Explicando juízes a jornalistas, e vice-versa
Sob o título “Diversidade”, o artigo a seguir é de autoria da Juíza Carolina Nabarro Munhoz Rossi, de São Paulo. Foi publicado originalmente no site “Judex, Quo Vadis?”
Fiz a faculdade de Direito junto com a de Jornalismo e me tornei juíza pela total impossibilidade de ser qualquer outra coisa. Amo o que eu faço e não me vejo fazendo qualquer outra coisa. Estudei muito para passar no concurso, abdiquei de levar uma vida normal por certo tempo mesmo tendo dúvida de ter êxito porque não podia imaginar função mais bela que a de julgar, a de pacificar os conflitos, tornando as pessoas mais felizes…
Depois de quase treze anos de profissão continuo tão apaixonada pelo que eu faço quanto quando decidi me dedicar a esse trabalho, mas tenho que admitir que no mais das vezes, já fico bastante satisfeita quando consigo tornar as pessoas um pouco menos infelizes…
Tarefa difícil essa de julgar. Não se pode querer agradar as pessoas sob pena de se cometer injustiças injustificáveis.
Descobri que não é tarefa do juiz pacificar nem fazer ninguém feliz e que no mais das vezes tornamos ambas as partes que nos procuram, em busca da solução para o impasse que está naquele processo, infelizes.
A verdade é que as pessoas talvez até acreditem que a solução do processo lhes devolverá a paz ou lhes trará felicidade, mas isso raramente acontece. Mesmo quem ganha a ação, não consegue fazer o tempo voltar, e certamente já não é mais aquela pessoa que foi ofendida e buscou, através do Judiciário, que as coisas voltassem a ser o que eram.
Porque geralmente o que se busca é isso.
Que as coisas voltem a ser o que eram.
Que o inquilino volte a pagar o aluguel, que o nome volte a ter valor, que o criminoso seja punido e se tenha novamente a sensação de paz de antes da quebra da ordem social…
Mas nenhuma sentença faz o tempo voltar e o processo leva um tempo que geralmente as pessoas não têm porque tempo é o bem mais precioso que temos nos dias de hoje.
E a cada dia que passa, a pessoa muda um pouco e aquela pessoa que queria aquela reparação vai deixando de existir e quando a reparação chega, chega para alguém que já não se sentirá reparado por ela.
Como tenho amigos da área jurídica e jornalística em igual número, passo muito tempo tentando explicar os jornalistas aos juízes e os juízes aos jornalistas. Não sei se consigo.
Meus amigos jornalistas costumam dizer que nem todos os juízes são comprometidos como eu. A maioria não conhece outros juízes além de mim, mas ainda assim, não tem uma imagem muito boa da magistratura. Quando pergunto a razão, sempre me contam algum caso de algum processo que demorou demais, de alguma sentença não acharam justa ou de algum juiz inacessível à imprensa.
Já meus amigos juízes reclamam das matérias que divulgam fatos que sabemos serem inverídicos, com dados maquiados e conclusões tendenciosas, mas que todos sabemos serem baseadas em fontes da área jurídica que desfrutam de prestígio na imprensa, talvez até por serem mais acessíveis que os próprios magistrados…
Não nego que essas situações igualmente me decepcionam, mas consigo enxergar o que há por trás do que se apresenta.
Entendo a frustração de alguém que acredite ter direito e não tenha esse direito reconhecido, ou o tenha reconhecido, mas o juiz entenda que isso não tem valor econômico, por exemplo, mas isso não significa que esse juiz não tenha estudado o processo e ouvido ambas as partes,ou o pior, que tenha sido “comprado” pela parte contrária, como muitas vezes já ouvi insinuarem.
Conto nos dedos algum caso que tenha ouvido de juiz estadual paulista corrupto em todos esses anos de carreira e os que ouvi, foram devidamente punidos, nos termos da lei e não são mais juízes.
No caso acima, o juiz julgou de acordo com o entendimento dele e a lei assim o prevê. Outros juízes decidirão de forma diferente, talvez, e a decepção com um juiz não pode atingir a todos. Uma amiga delegada outro dia parou para ajudar dois rapazes que se acidentaram em uma motocicleta e foi assaltada. Isso não significa que ela não deva mais ajudar ninguém porque sempre será assaltada, significa?
Outro dia um senhor em uma cadeira de rodas bateu no vidro do meu carro, me pedindo dinheiro. Eu não tinha dinheiro, mas tinha um pacote fechado de torradinha na bolsa. Abri o vidro e ofereci a ele. Ele recusou e me olhou com uma expressão de raiva que me chocou. Fiquei chateada, mas não vou deixar de dar comida a outro que me pedir por causa dele.
Quero dizer com isso que as pessoas são diferentes. Que os valores das pessoas são diferentes e não poderia ser diferente com o juiz que também vive em sociedade e imerso nesses mesmos valores. Os juízes não são robôs programados para pensar e decidir igualmente.
