto de natal, que pela primeira vez abrangeu condenados por corrupção e crimes do colarinho branco e penas de multa, que nada tem a ver com indulto.

2018 vem chegando com grandes e complexos desafios: a análise sobre o alcance do foro privilegiado, a legitimidade para a celebração dos acordos de delação premiada e principalmente: a reanálise sobre a questão da possibilidade de execução da pena após condenação em segundo grau e a análise jurídica sobre a admissibilidade da candidatura de Lula, réu em sete processos, já condenado a 9 anos e 6 meses e ocupando momentaneamente a liderança nas pesquisas para a presidência da República. 2018 promete.