Magistrado sugere interpelar Lula e Gilmar

Frederico Vasconcelos

Em 2005, juiz de direito gaúcho criticou Nelson Jobim no “Manifesto pela Ética”

Sob o título “O escândalo de Brasília e o destino de cada um de nós”, o artigo a seguir é de autoria do juiz de direito Newton Fabrício, do Rio Grande do Sul. Foi publicado em seu blog “Peleando contra o Poder” (*). Trata do controvertido encontro entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, realizado no escritório do advogado e ex-presidente do STF Nelson Jobim. Em setembro de 2005, Fabrício liderou os juízes gaúchos que assinaram o “Manifesto pela Ética”, documento criticando Jobim por “fazer considerações de índole política” quando era presidente do Supremo, e por silenciar diante das especulações de que pretendia se candidatar à Presidência da República.

Um ex-Presidente da República vê o seu partido e seus amigos e correligionários envolvidos no maior processo de corrupção que já tramitou no STF. Marca, então, um encontro com um Ministro do STF. (Quem é este? O mesmo que protagonizou o mais grave bate-boca da história do STF com outro Ministro, em plena sessão de julgamento). Onde? Em um escritório de advocacia. De quem? De um ex-Ministro e ex-Presidente do STF. (Quem? O mesmo que, quando aluno, furtou um sino da Faculdade de Direito da UFRGS, com seus colegas de turma – e disso se ufana. Mas isso não é o mais grave. Pior é que, quando Ministro do STF, confessou – e disso também se ufanou – ter inserido, à época em que foi deputado constituinte, dois artigos na Constituição Federal sem terem estes sido votados. Mas fez ainda mais como Ministro do STF: palestrou na inauguração de poderoso escritório de advocacia, em solenidade luxuosa).

Um Ministro do STF, que em breve julgará o rumoroso processo conhecido como “mensalão”, indo ao encontro do ex-Presidente da República, cujo partido está envolvido exatamente nesse processo? Isso não é conduta de magistrado. Mas, afinal, que compromisso tem esse ministro (e seu anfitrião) com a Magistratura, se usa a toga por indicação política?

Quase um mês depois desse estranho encontro, o atual Ministro do STF resolve divulgar esse fato porque então, e só então, considerou conveniente, oportuna e adequada a divulgação. Antes, não (será que durante quase um mês considerou o diálogo como “republicano”?). E errou do início ao fim: o encontro (que nunca deveria ter ocorrido) tardou a ser divulgado (quase um mês) e quando resolve fazê-lo, o Ministro escolhe o lugar errado: a mídia, ao invés dos canais competentes.

Mas tem mais.

O ex-Presidente da República nega o conteúdo do diálogo, mas não o encontro.

O ex-Ministro e ex-Presidente do STF, cada vez que fala, conta uma versão. Mas nunca negou o encontro: ao menos nesse ponto foi coerente – confirmou, mais de uma vez, que ambos (ex-Presidente da República e o atual Ministro do STF) estiveram no seu escritório de advocacia naquela manhã de 26 de abril e que lá se reuniram e conversaram.

Leio os jornais: os jornalistas afirmam sem constrangimento e com inédita convicção – um dos dois está mentindo. Ou o que agora ocupa o STF; ou o que ocupou antes.

O ex-Presidente da República mentir, a imprensa nem registra (ou pouco registra, pois ele apenas emitiu uma nota, omitindo-se de falar: político que cala, não é algo raro? Por que calou?) e eu nem estranho – a mentira é considerada como algo normal, na tal de política.

O que constrange, incomoda e causa tristeza é ler, nos jornais, que dos dois ex-Presidentes do STF, um deles está mentindo.

Decididamente, não é esse o Poder Judiciário que eu conheço e integro, há mais de 26 anos.

Quando eu penso que nada poderia piorar, leio ontem na Folha de S.Paulo, quanto à posição do STF a respeito dos fatos (do encontro e do atrito): “…não foi um episódio institucional, mas pessoal.”

Se a matéria da Folha de S.Paulo confere com o que pensa a maioria dos ministros do STF, penso de forma muito diferente destes: tenho a convicção de que ambos (ex-Presidente da República e atual Ministro do STF) deveriam ser interpelados para esclarecer o ocorrido, sob pena de responder na forma da Lei – que existe para todos, sem exceção.

De outro lado, como disse o poeta, de tudo se tira um pouco. Penso que, do episódio, a sociedade brasileira poderia extrair dois questionamentos:

– afinal, a Lei é para todos, ou não?

– o atual sistema de indicação de ministros para o STF é o ideal ou deve mudar?

Da resposta de cada cidadão surgirá o Brasil que vai reger o destino de cada um de nós – e o destino do teu filho, leitor.

(*) http://www.peleando.net/

Comentários

  1. A revista Carta Capital,que saiu hoje e já
    está nas bancas,explica a personalidade e
    o carater de Gilmar Mendes.O Ministro Marco Aurelio em recente entrevista disse
    que não se dá com ele.Não são amigos.O
    Ministro Joaquim Barbosa,idem,e outros
    Ministros tambem.Ele é amigo do Senador
    Demostenes sim,ligado ao Sr Cachoeira.
    Pergunto.Porque Lula,que nomeou salvo
    engano,8 ministros para o STF,inclusive,o
    relator do mensalão,Joaquim Barbosa,não
    pediu nada a nenhum deles,e foi pedir logo a um Ministro nomeado por FHC,do
    PSDB,e da oposição?O Procurador Geral
    da Republica tambem foi nomeado por Lula e mantido por Dilma.Porque Lula nunca pediu nada a eles e foi logo pedir a
    Gilmar Mendes? Muito estranho.

