Operação em Goiás e controle das polícias

Frederico Vasconcelos

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) distribuiu informativo em que o presidente da entidade, Alexandre Camanho, cita a Operação Monte Carlo, em Goiás, como resultado do controle externo da atividade policial e do poder de investigação do Ministério Público.

Segundo a ANPR, a combinação dessas duas prerrogativas levou hoje à desarticulação de uma organização criminosa que agia há 17 anos na exploração de máquinas caça-níqueis.

Durante toda a investigação, que durou cerca de 15 meses e foi feita em conjunto com a Polícia Federal, foram identificados como integrantes do grupo criminoso agentes infiltrados na área de segurança pública, como delegados de polícia.

Para Camanho, a operação expõe a real necessidade de se manter as prerrogativas do Ministério Público, frequentemente contestadas no Congresso Nacional.

“Quando as organizações criminosas conseguem se infiltrar nas estranhas das instituições policiais, o controle externo se torna imprescindível, sob pena de ver o Estado brasileiro subjugado aos desmandos de delinquentes e corruptos”, afirma.

O controle externo da atividade policial é uma atribuição prevista na Constituição Federal e existem coordenações de controle externo na Procuradoria Geral da República e em todos os estados do Brasil.   O poder de investigação do Ministério Público atualmente se encontra ameaçado pela Proposta de Emenda à Constituição 37, em tramitação na Câmara dos Deputados. Pelo texto da PEC, a competência para investigação criminal ficaria apenas nas mãos da Polícia Judiciária – composta pelas polícias federal e civil dos estados e do Distrito Federal.

A operação realizada nesta quarta-feira resultou na prisão de Carlos Cachoeira, explorador do setor de jogos e suposto chefe da quadrilha, dois delegados de Polícia Federal de Goiânia, seis delegados da Polícia Civil de Goiás, três tenentes-coronéis, um capitão, um major, dois sargentos, quatro cabos e 18 soldados da Polícia Militar de Goiás; um auxiliar administrativo da Polícia Federal em Brasília; um policial rodoviário federal, um agente da polícia civil de Goiás e um agente da polícia civil de Brasília; um sargento da Polícia Militar de Brasília, um servidor da Polícia Civil de Goiás, e um servidor da Justiça estadual de Valparaíso de Goiás.

De acordo com o MPF, o faturamento líquido de uma das casas fechadas foi de mais de R$ 3 milhões no período de seis meses. Na operação, foram fechadas quatro casas de jogos de azar em Valparaíso e duas em Goiânia. A Operação Monte Carlo apreendeu quase 200 máquinas.

“O grupo foi constituído e se especializando, ao longo do tempo, com clara estrutura empresarial voltada para fomentar, manter, estimular de forma cartelizada, um lucrativo mercado de exploração ilícita de jogos de azar. Vislumbra-se uma estrutura organizacional e piramidal complexa, com funções bem definidas na estrutura empresarial. A sua existência por mais de uma década foi suficiente para montar e organizar uma estrutura estável e entranhada no seio do Estado, com, inclusive, a distribuição centralizada de meios de comunicação para o desenvolvimento das atividades, com o objetivo de inviabilizar a interferência das agências sérias de persecução” enfatizam os procuradores da República Daniel de Resende Salgado, Lea Batista de Oliveira e Marcelo Ribeiro de Oliveira, responsáveis pelo caso.

Obs. – Texto ampliado às 18h16

 

