Sobre promoções e merecimentos fingidos

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A defesa do indefensável”, o artigo a seguir é de autoria de Danilo Campos, juiz de direito em Montes Claros (MG).

Eu não fiquei surpreso nem perplexo com a defesa do “desembargador” federal aposentado Vladimir Passos de Freitas (em matéria publicada no “Consultor Jurídico“, Reflexos e Consequências no Confronto STF e CNJ – 05/02/2012) “do critério de promoções de desembargadores no TJ-MG”, que disse tratar-se de questão sem importância, justificando-se que a fixação do merecimento é sempre algo subjetivo e que gera polêmica.

Na verdade eu já me acostumei a assistir a contradição explícita de pensamentos que, no Judiciário, mas para o consumo externo, fazem fama de liberais, enquanto internamente…

Veja-se o exemplo do STF, pretenso “guardião da Constituição”, que ao mesmo tempo que inova nas questões civis como a do casamento gay se omite há mais de 20 anos em mandar ao Congresso Nacional o projeto do novo estatuto da magistratura, dando ainda a atual Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), editada no tempo da ditadura, interpretação tão restritiva que permite ainda hoje nos tribunais esdrúxulas eleições sem candidatos – eleições que só fazem homologar o nome dos mais antigos nos postos de direção e que por isso de eleições só têm o nome -, subtraindo desse modo os juízes da participação na gestão do Judiciário, fazendo com isto que este “poder” se mantenha até hoje num sistema quase monárquico, em franca contraposição ao sistema republicano vigente no resto do País.

Também, conforme se viu no já célebre julgamento sobre a amplitude dos poderes do CNJ, entendeu-se perfeitamente conforme a Constituição o tratamento discriminatório aos juízes na questão das penalidades, porque segundo a LOMAN os desembargadores ou ministros são incensuráveis, não se lhes aplicando as penas de advertência e censura, o que redunda no arquivamento da imensa maioria das representações contra os integrantes do andar de cima do Judiciário. Aliás, tem gente no STF que gostaria de legitimar até o julgamento secreto dos pares (processo das catacumbas como qualificou a Ministra Cármem Lúcia).

Mas voltando à questão das promoções, e eu não quero supor nem insinuar que o “desembargador” aposentado esteja justificando sua própria carreira, que aliás segundo a Constituição não lhe daria nunca o direito de usar o título pelo qual ele se qualificou, o fato é que, ao contrário do que ele diz a Constituição, art. 93, II, letra “c”, manda que o merecimento nas promoções dos juízes seja aferido conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.

É evidente, porém, que esta objetividade desejada não é milimétrica, não excluindo inteiramente a subjetividade nas escolhas, o que, entretanto, não autoriza a completa subjetividade, fugindo inteiramente ao razoável, porque na aplicação da lei, de modo geral, há quase sempre uma boa dose de subjetivismo, o que no entanto nunca impossibilitou aos julgadores honestos sobrepor a vontade da lei a sua própria vontade. É por isso, aliás, que dizia o filósofo Aristóteles, há mais de dois mil anos, que quando a lei é clara entrega à honestidade do julgador o cumprimento do restante.

Outro ponto bastante censurável na fala do “desembargador”foi a afirmativa da falta de gravidade dos fatos, pelo que tomo a liberdade de lhe recomendar a leitura de um clássico, o Sermão da Primeira Dominga do Advento, do Padre Vieira, onde, tratando-se do que o autor chamou de “merecimentos fingidos” disse que as consequências de um voto injusto num tribunal ou conselho são infinitas: “Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota no amigo, porque é amigo; vota no recomendado, porque é recomendado; e os mais dignos e os mais beneméritos, porque não têm amizade, nem parentesco, nem valia ficam de fora”.

Deste modo, e porque no caso das promoções mineiras os seus beneficiários são na imensa maioria dos casos parentes dos desembargadores ou dirigentes associativos (critérios objetivos não contemplados pela Constituição), não resta dúvida, dada a clareza da Constituição (lei maior), acerca dos desvio dos critérios, pelo que me é dado finalizar lembrando Rousseau, para quem o grande problema em política é fazer sobrepor a vontade da lei à vontade dos homens e Bertold Brecht, que disse que alguns juízes são absolutamente incorruptíveis: ninguém consegue induzi-los a fazer justiça.

Comentários

  1. Caros comentaristas Joaquim e Dimas, realmente o texto peca em seu aspecto formal, porque, além das próprias limitações do autor, foi escrito rapidamente. Mas quanto a substância penso não há como negar a sua propriedade.

  2. Caro colega Danilo, faço minhas as suas palavras. Espero ansiosa para que chegue o dia em que as nossas promoções de fato observem critérios de produtividade, eficiência, probidade e não de apadrinhamentos, politicagem, etc. Estou farta de tanta hipocrisia

  3. O artigo do magistrado Danilo Campos é a explicitação clara e lógica do que ocorre não só em Minas, mas nos demais Tribunais. Todavia, aqui nessas, terras gerais, há um fato incontestável, qual seja o de que algusn desembargadores levaram à Corte os que lhe interessavam que ali chegassem, sendo notório o desmerecimento de alguns OU ATÉ MESMO DE ALGUMAS DESEMBARGADORAS QUE ALI TÊM ASSENTO, por serem esposa ou filha de esposo ou de pai desembargador, respectivamente. Tais magistradas seguiram carreira meteórica, sempre lotadas em comarcas privilegiadas e em varas convenientes. Sobeja razão, então, ao ilustre magistrado, dr. danilo campos, que não conheço pessoalmente, mas que um dia terei esse prazer, de se indignar com tamanhos desmandos. Não só ele, pois sei que há centenas de outros que comungam e professam suas palavras. SÃO VERDADEIRAS AS SUAS AFIRMATIVAS, LOGO PERENES.

  4. Desanime não, Danilo Campos, vc é um trincheira da democracia e voz da mudança. vez que sempre horrou a toga que veste. O texto ficou brilhante.

  5. Prezado Dr. Danilo Campos, parabens, pelo belo, corajoso e verdadeiro artigo da sua lavra. A verdade é essa, mas, tem muito mais coisa por debaixo dessa sujeira toda. Esperamos que o CNJ honre o nome, honre o imenso apoio popular e anule essas malsinadas promoções doa a quem doer, atinja a quem tem que atinjir, mas que faça justiça, e não venha com direito adquirido, segurança juridica, fato consumado, porque de atos nulos não ressai esses direitos. Grande abraço.

  6. Se o Padre Vieira ja’ discorria sobre o tema, da’-se uma ideia da origem e idade de alguns de nossos problemas.

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