  2. se vê por esses comentaristas”o quanto “esdrúxula”está a mentalidade desse povo,parece epidemia,de tanto ouvirem políticos explicando o inexplicável,onde todos são enrolados por palavras sem nexo,agora é a vez do povo responder perguntas simples com respostas “intermináveis “e “inconclusivas “,é simples ; “NÃO ,O SISTEMA DE INDICAÇÃO É FALHO,DEVERIAM SER INDICADOS POR CONCURSO OU MERECIMENTO ,SEM NENHUMA INDICAÇÃO POLÍTICA PARA NÃO HAVER “FAVORECIMENTO”E NEM CONIVÊNCIA .EXEMPLO?COMO PODE UM JUIZ OBRIGAR UM HOSPITALA VENDER SEU ÚNICO APARELHO PARA PACIENTES CARDÍACOS PARA PAGAR UM PRECATÓRIO PARA UM FUNCIONÁRIO,SE,O ESTADO E A UNIÃO ESTÁ Á DÉCADAS E DÉCADAS SEM SEREM OBRIGADOS POR JUÍZ NENHUM A ESTIPULAR (AO MENOS,ISSO!)UMA DATA PARA PAGAMENTO DESSES PRECATÓRIOS,AO CONTRÁRIO SÃO “CONIVENTES COM O GOVERNO “DEIXANDO ELES “CHANTAGEAREM”O SERVIDOR PARA QUE ELE “ABRA MÃO DO QUE EXCEDE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS,SE,ELES QUISEREM RECEBER EM VIDA”!!!!

  3. Artigo fantástico, com apenas uma ressalva, ou seja:
    “responder na forma da Lei – que existe para todos, sem exceção” apenas no papel…

  4. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Respondendo aos dois questionamentos que fez o Caro Juiz de Direito Newton Fabrício. Minha sensibilidade de cidadão mortal e comum indica que: a) No papel a Lei é para todos. Entretanto, na vida REAL, a Lei é para muitos exceto para poucos, onde ela simplesmente NÃO existe! Valem outros critérios. A Pergunta é: Diante disso e se for verdadeiro, o que FAZER? E, como FAZER? b) Minha sensibilidade de cidadão mortal e comum indica que a ELEIÇÃO é dentre os PIORES a melhor maneira de se conduzir alguém aos cargos públicos. A pergunta é: Que critérios e parâmetros serão utilizados nessa escolha? Quem será ou serão os escrutinadores/as? Qual será a transparência? E vez ELEITOS/AS e NÃO cumprindo sua MISSÃO com ÉTICA de DESVELO, que destino se dará aos descumpridores/as ELEITOS/AS? Acredito que: a) É urgente a reforma política “Adulta e Ética”. b) São necessárias mudanças de paradigmas e conceitos políticos. Diante da REALIDADE ATUAL PRESENTE no BRASIL onde o eleitor/a são ESCRAVOS do VOTO por OBRIGAÇÃO, que esperar dos demais cenários? Observem: Sequer o voto democrático, que é o VOTO LIVRE VOTO FACULTATIVO, permitem ao eleitor/eleitora que dizer do resto? Boa a provocação do Caro Juiz de Direito, entretanto, NÃO acredito em mudanças VERDADEIRAS e DEMOCRÁTICAS com esse congresso MEDÍOCRE e IGNORANTE que existe hoje no BRASIL. Não passam de verdadeiros “FAZ DE CONTA”, ou, “ME ENGANA QUE EU GOSTO”. OPINIÃO!

  5. Considero que o episódio foi um acúmulo de erros. É claro que qualquer ex-presidente tem o direito de emitir a sua opinião pessoal a respeito de todo assunto que lhe interessar, entretanto tanto o timing quanto o lugar não foram os mais adequados à essa livre manifestação do pensamento. Da parte dos ex-Ministros do STF esperava-se mais discernimento, e em se tratando de Gilmar Mendes, mais compostura, já que o mesmo, em incidente anterior, deu a entender ser possível trocar idéias sobre casos em andamento no STF, não foi isso que o mesmo alegou ser o conteúdo de sua conversa com Demóstenes Torres no famoso “grampo” de 2008 ?

    1. Complementando a argumentação, é interessante reproduzir aqui parte da transcrição do suposto “áudio” que confirma a “consultoria do Ministro” :

      Gilmar – O que você quer fazer?

      Demóstenes – Eu estou pensando em ligar para o procurador-geral de Justiça e ver se ele mostra para os promotores que eles não podem intervir em CPI federal, que aqui só pode chegar ordem do Supremo. Se eles resolverem lá, tudo bem. Se não, vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito.

      Gilmar – Está demais, não é, Demóstenes?

      Demóstenes – Burrice também devia ter limites, não é, Gilmar? Isso é caso até de Conselhão.

      (risos)

      Gilmar – Então está bom.

      Demóstenes – Se eu não resolver até amanhã, eu te procuro com uma ação para você analisar. Está bom?

      Gilmar – Está bom. Um abraço, e obrigado de novo.

      Demóstenes – Um abração, Gilmar. Até logo.

      1. Sem querer tomar partido, não achei muito comprometedora esta conversa. Não trata de nenhuma ação em andamento, e sim sobre a proposição de uma medida judicial ao STF. Não tem por objeto interesse particular, parece ser uma questão institucional. É, óbvio que analisar previamente a ação seria, teoricamente, um absurdo (configura advocacia administrativa, se for para obter vantagem indevida), mas isso deve acontecer o tempo todo, em todas as instâncias judiciais. Ninguém é apolítico, todos tem seu ponto de vista. Gostaria de saber mais detalhes do caso, de que CPI era, se a ação foi mesmo proposta, e se seu tramite foi normal no STF, quem acolheu e respondeu a ação, se houve algum direcionamento indevido, aí sim teríamos caracterizado, não apenas uma imoralidade, mas um crime.

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