Comentários

  1. Olha, no que toca aos post acima tenho a dizer que a matéria dá a impressão de que TODOS os policiais civis e federais são corruptos, e, quando não são fiscalizados pelo MP, têm tendência a se tornarem corruptos.
    Ao meu ver, os casos de corrupção na Polícia deveriam ser investigados na Corregedoria da Polícia, mas aí entramos em outra discussão, qual seja: como deve ser formada essa corregedoria.
    Na verdade, e isso não é coisa nova, os Delegados de Polícia há tempo defendem que tal qual como ocorre no Judiciário e no MP, os Chefes de Polícia sejam eleitos pelos seus pares, o que de certo modo dificultaria a formação daquilo que se denomina corrupção institucional, precipuamente por que quase sempre as indicações feitas pelo Chefe do Poder Executivo têm escolhas de pessoas que estão atreladas aos “Donos do Poder”, e este filme nos já assistimos o seu desenrolar. Essa mesma proposta engloba a instituição de uma Corregedoria legalmente autônoma. É evidente que os casos comprovados de abuso ou corrupção devem ser encaminhados ao MP e ao Judiciário que é o desaguadouro normal deste tipo de incidente. Desculpem-me à franqueza, mas essa história de que a Polícia não têm condições de cortar a própria carne é história pra boi dormir. Aliás, qual órgão no Brasil, efetivamente corta da própria carne? O MP? O Judiciário? É evidente que não, não é?! E podemos citar, dentre outros, os casos dos Bandarras da vida (há vários membros do MP envolvidos em crime organizado, e para isso é só buscar no google), e mesmo, dos diversos juízes e desembargadores envolvidos no crime organizado, onde o MP e Judiciário, que contam com Corregedorias próprias e com Conselhos Nacionais não conseguiram identificar estes casos de corrupção, e, muitos deles receberam como punição a……………aposentadoria.
    Então, essa história de que a Polícia não tem condições de se auto investigar é uma mentira contada diversas vezes que se tornou uma “verdade”, e quem tenta desdizer isto é taxado de herético.
    Portanto, o poder de investigação do MP não tem nada haver com o assunto em lume, mas sim na busca dos membros do MP pelo poder.
    Na verdade, a meu ver, os grandes entraves sobre a possibilidade do MP poder investigar se encontra nos seguintes termos: a) Como a investigação efetuada pelo MP é seletiva, vale dizer, num oceano de ilicitudes, o MP investiga somente aquilo que ele quer tal pretensão na verdade macula o princípio da impessoalidade; b) O MP também não pode investigar, por que a sua atuação na investigação impossibilitaria que o órgão efetuasse a denúncia consequente da investigação, ou seja, a investigação contaminaria uma futura atuação do MP pela suspeição; A visão moderna e constitucional do processo penal não vislumbra mais o MP como o único recebedor da investigação. A investigação não é mais unipessoal, e a defesa também deve ter acesso a produzir provas no desenrolar da investigação.
    Assim, já está mais do que na hora de se conceder aos Delegados de Polícia garantias para o seu atuar, tais como a inamovibilidade, que inviabilizaria à retirada do Delegado da investigação, quer seja pelo artifício da promoção, quer seja mesmo, pelo retirada à força, como aconteceu em uma famosa operação realizada pela Polícia Federal; E c) O MP não pode investigar, por que a Constituição atualmente não lhe permite tal mister, segundo se pode averiguar no excelente artigo escrito pelo Mestre Constitucionalista José Afonso da Silva.

  2. Excelente o debate entre o Dr. Danilo e o promotor. Quanto ao tema do post, uma coisa é o controle externo do MP sobre a Polícia e outra, totalmente diferente, é o poder de investigar. Tema interessante.

  3. Infelizmente está faltando o efetivo controle do MP. Este deixa de fazer denúncias, pede arquivamentos de IP e nada pode ser feito. Uma tragédia. Deveria ser mudado, deixando tais tarefas nas mãos do Judiciário ou de um órgão bi ou tripartite.

  4. Na Comarca de Diamantina/MG, o exercício da atribuição de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público levou, no fim de 2011, à condenação de uma delegada regional da Polícia Civil a 7 anos e 8 meses de reclusão pela prática de corrupção, falsidade ideológica, estelionato e coação no curso do processo. Retirar do MP o controle externo da atividade policial significará absoluta impunidade para os maus policiais.

    1. Caro Dr. Adriano, já que o senhor comentou publicamente o resultado até agora desse processo, tomo a liberdade de lhe indagar se no curso da instrução ficou cabalmente comprovado o enriquecimento da delegada, que aqui em Montes Claros goza de excelente reputação. A pergunta faz sentido porque aqui mesmo neste blog foi noticiada anteriormente condenação da ex-prefeita de SP, Luíza Erundina, o que deixou muita gente consternada em face da severidade da sanção imposta por fatos que entendemos como meras irregularidades, enquanto crimes gravíssimos, todos sabemos, não encontram nenhuma punição. Parece-me que nossas instituições, tão omissas na grande maioria das vezes, em outras cede ao impulso de salvar as aparências e crucifica por pequenos delitos. Oxalá neste caso eu esteja errado.

