Juiz repudia críticas de Gilmar ao 1º grau

Frederico Vasconcelos

Magistrado gaúcho aponta morosidade do STF e benevolência com autoridades

Sob o título “A Justiça de primeiro grau funciona sim, Ministro Gilmar Mendes”, o artigo a seguir é de autoria de Pedro Luiz Pozza, juiz de direito no Estado do Rio Grande do Sul (*). O texto, publicado originalmente no blog do magistrado (**), é reproduzido com sua autorização.

As palavras do Ministro Gilmar Mendes, do STF, durante manifestação acerca do foro privilegiado para autoridades, no sentido de que a justiça de primeira instância não funciona, devem ser repudiadas de forma veemente.

Infelizmente, tem sido comum que altas autoridades do Poder Judiciário critiquem os juízes de primeiro e segundo grau, sendo essa, aliás, uma das maiores justificativas pelos quais defendem uma atuação ampla do Conselho Nacional de Justiça.

Os próprios juízes brasileiros reconhecem que a justiça não funciona como deveria. Isso, entretanto, não é culpa dos magistrados, salvo exceções, não sendo esses vagabundos, como sustenta sem dar os nomes, a ministra Eliana Calmon, Corregedora do CNJ. Ao contrário, a maioria trabalha, e muito.

Ademais, não tem o STF moral para criticar a justiça de primeiro grau, quando são aos milhares os processos que tramitam na mais alta Corte brasileira que duram vinte, trinta, quarenta anos, e alguns até mais.

Basta ver as pautas divulgadas pelo STF para suas sessões plenárias. Na sessão de 01 de março, por exemplo, um dos processos pautados (Ação Cível Originária nº 79) tem mais de 50 anos de tramitação (foi ajuizada em 17.06.1959), e ainda assim não foi julgado.

Outro processo – ADI 807, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, foi ajuizado em 24.11.1992. E ainda assim o julgamento não foi concluído, pois a Ministra Rosa Weber pediu vista.

O próprio Ministro Gilmar Mendes é relator de uma ADI (nº 803) que foi ajuizada em 26.11.1992, e até hoje não foi colocada em pauta.

Além disso, o STF é extremamente benevolente com as autoridades que têm foro privilegiado, pois até hoje poucos foram os parlamentares condenados por crimes cometidos. E quando há condenação, no mais das vezes as penas estão fulminadas pela prescrição.

Bastaria que o STF fosse mais rigoroso com os detentores de foro privilegiado, condenando rapidamente aqueles que realmente devem ser punidos, que os próprios parlamentares mudariam a Constituição para extinguir essa excrecência jurídica, pois ao menos teriam mais chances se processados pela justiça de primeiro grau, que como disse o Ministro Gilmar, não funciona.

Lógico, o STF, quando quer, é extremamente rápido, especialmente quando seus julgamentos são de interesse da opinião pública, e dão audiência na TV Justiça, como  ocorreu com a decisão sobre as uniões homoafetivas, Lei da Ficha Limpa, etc.

Também foi extremamente rápido o STF para julgar (e arquivar, obviamente), as ações de improbidade em que era réu o próprio Ministro Gilmar Mendes, por ocasião de sua ascensão à Presidência da Corte, e que diziam respeito a atos praticados por ele quando à testa da Advocacia-Geral da União.

Dessas ações, aliás, nem registro há no site do STF, devendo estar ao abrigo do segredo de justiça.

Infelizmente, basta assistir a uma sessão do plenário do STF para verificar que ali o que mais impera, é a vaidade, salvo honrosas exceções, pois a despeito de os Ministros estarem de acordo com o voto do Relator, concluindo de imediato o julgamento, ficam a tecer longas considerações sobre seus posicionamentos, com isso desperdiçando um tempo precioso que poderia ser dedicado ao julgamento dos milhares de outros processos que esperam por decisão nos escaninhos de seus gabinetes.

Triste que essas críticas generalizadas ao Poder Judiciário vêm de que não tem experiência para fazê-las.

