Uma crítica aos “julgamentos por atacado”
Sob o título “Julgamentos em lista ou por atacado”, o artigo a seguir é de autoria do juiz aposentado e professor de direito Antonio Sbano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages).
Vem se tornando praxe nas instâncias superiores uma nova modalidade de julgamento, contrariando os preceitos constitucionais.
Diante do crescente volume de trabalho, alguns Tribunais de 2º Grau e mesmo os Tribunais Superiores implantaram um novo sistema de julgamento de seus feitos. O relator, após exame do processo, divulga seu voto aos demais membros, em mero expediente interno. Os processos em que não haja divergência são separados e incluídos em lista ou, como já presenciei no STJ, colocados em carrinhos tipo supermercado e levados ao Plenário. O presidente anuncia o resultado do julgamento, válido para toda a pilha ou lista.
Tal proceder, conquanto tenha por escopo agilizar os julgamentos (pautas em geral com mais de 100 processos para 6 a 8 horas de Sessão) se demonstra nocivo à sociedade, traz insegurança jurídica, ofende aos princípios da transparência e, acima de tudo, fere o comando constitucional.
O artigo 93 da Carta da República determina que todos os julgamentos, judiciais ou administrativos, sejam públicos, podendo se dar em ambiente restrito quando assim for oportuno, mas, de qualquer sorte, com a presença das partes e seus advogados.
Todo julgamento colegiado deve se constituir de dois momentos distintos PÚBLICOS, ainda que ocorram em sequência: o primeiro no qual o relator apresenta a matéria e o argumento das partes, seguindo-se os debates acerca das questões propostas; o segundo, após a tomada dos votos, em que se proclama o resultado do julgamento.
Assim se deve proceder para a fiel observância do comando constitucional, permitindo que as partes e seus advogados ou mesmo o público em geral, presentes ao ato fisicamente ou assistindo por via eletrônica, possam ter pleno conhecimento das razões de decidir. Importante ainda destacar que os debates e os votos ficam registrados na Ata da Sessão de Julgamento permitindo aos interessados requererem cópia para instruir eventuais recursos ou para qualquer outro fim legal.
A novel praxe elimina a primeira parte, realizada entre quatro paredes, sem se saber os fundamentos em que TODOS os julgadores se firmam para tomar a decisão, se é que, em grande maioria, não se louvam apenas nos escritos do relator sem exame dos fatos e dos questionamentos jurídicos apresentados pelas partes. Vale dizer, o julgamento em sua essência é SECRETO. Somente a decisão, o resultado do julgamento, se proclama publicamente, certo que em algumas Cortes, nomenclatura a perpetuar velha reminiscência do Império, se destaca a matéria, de forma sucinta, sem se nominar individualmente cada processo, somente se conhecendo o resultado pela divulgação da lista de processos julgados.
Tal prática vem sendo adotada até mesmo pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão que tem a missão constitucional de aperfeiçoar a administração da Justiça e que se curva a sobrecarga de trabalho, dando exemplo, negativo, de como se deve proceder em respeito à norma constitucional: na véspera das Sessões, o colegiado se reúne, reservadamente, e lá anotam-se os procedimentos em que se verifica unanimidade e, no dia seguinte, em público, o Presidente apenas anuncia o processo e o resultado “dado provimento” ou ‘ negado provimento”.
Ao nosso modesto entendimento, tais julgamentos são nulos, como são nulas as sentenças monocráticas de 1º Grau quando não fundamentadas, ferindo-se, além da Norma Maior, o contido no art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura.
Dir-se-á, ao ser publicada decisão as partes tomarão conhecimento dos fundamentos. É verdade, mas apenas meia verdade: tomarão conhecimento do resultado final, sem conhecer os debates e fundamentos de cada julgador, e o ato de julgar exige que o magistrado (cada membro do Colegiado individualmente) dite o direito aplicável de acordo com seu livre convencimento (art. 41, da Lei Orgânica da Magistratura), sempre respeitando os limites da norma aplicável ao caso concreto.