      1. Caro Dr. Danilo, não há problema em se comentar publicamente o resultado do processo em questão, uma vez que ele não está submetido a sigilo. Quero crer que nós concordamos que o processo penal não se ocupa de “reputações”, mas apenas de fatos. O senhor me pergunta se houve prova “cabal” do enriquecimento ilícito. Eu respondo que, para mim, a prova era cabal; para a defesa, ela foi insuficiente. Para o juiz, foi segura o bastante para alicerçar a condenação. Quanto à insinuação de que as condutas apuradas constituem “meras irregularidades” ou “pequenos delitos”, caso seja de seu interesse, me prontifico a remeter-lhe cópia da denúncia em formato eletrônico para sua melhor avaliação, pois receio que o senhor ainda não a tenha lido. Porém, posso desde já tranquilizá-lo, uma vez que não houve crucifixão de ninguém, mas tão-somente a aplicação de pena privativa de liberdade prevista em lei, após regular processo judicial em que foram observados o contraditório e a ampla defesa.

        1. Caro Dr Adriano, ficarei grato se o senhor puder enviar-me a cópia desta denúncia e quem sabe até da sentença, pq a só afirmação da regularidade do processo não me conforta, já que sabemos pelo brocardo latino “summum jus, summa injuria” que o exercício do direito em excesso gera injustiça também excessiva. Assim, uma justiça muito rigorosa e sem análise do contexto parece-me ofender o princípio aristotélico que diz que a virtude é sempre encontrada no meio termo. Desculpe-me o pessimismo, mas eu não pude evitar a surpresa ao deparar-me com a notícia da exemplação de uma delegada de boa reputação quando os notórios corruptos não são sequer incomodados. Também, conhecendo o sistema judicial como conheço, é inevitável esta desconfiança e a impressão recorrente de que o sistema sobrevive às custas de se levar ao altar do sacrifício, de vez em quando, os pequenos delinguentes e que quase sempre ficamos a balançar entre a omissão completa da maioria e o excessivo voluntarismo de outros. Mas saiba que entre os omissos e os que erram por agir eu ficarei sempre com estes. Um abraço. Meu e-mail é daniloc@uai.com.br.

          1. Prezado Dr. Danilo, acabei de lhe remeter o arquivo, conforme solicitado. Ainda a respeito das colocações alusivas às “meras irregularidades” e aos “pequenos delitos”, devo confessar a minha dificuldade em enxergar criminosos pelo tamanho (P, M ou G). E essa dificuldade se torna uma autêntica impossibilidade quando o criminoso se traveste de autoridade pública. Quanto à impunidade dos notórios corruptos, creio que boa parte disso se deve à “reputação” de que eles gozam em meio a setores privilegiados da sociedade – daí o problema de se considerar as reputações em sede de processo penal. Sem contar algumas decisões judiciais, digamos, heterodoxas. De todo modo, para não me estender mais do que o desejável, considero que seria bastante apreciável que o senhor, após um melhor esclarecimento obtido mediante a leitura da denúncia, novamente opinasse acerca da gravidade dos fatos (ao menos em tese, pois as provas colhidas, dado o volume e o meio físico em que se encontram, não terei condições de lhe remeter). No que tange à sentença condenatória, infelizmente não a possuo em meio eletrônico. Saudações.

          2. Caro Dr Adriano, como o blog não abriu dessa vez a opção responder junto ao seu post, respondo-o no espaço destinado à resposta ao meu comentário anterior. Assim, após a leitura atenta da denúncia, mas sem saber se ficou apurado no processo o efetivo enriquecimento da denunciada, não posso opinar sobre os fatos, ainda mais tendo em vista as restrições impostas pela minha profissão e o fato de que o meu objetivo nesta discussão é outro, é trazer a debate a seletividade da atuação do sistema judicial como um todo e o o consequente desequilibrio da balança da justiça. Em verdade, caro promotor, não posso concordar com o senhor na suposição de que talvez o problema decorra somente do Judiciário e suas decisões “heterodoxas”. A propósito, desde 2004, eu enviei cópias de documentos ao MP comprovando o enriquecimento estratósférico de um prefeito, que cresceu seu patrimônio de pouco mais de 200 mil reais para 39 milhões em apenas 4 anos, bens estes declarados a Justiça Eleitoral mas sonegados ao Imposto de Renda e registrados em cartório em nome de laranjas. Entretanto, passado tanto tempo e apesar dos documentos serem incontestáveis, o prefeito e seus laranjas até hoje sequer foram denunciados. Também tome-se como exemplo o caso de um conhecido senador e ex-dirigente esportivo, muitas vezes milionário, mas que em suas declarações de bens é mais pobre que qualquer um de nós. Qdo será que o MP concluirá as investigações do caso? Assim, eu permaneço com a minha convicção de que uma justiça muito exemplar mas fora do contexto não serve aos melhores propósitos da justiça.