Lamentavelmente, a maioria dos que chegam à mais alta Corte de Justiça do país não são juízes de carreira, e que nunca tiveram de trabalhar sem qualquer estrutura, sem assessoria, sem computadores, etc., como faz a grande maioria dos juízes brasileiros no primeiro grau, cuja estrutura, salvo exceções, ainda é a do século XIX (nem ao menos chegamos ao século XX em alguns rincões deste país).

É muito fácil a quem nunca foi juiz de carreira, que nunca enfrentou as grandes dificuldades que enfrentam os verdadeiros heróis do Poder Judiciário, falar mal do desempenho da justiça de primeiro grau.

Portanto, Senhor Ministro Gilmar Mendes, respeite os juízes brasileiros.

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(*) Juiz de direito no Estado do Rio Grande do Sul, professor da Escola Superior de Magistratura da AJURIS (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) e com Doutorado em Processo Civil pela UFRGS. É autor de diversas obras e artigos relacionados à área jurídica.
 
(**) http://pedropozza.wordpress.com/

Comentários

    1. A mesma coisa se diga do STF que tem processos com cerca de 50 anos para julgar, mas, ah, esqueci, o CNJ não se aplica ao STJ e ao STF…entendi !!!

      O senhor sabe qual a relação existente no Brasil de números de jurisdicionados para cada juiz ? Sabe qual a recomendação da OMS ?

  1. Excelente artigo do corajoso juiz.
    E falando em processos judiciais que demoram décadas para terminar, será que terminou aquele que seria o mais antigo em trâmite no Brasil, iniciado em 1895 pela Princesa Isabel e pelo seu marido, o Conde D’eu reivindicando a propriedade do Palácio Guanabara, que era patrimônio deles e fora confiscado pelo governo provisório republicano? Seus herdeiros tinham dado novo impulso ao processo em 1955 e em 2004 ainda estava no escaninho de alguma vara da justiça estadual ou federal.

  2. Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Infelizmente, estamos em um país em que: PREVALECE a EXCEÇÃO ao invés da regra. O mais escabroso é: Liberar a bebida alcoólica nos ESTÁDIOS. Isso é, um tapa na CARA, de nós brasileiros/as. Os do congresso nacional, TRAIRAM os brasileiros/as, pois, jogaram no LIXO todos os esforços em minimizar os CRIMES praticados pelos, bêbados, alcoolizados e embriagados. Neste país VENCE o dinheiro e a CORRUPÇÃO. O resto é RESTO HUMANO. E com a enganação: cnj, ficha limpa, lei antifumo, e, a gozação das leis anti-bebida alcoólica no transito, imaginem, o cidadão sai BEBADO, ALCOOLIZADO ou EMBRIAGADO do ESTÁDIO de futebol e vai MATAR gente no transito. A indústria de Bebidas alcoólicas AGRADECE, deveriam enviar caixões aos ESTÁDIOS. Como protesto, devemos votar NULO, anulando os VOTOS em 2012. Talvez assim, possamos trocar esses lixos existentes no legislativo brasileiro, municipal, estadual e federal. Vendem o BRASIL barato e, às custas da vida dos brasileiros. Liberar bebida alcoólica nos Estádios é um CRIME. O Código Florestal ou RURAL ou no nome que se der a essa TRANQUEIRA, vai fazer os preços da água e dos alimentos subirem violentamente. E vai tornar o BRASIL um país com grandes chances de mais catástrofes naturais. As distâncias pequenas estabelecidas nas margens dos rios vão POLUIR os rios, as nascentes e, comprometerão sua saúde. Como se vê: Estamos nas mãos de INCONSEQUENTES. E todos, vamos PERDER! O próprio clima sofrerá com alterações nos regimes dos ventos. Vai ser um desastre! Entretanto, como tenho perdido sempre, nos argumentos, vale apenas como alerta e, registro de OPINIÃO! E, o Gilmar Mendes ERROU MESMO. E o JUÍZ que argumenta acima o faz com responsabilidade e traduzindo a realidade. Entretanto, quem vai perder em qualidade na prestação jurisdicional será o POVO, e a própria MÍDIA que parece não perceber que a CENSURA se aproxima. E a culpa será dela: MÍDIA! E ao contrário, minha previsão é de retração para 2012. De qualquer maneira fica como OPINIÃO por conferir! E, PARABÉNS ao JUÍZ, Pedro Luiz Pozza do RGS. Boa observação! OPINIÃO!

