Holocausto da escravidão é dívida impagável
Sob o título “Uma decisão para reescrever o Brasil”, o artigo a seguir é de autoria de Jorge Adelar Finatto, Juiz de Direito no Rio Grande do Sul, publicado em seu blog “O Fazedor de Auroras” (*).
A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não foi acompanhada de políticas para incluir, minimamente, a comunidade afrodescente na vida social, econômica e educacional do país. As pessoas de origem africana saíram de quase 400 anos de escravatura e foram jogadas à própria sorte, à margem de tudo, sem nenhum amparo.
O Supremo Tribunal Federal declarou, na última quinta-feira, em decisão unânime, a constitucionalidade do sistema de cotas para o ingresso de pessoas negras e pardas nas universidades. A partir do julgamento, prevalece o entendimento de que, ao contrário de ferir o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei, tal sistema surge para reparar a imensa dívida que a nação tem com os negros, estes sim tratados desigualmente durante séculos até os dias de hoje. O que se busca, na verdade, é corrigir a brutal injustiça que pesa contra a comunidade negra.
Na Universidade de Brasília (que foi ré na ação julgada), vinte por cento das vagas destinam-se a pessoas que se autodeclaram negras ou pardas. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ré em outra ação), trinta por cento das vagas são para negros e egressos de escolas públicas.
A política de cotas, de acordo com o pensamento dos juízes do STF, é um começo apenas e não um fim, e não deverá prolongar-se indefinidamente. Medidas como as adotadas pelas duas universidades servem para promover a igualdade, tratando-se de modo diferente um grupo humano tão discriminado e desfavorecido.
O holocausto da escravidão é dívida impagável. O que se pode fazer é trabalhar com as consequências, através de ações afirmativas como essas. O número de indivíduos negros no ensino superior, como todos sabem, está muito aquém do que seria razoável, considerando a importante presença desta comunidade na formação e na vida social do Brasil.
Um dos argumentos que mais tenho ouvido contra o sistema de cotas é o de que a melhor solução seria aperfeiçoar o ensino público e eliminar a pobreza, com o que já não só os negros mas toda a população sairia beneficiada. Para os que assim pensam, a eliminação do abismo que separa os afrodescentes dos demais virá logo ali, depois do Armagedom e do Juízo Final. Para essa gente, a discriminação racial contra o negro não existe. Séculos de escravidão, indizível sofrimento e humilhação não são nada e os descendentes podem esperar na fila mais um pouco, isto é, pelo restante dos tempos.
O julgamento é especialmente relevante para as universidades públicas federais, as mais procuradas seja pelo bom ensino que oferecem, seja em função da gratuidade. Como o estado não consegue garantir ensino público e gratuito para todos, penso que, além das cotas, está mais do que na hora de as universidades públicas brasileiras assegurarem a gratuidade somente aos que realmente dela necessitam, cobrando daqueles que têm condições. Enquanto em nosso país o ensino superior não for gratuito para todos, quem pode deve pagar.
Não é justo que a sociedade pague o estudo daqueles que não precisam disso, enquanto se prejudicam alunos carentes (de diversas origens étnicas) que, sem condições de um bom preparo para enfrentar o exame vestibular, se veem obrigados a parar de estudar ou a ingressar em faculdades particulares, contraindo dívidas e arcando com sacrifícios desumanos.
A decisão do STF começa a resgatar o Brasil diante de si mesmo através da única maneira de se fazer justiça: promovendo-a. É um pequeno passo, um início. Um bom começo, porque representa o reconhecimento do problema por parte do estado-juiz, ao mesmo tempo em que protege ações para resolvê-lo.
E os brancos pobres que, de igual forma, não têm perspectivas de cursar o ensino superior de forma decente?
Além disso, há muitas pessoas de olhos azuis que possuem significativa herança genética negra e indígena e que por terem sido “clareados” pela miscigenação, ficam fora das cotas. Basta fazer um exame específico.
