STJ divulga nota sobre acusação de estupro

Frederico Vasconcelos

Sob a alegação de que houve “interpretações equivocadas” em torno da decisão que inocentou um homem acusado de estupro contra três meninas de 12 anos, o Superior Tribunal de Justiça divulgou nesta quarta-feira (4/4) nota a título de “esclarecimentos à sociedade”, com o objetivo de “repor o debate nos limites da verdade”.

A nota afirma que “o Tribunal da Cidadania não aceita as críticas que avançam para além do debate esclarecido sobre questões públicas, atacam, de forma leviana, a instituição, seus membros ou sua atuação jurisdicional, e apelam para sentimentos que, ainda que eventualmente majoritários entre a opinião pública, contrariem princípios jurídicos legítimos”.

A decisão do STJ foi criticada, entre outros, pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e pela  Associação Nacional dos Procuradores da República. A ANPR que considerou ter havido uma afronta ao princípio da proteção absoluta de crianças e adolescentes.

“O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”, afirma a nota do tribunal.

Ainda segundo a manifestação oficial, o presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, “admitiu que o tribunal pode rever seu entendimento, não exatamente a decisão do caso concreto, como se em razão da má repercussão”.

No post seguinte, o Blog reproduz a notícia divulgada pelo STJ em 27/3, página que teve 37.900 acessos até o momento.

Eis a íntegra da nota oficial:

Esclarecimentos à sociedade

Em relação à decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, objeto da notícia “Presunção de violência contra menor de 14 anos em estupro é relativa”, esclarecemos que:

1. O STJ não institucionalizou a prostituição infantil.

A decisão não diz respeito à criminalização da prática de prostituição infantil, como prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal após 2009.

A decisão trata, de forma restrita e específica, da acusação de estupro ficto, em vista unicamente da ausência de violência real no ato.

A exploração sexual de crianças e adolescentes não foi discutida no caso submetido ao STJ, nem mesmo contra o réu na condição de “cliente”. Também não se trata do tipo penal “estupro de vulnerável”, que não existia à época dos fatos, assim como por cerca de 70 anos antes da mudança legislativa de 2009.

2. Não é verdade que o STJ negue que prostitutas possam ser estupradas.

A prática de estupro com violência real, contra vítima em qualquer condição, não foi discutida.

A decisão trata apenas da existência ou não, na lei, de violência imposta por ficção normativa, isto é, se a violência sempre deve ser presumida ou se há hipóteses em que menor de 14 anos possa praticar sexo sem que isso seja estupro.

3. A decisão do STJ não viola a Constituição Federal.

O STJ decidiu sobre a previsão infraconstitucional, do Código Penal, que teve vigência por cerca de 70 anos, e está sujeita a eventual revisão pelo STF. Até que o STF decida sobre a questão, presume-se que a decisão do STJ seja conforme o ordenamento constitucional. Entre os princípios constitucionais aplicados, estão o contraditório e a legalidade estrita.

Há precedentes do STF, sem força vinculante, mas que afirmam a relatividade da presunção de violência no estupro contra menores de 14 anos. Um dos precedentes data de 1996.

O próprio STJ tinha entendimentos anteriores contraditórios, e foi exatamente essa divisão da jurisprudência interna que levou a questão a ser decidida em embargos de divergência em recurso especial.

4. O STJ não incentiva a pedofilia.

As práticas de pedofilia, previstas em outras normas, não foram discutidas. A única questão submetida ao STJ foi o estupro – conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça – sem ocorrência de violência real.

A decisão também não alcança práticas posteriores à mudança do Código Penal em 2009, que criou o crime de “estupro de vulnerável” e revogou o artigo interpretado pelo STJ nessa decisão.

5. O STJ não promove a impunidade.

Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima.

6. O presidente do STJ não admitiu rever a decisão.

O presidente do STJ admitiu que o tribunal pode rever seu entendimento, não exatamente a decisão do caso concreto, como se em razão da má repercussão.

A hipótese, não tendo a decisão transitado em julgado, é normal e prevista no sistema. O recurso de embargos de declaração, já interposto contra decisão, porém, não se presta, em regra, à mudança de interpretação.

Nada impede, porém, que o STJ, no futuro, volte a interpretar a norma, e decida de modo diverso. É exatamente em vista dessa possível revisão de entendimentos que o posicionamento anterior, pelo caráter absoluto da presunção de violência, foi revisto.

7. O STJ não atenta contra a cidadania.

O STJ, em vista dos princípios de transparência que são essenciais à prática da cidadania esclarecida, divulgou, por si mesmo, a decisão, cumprindo seu dever estatal.

Tomada em dezembro de 2011, a decisão do STJ foi divulgada no dia seguinte à sua publicação oficial. Nenhum órgão do Executivo, Legislativo ou Ministério Público tomou conhecimento ou levou o caso a público antes da veiculação pelo STJ, por seus canais oficiais e de comunicação social.

A polêmica e a contrariedade à decisão fazem parte do processo democrático. Compete a cada Poder e instituição cumprir seu papel e tomar as medidas que, dentro de suas capacidades e possibilidades constitucionais e legais, considere adequadas.

O Tribunal da Cidadania, porém, não aceita as críticas que avançam para além do debate esclarecido sobre questões públicas, atacam, de forma leviana, a instituição, seus membros ou sua atuação jurisdicional, e apelam para sentimentos que, ainda que eventualmente majoritários entre a opinião pública, contrariem princípios jurídicos legítimos.