Ficam aqui duas perguntas:
a) Por que a Ordem dos Advogados do Brasil que tanto questiona o funcionamento do 1º Grau, não se insurge contra a nefasta prática, inclusive através de seus representantes junto ao CNJ, diga-se de passagem, coniventes com tal prática eis que dela participam sem questionar?
b) Por que a Sra. Corregedora Nacional, que tanto tem denegrido a imagem do próprio Poder Judiciário (os fins são justos e elogiáveis, desejo de toda magistratura; os meios, infelizmente, não merecem apoio uma vez que se ofende o devido processo legal e a generalização fere a dignidade da pessoa humana, execrada sem prévio julgamento), aceita tal prática?
Podem os tribunais superiores criar uma nova modalidade de julgamento, em desrespeito à Constituição vigente?
A resposta há de ser negativa, ainda que no dia a dia se esteja presenciando decisões contra legem e outras assentadas na espúria teoria do fato consumado, validando ilegalidades comprovadas, não raro para satisfazer o interesse do governo, como se o Poder Judiciário não existisse para garantir o Estado Democrático de Direito, mas sim para dar sustentação à governabilidade, mera gestão de cunho político e de interesses nem sempre confessáveis.
Esta tendência é inexorável e irreversível. Os julgamentos serão mais e mais padronizados.
Enquanto o ingresso na Justiça for barato e inconsequente, como é hoje, as avalanches de processos não cessarão e a Justiça, cada vez mais acuada como “lenta”, dará esta resposta.
O perdedor será o jurisdicionado.
O Juiz poderia, também, criticar a figura do assessor, inclusive do Juiz de primeira entrância, que faz toda a sentença/acórdão para o Magistrado assinar.
Por favor, não digam que todos os Magistrados orientam os servidores sobre linha de pensamento e leem inteiramente a decisão antes de assinar que não é verdade.
Perfeito! A única diferença que a gente tem notado é que, quando o juiz foi quem apreciou o caso, o despacho é manuscrito, e quando não, ou seja, quando é por assessor, vem redigido belamente em computador, mas com a assinatura (é lógico!) do meritíssimo ao seu final. Vivemos um faz-de-conta institucional ao argumento de se estar combatendo a morosidade. Oras…
Prezado Luciano, infelizmente a prática, DE TODO CONDENÁVEL, vem sendo utilizada por alguns.
Julgar é ato pessoal e indelegável do juiz.
É preciso combatê-la, sim.
Não fale BOBAGEM… olha o despeito…
Decisão judicial não é parafuso, nem pastel… Querem enfiar goela abaixo do Judiciário uma gestão baseada em metas, o que, para a maioria, parece uma ótima ideia… Mas não é. Decisões que não levam em consideração todos os elementos de CADA caso constituem um risco enorme de institucionalizar-se um piloto automático, um julgador fictício e fundado em meros princípios de processamento de dados. Qualquer computador faz isso com desempenho até bem melhor. Não existem tabuadas de decisões. O CNJ fixa metas e metas… Deveria administrar e otimizar a distribuição de pessoal, equipamentos etc… E o mais importante: aumentar o quadro. O número de Desembargadores do TJ/SP é maior do que todos os juízes federais da 3ª Região…
Fred os fatos e os Atos não deixam duvidas. Eles clamam por Reforma Constitucional, Reforma dos Códigos Jurídicos, Reforma Administrativa e Contábil de todas as Instituições publicas no âmbito Federal, Estadual, e Municipal. O Serviço Publico Brasileiro sem duvida esta entre os piores do Mundo. Nenhum seguimento escapa. Todos são precários prejudicando brutalmente os cidadãos e contribuintes. É um show de incompetência e irresponsabilidade Em 42 países visitados não vi nada parecido
O artigo é bom, porém, não comentou sobre a hipótese de aprovação pelo congresso nacional da PEC do recurso, o que seria uma vanço, pois, somente assim, os Ministros dos tribunais superiores não poderiam escolher quais processos iriam julgar, de qual banca, de qual advogado famoso, de qual politico. Na realidade, a PEC deveria vir mais ampla e acabar de vez com esse STJ que se tornou um tribunal do milionários, um tribunal seletivo demais. Haja vista julgar o que interessa a eles, Ministros, portanto, se é para mudar que mude de vez e acabe com o STJ ou se cria somente um tribunal de habeas corpus e da seletividade, da burguesia.