Isso não é ruim. É assim que se muda a jurisprudência, que se oxigena o entendimento das leis.
Enquanto tivermos juízes preocupados em aplicar as leis e ouvir as pessoas, estudando cada caso com a atenção que merece e jornalistas preocupados em verificar a veracidade das informações antes de divulgá-las, considerando o efeito que elas terão sobre as pessoas, ambos se conduzindo com responsabilidade, com ética e principalmente com respeito para com a carreira que escolheram, cientes dos compromissos que assumiram com a sociedade, agindo com verdade, não há como não acreditar que tanto o Judiciário como a Imprensa conseguirão se depurar, expelindo os maus profissionais, e sair ainda mais fortes dessa crise pela qual ambos vêm passando, porque o que os sustenta são as pessoas que os compõem.
O artigo é bom, mas inútil, a população naõ está nem aí para o Judiciário. A imprensa continuará a tentar a destruição do Judiciário em represália às condenações por danos morais. Jornalistas culpam juízes até pela falência das empresas em que trabalhavam e isso não vai mudar até que se crie o conselhão de jornalismo. Até lá, continuará a pancadaria. Por isso que digo: Juízes precisam julgar com a imparcialidade com que advogados julgam juízes e jornalistas divulgam matérias sobre o judiciário. Enquanto continuarem quixotescamente a tentar mudar o mundo, continuarão apanhando e ganhando menos que mestre de obras. Juiz não é heroi coisíssima nenhuma, é homem e tem de ser remunerado pelo que faz, se não pagam como o Ministério Público que se pague pelo menos como a Defensoria Pública. O resto é populismo. O problema é que depois de anos na magistratura é difícil sair, pois todos temos contas a pagar e parar tudo para estudar não dá. Então é preciso continuar neste inferno até a aposentadoria, se é que teremos alguma, embora paguemos mais de R$ 2,500,00 por mês para isso por mais de 40 anos. É bom salientar que juiz paga para se aposentar, ninguém dá nada não…
Parabéns à autora pelo artigo humano, sensível e que ilustra com tanta paixão visões de dois mundos tão diversos quanto èssenciais à democracia.
Gostei da frase “injustiças injustificáveis”. Julgar com a verdadeira imparcialidade. Parabéns pela exposição a um tema tão desconfortante para muitos.
Belo texto e bela visão da magistratura. Gostaria muito que os juízes, todos, tivessem este mesmo sentimento. Às partes, na maioria das vezes, resta o sentimento que a Dra. Carolina colocou, aliado ainda a falta de comprometimento ocasional de juízes pouco dotados do principal, a vocação. Sou Defensor Público e vejo que para todas as carreiras jurídicas (não só jurídicas) preciso é ter amor pelo que se faz. Sem isso, vemos o que vemos hoje em tantas e tantas oportunidades.
O maior problema são as leis ultrapassadas e ou superficiais. Cabe aos juízes aplica-las, e com coragem, e mobilização, pedirem mudanças. Não basta apenas se refugiarem nas brechas do sistema.
Ela tá de brincadera que não conhece poucos casos de juízes com desvios de conduta, ela não deve viver no mesmo mundo que nós, pobres mortais.
Dra. Carolina,
Também abracei a magistratura, e ao contrário do que muitos pensam, nossa vida não tem esse glamour que imaginam. Ao contrário, administrar os conflitos alheios é uma função árdua que nos exige preparo intelectual e emocional. Fiquei feliz em ler teu texto. Talvez seja o início da tão sonhada ruptura com o paradigma de que juiz somente fala nos autos. Conte conosco aqui em MG. Cordialmente,
Lisandre Figueira -TJMG
Parabéns a colega quemostrou sensibilidade com o tema. É necessário construir pontes para quebrar antigos preconceitos
Requisito para ser juiz: concluir ensino fundamental e médio, aprovação no vestibular de Direito, concluir faculdade de Direito, 3 anos de exercício de atividade jurídica, aprovação em concurso público (prova objetiva, prova escrita, provas de sentença cível e criminal, prova oral, prova de títulos, investigação social, exames clínicos e psiquiátricos) e curso de formação.
Requisito para ser jornalista: estar vivo.
Sou fã incondicional da Juíza e da Mulher Carolina Nabarro Munhoz Rossi!
Infelizmente, nesses meus poucos anos de advocacia, o que vejo na magistratura são juízes que não se preocupam nem um pouco com o direito das partes, que mal ouvem o que elas têm a dizer e que se comportam como crianças mimadas, disputando a atenção com os advogados.
Dão “piti” na sala de audiência e julgam as ações de qualquer maneira, com o objetivo único de “tirar o processo da frente”.
Se a colega não é assim, meus parabéns!
Que minhas ações sejam distribuídas para sua Vara.
Parabéns à colega que, na nossa ótica, colocou muito bem a questão.