  3. Parabéns amigo Juiz é realmente lamentável que um homem como Gilmar Mendes é o mais odiado juiz por parte de todos amigos e conhecidos meus. E certamente também não tem a minha afeição. Como disse o amigo juiz acima, basta assistir o STF ao ver e ver a arrogância e vaidade com que se porta esse homem. Na discussão entre ele e Min. Joaquim, com certeza todo o pais ficou do lado do Ministro Joaquim quando disse: ” O senhor me respeita Min. Gilmar, porque o senhor não está falando com seus capangas, o senhor não moral alguma para me dirigir a palavra e está destruindo a imagem do judiciário brasileiro”….. assino em baixo.
    Amigo Juiz Pedro Luiz Pozza, Parabéns pelo artigo o ministro Gilmar precisa se enxergar. São os meus votos de cidadão e aluno de Direito.

  4. Nenhum candidato ao cargo de juiz passaria num concurso se tivesse uma ação de improbidade nas costas, pois seeria degolado, com razão, nas investigações quanto a sua vida pregressa que os tribunais fazem. Por outro lado, alguns podem chegar ao STF com este curriculum.

    1. Então quer dizer que dá para levar a sério o outro em que o autor se acha o dono da verdade ?

  5. ENTENDO O DESABAFO DO ILUSTRE ARTICULISTA. TODAVIA, SUGIRO A TODOS QUE ACESSEM A TV JUSTIÇA E OUÇAM O CONTEXTO DA FALA DO JUIZ GILMAR MENDES. PODE SER QUE NÃO TENHA HAVIDO A CONOTAÇÃO DE MENOSPREZO AOS MAGISTRADOS DA PRIMEIRA INSTÂNCIA. ACHO QUE O MINISTRO DISSE, EM DETERMINADO MOMENTO, PALAVRAS EM DEFESA DA MAGISTRATURA, NOTADAMENTE QUANDO FEZ VELADAS CRÍTICAS A FALTA DE ESTRUTURA NOS RINCÕES. Posso estar enganado, mas isso foi o que entendi.

  6. Só espero que ninguem venha querer punir o colega pelo que falou. Concordo com o que foi dito pelo nobre colega, e o parabenizo pela coragem de rebater a infeliz fala do Min.G.M. Quem está na linha de frente, tendo contato com presos, familias de presos, vitimas, maes desesperadas, sao os juizes de primeiro grau, que nao tem um decimo da estrutura de que dispoe os Min. do STF. Espero que a população brasileira perceba os esforços que estao sendo feitos para desacreditar e acovardar os juizes de primeiro grau.

  7. Embora sejamos admiradores das obras do Ministro Gilmar Mendes, o artigo do ilustre juiz de direito é excelente e representa o pensamento de milhares de magistrados e membros do MP que atuam nas instâncias iniciais, onde as audiências ocorrem com ou sem ventilador; com ou sem computadores; com escreventes adoentados. etc.

  8. Ao que parece, o magistrado em questão pensa que é corregedor do Supremo Tribunal Federal. Está redondamente enganado. Não é corregedor de ninguém. Não sei em que contexto o Min. Gilmar Mendes fez essa afirmação, mas se foi em voto ou nos debates em plenário, então o magistrado não pode sequer tecer comentários, visto aos juízes é vedado tecer críticas públicas a decisões de outros magistrados (sim, o Min. Gilmar Mendes também é um magistrado) ou sobre processos pendentes de julgamento (art. 36, III, da LOMAN). Só faltava essa agora, juiz de primeiro grau dando “pito” na Suprema Corte.