          3. Prezado Dr. Danilo, o blog também não abriu a opção de responder ao seu último comentário, de modo que estou escrevendo como se estivesse respondendo ao anterior. Salvo melhor juízo, não existe nenhuma proibição de que um juiz comente fatos criminosos em tese. Assim, nada lhe impede de comentar a gravidade dos crimes de corrupção, falsidade ideológica, estelionato e coação no curso do processo. Desde que, é claro, isso seja de seu interesse. Friso, por derradeiro, que, embora o foco tenha sido um pouco desviado, meu interesse era (e é) o de enaltecer a importância – para o Estado brasileiro e para a sociedade – de se manter com o Ministério Público a atribuição de realizar o controle externo da polícia. Direcionamos um pouco o assunto para o caso concreto em razão das dúvidas levantadas pelo senhor – as quais, creio, estão satisfatoriamente respondidas.

          4. Dr Adriano, eu pretendia dar por encerrado o nosso debate, para não parecer deselegante criticando o trabalho alheio, pq sei que o MP na sua pessoa está apenas tentando cumprir o seu papel. Mas se o senhor insiste obter minha opinião sobre a gravidade das imputações eu tenho ainda uma coisa a lhe dizer. Se este país fosse realmente um país sério, se vivêssemos num cenário ideal, eu não tenho dúvida que os fatos seriam graves. Mas aqui, onde os policiais são submetidos pelo governo a um estado de quase penúria, à contingência muitas vezes de trocar gasolina por uma lata de tinta para pintar uma delegacia, ou p/ obter folha de papel para poder realizar o serviço, eu temo que, sem a apuração pelo menos dos sinais exteriores de riqueza, da movimentação financeira, do aumento patrimonial enfim, a Justiça possa estar produzindo apenas mais um bode expiatório. Assim, eu quero que o senhor compreenda que eu não pretendi criticar-lhe o trabalho e que apenas não pude conter minha surpresa ao deparar-me com a notícia de uma condenação tão rigorosa recaindo em pessoa sobre a qual eu nunca ouvira nenhum comentário desabonador, enquanto notórios corruptos se exibem completamente impunes e intocáveis. Mas queira Deus que eu esteja errado e que a atuação do MP neste caso não seja em nenhum aspecto comparável com aquela noticiada há tempos atrás aqui neste blog, onde outro promotor tentava a condenação de um prefeito que teria sido flagrado por adversários entrando no motel com o carro da prefeitura. Se fôssemos caçar corruptos a partir de fatos como este acho que seria melhor a gente começar por varrer dentro de casa, pq veja o senhor quantos pagamentos indevidos são as vezes necessários para se eleger um Procurador Geral de Justiça ou um presidente de Tribunal. Se o senhor me permite ainda mais uma opinião, eu acho que a equidade é o tempero de uma boa justiça. De nada adianta um prato muito bem preparado mas sem tempero. O rigor da lei também exige temperamentos. Felicidades!

          5. Prezado Dr. Danilo, discordo do entendimento de que a “penúria” a que o governo submete os policiais constitua uma franquia para que estes sejam corruptos. Até porque, mesmo com essa situação de “penúria”, há um número considerável de bons policiais que não se corrompem. É preciso, portanto, distinguir uns dos outos. Esteja sempre à vontade para criticar os trabalhos de todas as instituições – inclusive do MP, que, eventualmente, vem a oficiar por meu intermédio. Isso é próprio da democracia. De resto, desejo-lhe também felicidades e faço votos de que o senhor seja sempre um esmerado “chef” da gastronomia judiciária.

  5. Essa grande operação – e seus resultados incontestáveis – mostra a necessidade de preservação do poder investigatório do Ministério Público, assim como a necessidade de aprofundamento do controle externo das polícias. Melhor ainda é observar que a PF, por seus bons quadros, participou da operação. O fato de dois delegados da PF terem sido presos é outro motivo a comemorar pela PF já que expurga maus elementos.
    Por fim, a operação mostra o poder deletério do jogo – causador de corrupção de agentes do Estado, além dos prejuízos aos que nele se viciam.

Comments are closed.