As cotas para negros são justas, mas ao desconsiderar outros desafortunados não estaria promovendo outra discriminação?
Não seria o caso de uma cota social?
Identificar um cidadão pardo , é muitas vezes
muito dificil.
Tenho um sobrinho tido como pardo no seu
Certificado Militar , mas na verdade é branco
(bem bronzeado) e não tem NENHUM parente
ou ascendente “branco” !!!!!
Perdão , negro e não branco ……..
A prova de que a universidade brasileira tem realmente condições transformadoras é uma política de cotas coerente e estruturada. Na medida em que a universidade apenas forma cidadãos de origem nas classes mais abastadas, sua condição de agente de transformação é nula.
PARABÉNS STF. Quando se fala em ex-presidiários logo se pensa em formas de ressocializar estes indivíduos à sociedade. Imagine-se um povo inteiro de ex-detentos? Um povo todo que nascia condenado à prisão perpétua? Que liberdade foi esta que acabou por condenar muitos ex-escravos a continuarem se escravizando? Como recuperar-se de mais de trezentos anos de escravidão sem qualquer apoio? Como transformar um objeto em ser humano sem qualquer amparo?
Finalmente um pouco de Luz! Correto o STF em sua decisão. É preciso dizer: poucos entre nós são razoavelmente informados sobre a escravidão e suas consequências. Raros são os brasileiros com noção de que este país foi fundado, em grande parte, com o suor torturado dos negros. Falta essa informação nas escolas, nas faculdades, nas ruas, no dia-a-dia, enfim.
Muito Justa a decisão do Supremo. Nesse sentido, recordo as palavras de Ruy Barbosa: “A regra da desigualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”
Ótimo texto! O tempo passou e as feridas resultantes da escravidão até hoje não foram curadas. A verdade é que talvez falte uma melhor compreensão do que representou para a formação do Brasil a vinda desses irmãos da África. É mais do que tempo de corrigir essa falta, e não só com palavras, mas, e principalmente, com atos, que lentamente começam a ser adotados.
Fred a nossa Justiça assegurou que jamais no Brasil surgirão figuras como Martin Luter King, Malcon X, Harriet Tuberman, Collin Powell, Quincy Jones e principalmente um Barak Obama.
Um pergunta: A senhora pensa que o sistema de cotas destinada às mulheres na política impediria o surgimento no Brasil de uma pessoa similar à Margareth Thatcher ou Cristina Kirchner, por exemplo?
Não se produz um acerto com dois erros. A escravidão é um câncer eterno na história do Brasil e, realmente, nada poderá limpar o passado. Mas reservar cotas de ingresso, seja onde for, por mera declaração pessoal de pertencer a uma dada etnia, leva a duas considerações: 1. não é um critério justo; 2. não tem rigorosamente nada a ver com dívidas históricas. O racismo existe e é outro câncer que afeta boa parte dos brasileiros. Sim. Mas a meritocracia — com todos os senões que se possam apresentar — continua sendo o critério menos imperfeito. O texto peca em considerar que a melhoria do ensino e extensão a todos equivale a algo inatingível, ou, o que é pior, a um apocalipse e juízo final… Não passam de hipérboles em defesa de uma boa intenção. Mas o cerne do problema é integrar todos os níveis sociais no ensino público, coisa que, se for considerada impossível, leva a tentativas de atalho como o sistema de cotas.
Um dos argumentos mais falaciosos contra a política de ações afirmativas diz respeito à uma implausível meritocracia no acesso à Universidade. Balela, o que faz um bom profissional não é o ingresso na vida acadêmica, e sim o seu aproveitamento. O mérito está na saída e não na entrada. O que faz um bom médico não é a sua pontuação no vestibular e sim suas notas durante o curso. Das dezenas de argumentações contrárias ao sistema de cotas, pode-se observar que a grande maioria se assenta na má fé, na ignorância ou no preconceito dissimulado.