Juiz suspeito de corrupção será investigado na primeira instância

Frederico Vasconcelos


O ministro Luís Roberto Barroso determinou a remessa à primeira instância da Justiça estadual do Rio Grande do Norte de inquérito instaurado para investigar o juiz José Dantas de Lira. (*)

A competência do STF foi fixada porque mais da metade dos desembargadores do tribunal estadual se declarou suspeita para julgar o caso.

“Manter o investigado sob jurisdição do Supremo, ainda que após a sua aposentadoria compulsória, seria transformar a prerrogativa do cargo em privilégio pessoal, o que não é admitido em um Estado Democrático de Direito, fundado no princípio republicano”, decidiu Barroso.

O inquérito foi instaurado pelo Ministério Público Federal para apurar a suposta prática, pelo investigado, do crime de corrupção passiva (venda de liminares). O juiz teria atuado em causa na qual possui interesse econômico direto. Lira atuava na 1ª Vara Cível da Comarca de Ceará-Mirim, região metropolitana de Natal/RN

Em agosto de 2017, em decisão unânime, o Conselho Nacional de Justiça aposentou compulsoriamente o magistrado, o que levou a Procuradoria-Geral da República a requerer o declínio da competência do Supremo.

O relator do processo no CNJ, conselheiro Gustavo Alkmim, afirmou em seu voto: “Não tenho dúvida de que havia um esquema criminoso, o magistrado tinha consciência do esquema criminoso no qual teve participação direta e dolosa. Essa é a forma mais nefasta que um juiz pode se apresentar à sociedade”, afirmou o relator.

Além do juiz, dois advogados – um deles filho de José Dantas de Lira –, um corretor de empréstimos e um funcionário do tribunal estadual que trabalhava com o magistrado, faziam parte do grupo.

Segundo o CNJ, o esquema funcionava da seguinte forma: o corretor cooptava servidores públicos interessados em fazer empréstimos consignados que ultrapassassem os limites a que teriam direito e indicava o advogado para dar entrada nas ações.

As pessoas eram informadas que, para garantir uma decisão favorável, seria necessário pagar pela liminar. De acordo com relatório do conselheiro Alkmim, o valor pago pelas decisões variava entre R$ 750 e R$ 1,8 mil. Foram identificados na conta do magistrado depósitos não identificados, em espécie, no valor de R$ 43 mil. A data dos pagamentos coincide justamente com a concessão das liminares.

Apesar de os autores das ações serem, em sua maioria, moradores de Natal, as ações eram deslocadas para a comarca de Ceará-Mirim, onde passaram pelo crivo do magistrado.

Quando foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ, Lira já se encontrava afastado das funções por decisão do Supremo, onde também responde a outros processos.

O ministro Barroso determinou que seja anexada cópia da decisão a outros processos, sob sua relatoria, contra o mesmo investigado (Ações Cautelares 3873, 3720, 3721, 4131 e Inquérito 3915).

Em sua decisão, Barroso destacou que o caso veio ao STF por força do artigo 102, inciso I, alínea “n”, da Constituição Federal, segundo o qual compete ao Supremo julgar ação em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados. No entanto, explicou o relator, a aposentadoria compulsória faz cessar essa competência.

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(*) INQ 4071 – Com acréscimo de informações às 08h07