Tribunal de Justiça de SP paga adicional para suprir déficit de juízes

Frederico Vasconcelos

O adiamento da discussão sobre o auxílio-moradia no Supremo Tribunal Federal ofuscou a polêmica em torno de outro mecanismo que há anos engorda os holerites do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Trata-se do pagamento em dinheiro a título de compensação por serviços extraordinários para suprir o déficit de magistrados.

Em agosto do ano passado, do total de 3.393 cargos de juízes e desembargadores no tribunal 863 estavam vagos.

Entre os serviços extraordinários dos juízes de primeiro grau estão a atuação no plantão judiciário; em juizados especiais (nos aeroportos e estádios); em colégios recursais; a prestação de auxílio-sentença; o exercício cumulativo em mais de uma vara e a fiscalização de concursos.

Os desembargadores têm direito aos dias de compensação quando convocados para sessão de julgamento em período de férias ou licença-prêmio.

Em março, o ministro Edson Fachin, do STF, arquivou uma ação em que a Associação dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Assojuris) questionava a legalidade desse pagamento extraordinário com base em resolução interna.

A associação sustenta que a conversão de horas credoras em pecúnia não está prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman, e que não consta do rol do artigo 1º da Resolução nº 133, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a simetria constitucional da magistratura e Ministério Público

Fachin determinou o arquivamento da ação porque, segundo avaliou, o direito pleiteado não é exclusivo da magistratura, e não houve manifestação da maioria dos membros do tribunal.

Em agosto de 2017, o conselheiro Fernando Mattos, do CNJ, rejeitou pedido de providências requerido pela Assojuris, porque a associação ajuizara a ação no STF, onde pretendia obter a declaração de ilegalidade dos pagamentos em pecúnia a título de dias de compensação.

O presidente da Assojuris, Carlos Alberto Marcos, diz lamentar o fato de o CNJ e o STF “não tomarem providências efetivas”, ficando “presos a formalismos”.

“Verdadeiras fortunas pagas aos juízes são retiradas de um único orçamento, de forma meramente administrativa, sem sequer passar pelo crivo do Judiciário, a fim de analisar a legalidade e os valores dos créditos”, diz Marcos.

Prática tradicional

Em 2013, o então presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, informou ao CNJ que “essa prática é muito antiga, tradicional”. “Com ela, torna-se possível que não haja pagamento imediato, mas eventual e, de qualquer forma, bastante posterior à prestação dos serviços excepcionais”.

Sartori considerou a fórmula “extremamente vantajosa”, porque permite o exercício de funções extraordinárias, “reduzindo os efeitos do amplo déficit de magistrados”, sem que seja necessária suplementação orçamentária”.

Os esclarecimentos de Sartori foram prestados ao então conselheiro Emmanoel Campelo, relator de pedido de providências instaurado com base em denúncia anônima. O autor pretendia sustar uma resolução do TJ-SP sobre os pagamentos por dias de compensação.

Campelo entendeu que a resolução “não está em desacordo com os princípios que norteiam a administração pública”. Numa decisão monocrática, julgou improcedente o pedido, “por não haver controle a ser realizado”. Recomendou ao tribunal corrigir o déficit de magistrados, realizando concurso público.

“O magistrado, sobrecarregado com atividades extraordinárias, só pode ter consequências negativas para o desempenho de suas funções, apesar de remunerado pelo trabalho”, ressalvou o conselheiro.

Em 2015, o então presidente José Renato Nalini informou ao CNJ que “o pagamento é legal e legítimo” e que havia autorizado “a extensão do pagamento de indenizações dos funcionários” para “reduzir ainda mais a diferença entre as verbas destinadas a satisfação de créditos dos juízes em relação às devidas aos funcionários”.

Varas sobrecarregadas

Em 2016, o então presidente Paulo Dimas Mascaretti prestou informações complementares ao CNJ. Sustentou que as funções cumulativas são imprescindíveis, sobretudo no Estado de São Paulo, onde “o número de juízes sabidamente é inferior à média nacional”.

“Os colégios recursais –órgãos não dotados de cargos próprios– estariam paralisados caso não houvesse a designação de juízes, que atuam cumulativamente às suas funções ordinárias”, disse.

Segundo Mascaretti, a designação extraordinária de juízes para proferir sentença visa aliviar o excesso de processos que se acumulam em unidades comprovadamente congestionadas.

Nenhuma vantagem é atribuída ao magistrado que atua exclusivamente em processos distribuídos à própria unidade da qual é titular, disse.

Segundo ele, “a possibilidade de conversão em pecúnia de dias extraordinariamente trabalhados e não compensados alcança igualmente os membros do Ministério Público, determinados servidores federais e até mesmo os empregados da iniciativa privada”.

Foram pedidos ao TJ-SP informações e dados sobre valores e número de juízes que receberam por dias de compensação em 2017, e uma avaliação do atual presidente, Manoel Pereira Calças. A corte não se manifestou até o encerramento desta reportagem.

Dívidas da década de 1990

Em 1º de janeiro de 2016, o total da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE) devida aos magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo correspondia a R$ 1,158 bilhão.

Em dezembro de 2017, o montante devido era de R$ 775,9 milhões.

A PAE é uma compensação dada a juízes e desembargadores pelo auxílio-moradia concedido a deputados federais e senadores na década de 1990.

O valor apurado para o período 1º.set.1994 a 31.dez.1997 correspondia a R$ 240,2 milhões. A atualização monetária desse montante ocorreu em janeiro de 2009.

Os pagamentos dessa verba tiveram início em fevereiro de 2010. Naquele mês, o tribunal pagou R$ 10,6 milhões, registrando um saldo atualizado de R$ 1,3 bilhão.

Ou seja, a dívida mais que quintuplicou no período.

Os pagamentos são feitos de acordo com a disponibilidade orçamentária. Os créditos são efetuados em parcelas mensais. A atualização monetária é aplicada aos saldos individuais. Os valores a receber são diferentes entre os credores, pois consideram a situação funcional de cada magistrado.

Não é possível prever o montante final dessa dívida, nem quando ocorrerá o pagamento total.

Essa indefinição talvez explique as diferentes reações à pouca transparência dos pagamentos feitos aos magistrados.

Os juízes entendem que recebem valores previstos em lei e ficam inconformados com as críticas aos chamados supersalários –principalmente quando se atribui ultrapassagem do teto constitucional (R$ 33,7 mil) nos casos em que isso não ocorre. Verbas indenizatórias, como auxílio-moradia e diárias, não contam para fins de teto.

Os dados da folha de pagamento disponíveis nos sites do tribunal e do CNJ não permitem identificar a origem de todos os pagamentos, pois somam –sem especificar cada item —vantagens pessoais, indenizações, vantagens eventuais e gratificações.

A título de exemplo, um juiz com remuneração paradigma de R$ 28,9 mil em dezembro último poderia ter naquele mês –incluindo férias (juiz recebe dois meses por ano) e metade do décimo terceiro salário– um total de créditos (bruto) em torno de R$ 90 mil e rendimento líquido em torno de R$ 45 mil.

No formulário, há o registro de diárias recebidas e de eventuais valores retidos por excederem ao teto remuneratório constitucional.