Regras processuais e embate ideológico

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Manifestação contra o caso Pinheirinho? Eles não entendem nada!!!”, o artigo a seguir é de autoria de Bruno Miano, Juiz de Direito em Mogi das Cruzes (SP). Foi publicado originalmente no site “Judex, Quo Vadis?”

Muitos se esquecem do básico aprendido nas cadeiras da faculdade: o processo, seja civil, penal ou trabalhista, é uma luta democrática. Nele, as partes, com iguais armas, postulam, defendem-se, têm iguais oportunidades e podem fazer provas e contraprovas.

As regras processuais, por isso mesmo, ganham grande importância num Estado Democrático de Direito, onde a dignidade da pessoa humana tem de ser preservada, assim como princípios básicos, como a presunção de não culpabilidade, o contraditório e a ampla defesa.

Dito isso, é preciso entender que, após esse combate civilizado, o juiz decide em prol de alguém. E dessa decisão ainda caberá recurso, indicando que a batalha pode ter sido vencida, mas a guerra ainda não terminou.

Tudo, sempre, dentro dos limites da civilização. Que é preferível à barbárie.

Entretanto, de uns tempos pra cá, alguns profissionais do Direito não têm se contentado com os instrumentos jurídicos postos à disposição da parte. O combate técnico, civilizado, tomou cores ideológicas e, desde então, se o resultado não sai conforme o entendimento do grupo ideológico dominante, a grita é geral.

Não se contentam mais os Advogados e Promotores em recorrer.

Se a sentença determinou a reintegração de posse de uma área considerada invadida, ainda que por centenas de famílias, a grita é contra a violência do Estado, em prol dos pobres e desvalidos que estarão sem moradia.

Se um empresário rico é absolvido, porque a investigação policial está eivada de vícios, nulidades e desrespeitos a direitos que todos temos, a grita é geral, porque somos o país da impunidade, onde só preto, pobre e puta vão para a cadeia.

Não se trata disso. Trata-se de pontuar o seguinte: há regras jurídicas que, desde tempos remotos, substituíram a barbárie, a luta de todos contra todos (prevalecendo o mais forte, até que outro lhe tomasse a vez).

E dentro dessas regras, há respeitos a primados constitucionais básicos, historicamente respeitados em todas as Nações Civilizadas.

Sempre haverá o caminho do recurso para quem estiver descontente, porque errar é humano.

O que está cada vez mais descabido é essa campanha difamatória da OAB, por seu presidente nacional, pretendendo que os magistrados julguem conforme uma cartilha ideológica social-sei-lá-o-quê.

Sim. Agora, sob pretexto de discutir a reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho, o Sindicato dos Advogados fará, no dia 16 de fevereiro, uma manifestação que contará com a presença de sobredita figura, além de outros próceres da área jurídica (AJD, inclusive), e que, pelo visto, até hoje não entenderam para que serve o Direito. Olvidam-se todos que, nesse caso, havia advogados de lado a lado, e uma juíza. Além de um Tribunal. Tudo a dar suporte à decisão. Nada obstante, para esses ‘manifestantes’, estão todos errados. Não leram o processo, as petições e as provas, e já não gostaram da decisão!

Isso é embate ideológico puro!!

Estão dando um tiro no próprio pé, porque as ideologias são passageiras – e só a tentação totalitária permanece, incólume, à espera da autofagia das regras civilizatórias e do descrédito das instituições.

Comentários

  1. É o rebaixamento institucional vem sendo causado em nosso país pela difusão das palavras de ordem de inspiração marxista. Basicamente, os militantes políticos negam legitimidade à lei – resultado do processo democrático – por ser ela o “instrumento de opressão das elites”. A libertação, claro, vem da mente das soluções ditadas unilateralmente pelos iluminados do partido que sabe compreender os anseios da classe explorada. Essa linha de pensamento, de corte autoritário, nega a legitimidade do sistema democrático e da própria jurisdição estatal. Se é natural ouvi-la na boca de militantes radicais e universitários mal-estudados, é chocante encontrá-la nas palavras de juízes que deveriam proteger o povo (penso aqui nos credores trabalhistas da Selecta) dentro das regras criadas pelo regime que os representa.

  2. Qualquer texto básico de sociologia do Direito é capaz de acabar com todas as premissas deste artigo. O próprio Kelsen, na constituição do Direito como ciência, não defendia este ponto de vista expurgado de ideologia (tanto que para ele a questão normativa é num plano deontológico-relacional a favor de uma ideologia). Quer dizer então que, depois de anos de discussões, vamos todos voltar a amar a forma pela forma e o processo pelo processo? Uma decisão jurídica que põe mais de dez mil pessoas na rua é uma decisão justa? Ou direito é só forma e ciência? A questão envolvendo Pinheirinho é altamente política, envolve padrões de justiça sobre os quais não existe acordo direto: um terreno cuja titularidade é de um especulador investigado pela polícia, e do outro lado milhões de miseráveis continuamente humilhados em nossa sociedade. O texto, desnecessário, simplifica a questão, e diz não existir ideologia onde deve-se tomar um partido e assumir uma ideologia. Justiça foi feita… pra quem?

  3. É… Pois é… Há muitos “donos da verdade” por aí, todos cheios de fundamentos e empáfia. Na contramão do texto, outro Juiz prega ponto de vista bem diferente: Juiz Genivaldo Neiva. Muitos criticam com acidez o texto do Juiz Gerivaldo Neiva… E o fazem com o dedo em riste, apontando critérios de legalidade, invocando a segurança jurídica, o Estado Democrático de Direito e outros aspectos panfletários oportunistas…
    Gostaria de sugerir a esses excelsos juristas uma obra básica que todo catedrático de Direito já leu, ou deveria ter lido: “A Luta pelo Direito”, de Rudolf von Ihering.
    Provavelmente não se apressariam em exalar a própria jactância sob a vaidade de comentários que, quando muito, dão polimento ao próprio ego.

    Ainda mais uma vez (de novo e novamente) é bom frisar: a decisão do Judiciário não está em discussão; o que se critica veementemente é a incompetência do Poder Público em dar solução social ao caso mesmo com reiteradas reuniões, projetos, ideias, etc etc etc… Simplesmente não foram tomadas medidas concretas ao longos desses oito anos em que a comunidade se estabeleceu com residências, comércio, igrejas e tudo o mais.

  4. Texto excelente. A luta pelo direito se faz dentro do processo, afinal, se soubéssemos como são feitas as linguiças e os processos… daríamos mais valor aos bons recursos e às boas decisões.

    1. A clareza do texto não encontra adversário, nem os patrulheiros ousam. Parabéns ao Dr. Bruno pela análise verdadeira.

  5. Nenhum jornal impresso de BH publicou, a fsp não publicou, saiu primeiro na CONJUR, MAIS UM DO QUINTO é denunciado, o des. Helcio Valentim era da 5a Câmara Criminal, junto com o Des. Alexandre Carvalho, Ambos do quinto do MP, ambos formados na mesma universidade no ano de 1988 e contra o segundo foi aberto processo administrativo na Corte Superior por apropriação de salário de assessor. Veja a denúncia oferecida pela MPF contra Hélcio Valentim:
    http://www.novojornal.com/politica/noticia/desembargador-cobrava-por-liminares-acusa-mpf-10-02-2012.html

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