Tocou em um ponto de grande importancia o articulista. No tribunal de Justiça de São Paulo em vários julgamentos se limita a reproduzir as razões de decidir do 1.o. graú, sem ao menos enfrentar as questões arguídas pelas partes, sendo que tais julgamentos são sempre à unanimidade.
Está o articulista perplexo com pautas de 100 casos por resolver em 6/8 horas? O que dizer, então, de 300 em 3, 3:30?? Se em tese está correto – e está, pois a sobrecarga imposta aos juízes de 2º, 3º ou 4º graus excede, em muito, os limites estabelecidos na LOMaN, ideal seria que, paralelamente à crítica, contribuísse com sugestão factível para extirpação dessa “barbaridade”. E tome embargos de declaração procrastinatórios!!!
Prezado Desembargador, a excessiva judicialização nos leva a extremos.
Enquanto não se tiver Códigos de Processos modernos, limitação de recursos (a PEC está emperrada por interesse da OAB), as agências reguladoras não exercerem seu papel, obrigando o cidadão a procurar o Judiciário, não vejo forma nem como realizar milagres.
Quanto aos protelatórios, deixamos de ser “generosos”, passemos a pródigos em aplicar litigância de má-fé.
A situação existe, vejo-a como prática inconstitucional e decorre, não de “comodismos” do julgador, mas como destaquei, da excessiva carga de trabalho.
Urge buscar meios para desafogar a Justiça ou, o inviável, dotá-la de mega estrutura.
Qto a OAB nacional, essa ja está poluida demais, não liga mais para os interesses do advogados, mas só defendem interesses de grandes bancas.
Parabens pelo Artigo Dr. Antônio Sbano. Isso é um absurdo mesmo, o que esses tribunais, especialmente os superiores estão fazendo com o povo brasileiro. Digo mais, os recursos especiais dos cidadãos pobres são julgados com desprezo, os recursos do bancos, das grandes empresas, das redes de televisão são julgados com todo carinho, o STJ por exemplo, não dá crédito a recurso especial aviado por advogado desconhecedos, só conhecem os recursos especiais no mérito, qdo se trata de recurso elaborados por grandes bancas, elevaram os Recursos Especial e Extraordinário a níveis de monstros juridicos. Só conhecem os recursos que eles querem, e podem fazer o melhor recurso do mundo, se o advogado não for conhecido, não julgam, indeferem de plano. Podem verificar no site do STJ, pesquisem e veja se estou contando mentiras.
Concordo integralmente. Existe uma perversa seletividade nos tribunais superiores.
Vou acrescentar mais uma indagação à manifestação do Magistrado:
– Por que os juízes não começam a brigar, incessantemente (e com a mesma obsessão com que combatem o CNJ), por uma reforma do sistema processual, que atualmente permite a qualquer furto de caneta chegar até o STF?
Com menos recursos e menos do garantismo maniqueísta tão caro aos juízes, teríamos sem dúvida menos cenas como a que Sua Excelência descreve: a Justiça no carrinho do supermercado…
Já ouviu falar da PEC dos recursos? Os magistrados anunciaram a idéia um tempão e ninguém (OAB, políticos) deu bola. Nem você lembra.
Caro Alan,
– Os juízes são, sim, a favor da limitação dos recursos extraordinários (lato sensu), apoiando, por exemplo, a PEC dos Recursos, do Min. Peluso
– o garantismo a que o sr. se refere deve ser aquele dominante entre advogados criminalistas, IBCCRIM, alguns ministros do STF e STJ (a maior parte ex-advogados criminalistas e integrantes/simpatizantes do IBCCRIM) e quejandos. A grande maior dos juízes (aqueles concursados) não são adeptos do garantismo à brasileira.
Aliás, convenhamos, quem dá as cartas hoje no sistema jurídico (= membros de tribunais superiores, alterações legislativas etc.) são, efetivamente, interesses de grandes e médios advogados.