Comentários

  1. Gostaria imensamente de saber quem concedeu ao STJ o título de “Tribunal da Cidadania” ???

    As decisões do STJ não são nada condizentes com o título que ostenta. Ademais, pouco importa se o tribunal “não aceita” as críticas que lhe são dirigidas, pois estamos em um regime republicano, e as críticas são legítimas, goste o STJ ou não.

    1. Tulio,

      Ninguém conferiu esse título a eles não. Eles auto-conferiram. Cidadania de que? Aonde? STJ pregando cidadania? No dia que eu vir um Recurso Especial de um pobre sendo provido, ai acredito em cidadania. Mas, nunca vou ver, pois, aquele tribunal não é lugar para pobre e nem para advogado sem sobrenome no título.

  2. Recorram. Ao que eu saiba da decisão cabe recurso ao órgão próprio. E tal órgão não está localizado na imprensa. Toda pressão dirigida ao Judiciário é ilegítima ab initio (Niklas Luhmann), venha de onde vier. Que papelão…

    1. Ao que consta, já recorreram. O recurso não exclui o debate sobre o “ensimesmamento” de um tribunal alheio ao impacto social de sua decisões. A pressão sobre o Judiciário, quando este se coloca expressamente contra os valores da sociedade, é mais que legítima: é necessária. Os tempos são outros! O Judiciário não está mais no Olimpo intocável dos deuses. A população deve permanecer alerta e vigilante contra as injustiças forjadas por interpretações escusas da lei. Neste país nenhum poder ou instituição merece obediência cega e temor reverencial.

      1. A Jurisprudência usada pelo STJ já existe há muito tempo. O que não é usual é o “carnaval” feito em torno do assunto, com declarações bombásticas, de gente que entende muito pouco do assunto. É a mesma coisa que um mecânico comentar uma cirurgia cardíaca. Querem que o assunto seja tratado primeiro no “tribunal da imprensa”, que não difere nada do “tribunal do botequim da esquina”. Ora, pois, pois, como diriam meus antepassados.

        1. Niklas Luhmann, que tem como discípulo Gunther Jakobs, só gente boa, não é mesmo? Vamos utilizando esses subsídios pra fundamentar nossas opiniões que iremos longe!

  3. Críticas não precisam ser “aceitas”. Críticas são feitas e pronto. O que pensa o STJ? Que a opinião pública não tem o direito de refletir e censurar decisões como esta? Tá na hora de alguns ministros lembrarem que o nosso sistema jurídico não tem só o “princípio garantista pilantra” entre os seus fundamentos. Que tal o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente? E o princípio da dignidade da pessoa humana? Será que o “Tribunal da Cidadania” se lembra que ele também se aplica a meninas pobres, entregues à exploração sexual? Como se não bastasse a lastimável decisão, temos agora que lamentar também a arrogância da nota oficial.

  4. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! O que se poderia dizer nesse caso está sacramentado na matéria da Folha/UOL na INTERNET, quando a ONU se manifesta e, nesse caso com TOTAL RAZÂO. Parabéns à ONU e aos Direitos Humanos. Essa manifestação da ONU é LEGÍTIMA e ENVERGONHA o JUDICIÁRIO BRASILEIRO. MERECIDA REPRIMENDA! OPINIÃO!
    Por sinal a NOTA dirigida à SOCIEDADE contém resquícios INTIMIDATÓRIOS que por si é outra ILEGALIDADE. Afinal, os Magistrados são EMPREGADOS DO POVO e, não o contrário. Caso para uma GUERRA SANGRENTA! OPINIÃO! A INDIGNAÇÃO é cada vez maior! Acorda JUDICIÁRIO! OPINIÃO!

    1. È prezado Ricardo, até vc perdeu as estribelhas, com esse absurdo. Nunca tinha visto vc fazer comentários tão fortes. Mas é de causar indignação mesmo, ainda mais, qdo vemos um ministro daquele STJ tentando calar a opinião pública. UM absurdo.

      1. Olá! Caros Comentaristas! E FRED! Olá Caro Comentarista Marco Carvalho, como vai, OBRIGADO pela observação. Quando se BRIGA para manter uma IMAGEM positiva do JUDICIÁRIO BRASILEIRO, imagem na prática MERECIDA; ficamos FRUSTRADOS quando saem decisões NÃO judiciais e SIM SOCIOPATAS e, declarações DITADORAS e ARBITRÁRIOPATAS. Entretanto, o JUDICIÁRIO BRASILEIRO vai superar. Já, no caso da GAROTA, sei NÃO! OPINIÃO!

  5. Ser humano de 12 anos é criança. Adulto que tem relações sexuais com crianças é pedófilo. Nossas crianças pobres, miseraveis, escravizadas e postas para prostituição clamam por nossa proteção. Não há outra leitura. Agora, justiça que não coibi tal aberrante prática é o que?

  6. O STJ não tá preocupado com o povo brasileiro não, os ministros que lá estão estão preocupados, sim, com o status de ministros da corte de pacificação da lei federal. O Poder Judiciário precisa sofrer mudanças drásticas, especialmente os Tribunais superiores, seu modo de nomear ministros, o pouco efetivo de ministros no STJ que não está dando conta de julgar os processos, na verdade, o STJ virou um Tribunal de Agravos e um Tribunal de habeas corpus, dificilmente a gente ver por lá o julgamneto de um Recurso Especial no mérito,um recurso bem fundamentado, bem motivado, que seria o papel fundamental daquele Tribunal. Acho melhor extingui-lo, aproveitando a PEC do PELUSO, e criar um tribunal de habeas corpus, para mim, o STJ perdeu sua finalidade há muito tempo, suas decisões são sempre contrárias aos interesses do povo brasileiro, com poucas exceções.

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