    1. Antes de ser juiz, trata-se de um cidadão. E, como tal, tem direito à crítica (ainda vivemos numa democracia, em que a liberdade de expressão é regra). A LOMAN, resquício da época da ditadura (como a Lei de Imprensa), precisa ser revista nesse ponto (e em muitos outros). E, felizmente, existe uma imprensa livre nesse país para dar seus “pitos” à vontade aos magistrados em geral – ainda que estes se arvorem na condição de intocáveis e irrepreensíveis. Já passamos, e muito, da época em que se considerava que o Estado não erra.

    2. Você não sabe nada mesmo, mas mesmo assim fica dando pitaco. Vê se se informa melhor, rapaz. Para a sua informação não foi em voto ou em debate em plenário, que você nem deve saber o que é. Quanto ao artigo, parabéns ao seu autor, que soube com elegãncia rebater a infeliz afirmação do Sr. Ministro, que não tem ideia do que é ser JUIZ.

      1. Prezado Diogo, mantendo integralmente o que disse acima. É no mínimo falta de ética um magistrado criticar publicamente outro magistrado. Esse tipo de conduta em nada contribui para o prestígio da magistratura.

  9. Concordo inteiramente com o artigo do magistrado. Na realidade, o ministro Gilmar gosta de vir aos holofotes para dar seus ‘pitacos’. Vive atacando a polícia federal, o Ministério Público e agora quer responsabilizar a primeira instância do PJ pelas críticas sofridas pelo referido poder. O Dr. Pedro Pozza foi ao ponto – não há orgão do PJ mais moroso do que o STF. E a boa vontade com os réus dos processos oríginários da Corte é enorme. E o ministro Gilmar está sempre entre os mais benevolentes…

  10. Quem nunca viveu as dificuldades da magistratura de primeiro grau não poderia tecer comentários depreciativos em relação à ela. O Dr. Gilmar Mendes não é, nunca foi e nunca será Juiz, embora “esteja” Ministro do Supremo.

  11. O autor do artigo foi corajoso e realista. Se os membros do CNJ e do STF podem, os magistrados de primeiro grau também podem, publicamente, “falar a verdade”.

  12. Ei aí uma manifestação elegante e firme. Errou mesmo o sr. Gilmar. A justiça de primeiro grau é, ainda, a guardiã maior do PJ. Parabéns ao articulista.

    1. Vou me redimir nesse comentário, apneas no tocante ao dizer que “Errou mesmo o sr. Gilmar.” É que escutei, em reprise, toda a sua fala acerca dessa questão. O que ele disse, resumindo, foi que 1) a justição de primeiro grau é inoperante por faltar estrutura digna para o exercício de um trabalho eficiente. Verdade incontestável. 2) Não se deve modificar o foro privilegiadao, pois que o juiz de primeiro grau estaria susjeito a pressões políticas e ingerência dos seus pares, esses nos tribunais locais. Afirmativa que deve ser discutida. FAÇÃO ENTÃO MINHA “MEA CULPA” E SUGIRO A TODOS COMENTARISTAS OUVUREM, EM SEU INTEIRO TEOR, AS AFIRMATIVAS DO MINISTRO GILMAR MENDES. Logo, errou o magistrado, o articulista, em fazer essa crítica ou desabafo. Enfim, erramos todos os que aqui comentamos sem ouvir aquele áudio.

  13. O ministro parece não ter a menor idéia do que acontece no primeiro grau de jurisdição, instância em que o julgador fica frente a frente com o jurisdicionado e até cruza com ele nas ruas, em cidades menores. No primeiro grau de jurisdição é que as partes têm a chance de serem ouvidas diretamente pelo magistrado, que pode aferir pessoalmente a reação destas e até a sinceridade ou não em suas palavras. É muito fácil ficar em Brasília, em gabinetes, no ar condicionado, cercado de assessores e, mesmo assim, o ministro tem processos parados faz quase 20 anos, como demonstrou o juiz Pedro. Seria bom vermos o ministro rebater o texto do juiz, se é que tem como fazê-lo.

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