“Já entrei condenada naquele plenário”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A Busca pela Justiça”, o texto abaixo é de autoria da juíza Clarice Maria de Andrade, cuja aposentadoria compulsória determinada pelo Conselho Nacional de Justiça foi cassada nesta quinta-feira (14/6) pelo Supremo Tribunal Federal. O texto circulou em listas fechadas de associações de magistrados na internet e foi publicado neste espaço, em 6/8/2010, com permissão da autora.

Em maio daquele ano, mais de cinqüenta magistrados participaram do ato público em apoio à juíza, movimento promovido pela Associação dos Magistrados do Estado do Pará que contou com o apoio da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Eis a íntegra do artigo:

“Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha.” (Mahatma Gandhi)

Prezados Colegas e Amigos Magistrados,

Os últimos acontecimentos têm causado em mim um misto de sentimentos, alegria e esperança por ver os desmandos do CNJ sendo aos poucos corrigidos, com verdadeiras aulas de direito Constitucional. As decisões dos Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, nos MS números 28.884 e 28.799, 28.801 e 28.802 respectivamente, onde ficam nítidos os desmandos do CNJ, extrapolando a sua competência prevista na Carta Magna.

Como disse um misto de sentimento, tristeza face às argumentações utilizadas como fundamento para punir os magistrados, penso que a continuar desta forma, onde indícios são suficientes para condenação, quando você já entra condenado, a defesa técnica é mera formalidade, reuniões prévias para que decisões sejam uníssonas, preciso reaprender o significado  de princípios basilares previstos na Constituição. Porque da forma que as decisões são fundamentadas para punir os magistrados não encontro outra palavra para expressar o que penso a não ser ESTARRECEDOR.

Deixo claro que não estou fazendo apologia ao crime, aos desvios de conduta que por ventura um ou outro tenha cometido. Mas é preciso refletir sobre o que se fala, sobre o que se imputa a alguém. A mídia ao mesmo tempo em que aclama uma pessoa ela também tem o poder de destruir tudo que foi construído durante uma vida. É sabido também que a vida pregressa de uma pessoa não é decisiva para dela se fazer um conceito ou um juízo de valor quanto ao seu futuro comportamento, mas deve ser considerada. Sobre ela deve refletir quem lhe imputa a prática de ilícito ainda que administrativo.

No dia 20/04/2010, fui aposentada compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com proventos proporcionais, em decorrência de um dos tristes episódios ocorridos no Estado do Pará e amplamente divulgado na imprensa nacional, onde detenta do sexo feminino ficou presa na delegacia de Abaetetuba/PA, com outros detentos do sexo oposto. O fato em si é grave e, sem dúvida nenhuma, deve ser investigado a fundo, para que os responsáveis possam ser punidos de acordo com a lei. Contudo, não se pode admitir é que, em razão da pressão midiática, não sejam as provas e os fatos analisados. Ressalto por oportuno, que na mesma época mais 04 (quatro) casos de mulheres presas junto com homens, foram encontrados no Pará em outras Comarcas, pasmem, sequer foram instaurados processos para investigar os fatos. Contudo, somente a juíza Clarice Andrade foi penalizada, os demais magistrados, promotores, defensores, delegados e carcereiros nada sofreram.

Sinto-me profundamente injustiçada, pois já entrei condenada naquele plenário. As provas apresentadas por mim foram ignoradas. Durante os 9 anos que exerci as funções judicantes nunca respondi qualquer procedimento, representação de quem quer que seja, ao contrário, consta na minha ficha funcional elogios feitos pelos jurisdicionados das comarcas nas quais passei, inclusive elogio do Juiz Corregedor na época, hoje Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO pelo bom andamento dos trabalhos forenses na Comarca de Baião/Pa, várias medalhas de honra ao mérito concedidas em razão dos serviços prestados aos jurisdicionados. Certificado do CNJ pelo cumprimento da meta – 2 (Identificação e julgamentos de todos os processos distribuídos até 31/12/2005). Pasmem, nada disso ME VALEU.

Luto por justiça há quase três anos, até agora em vão. Tenho consciência que luto contra um leão feroz, mas tenho do meu lado a VERDADE, a INTEGRIDADE. No entanto, porque peço SOCORRO? Menosprezaram a verdade, mesmo quando ela se impõe como uma imensa montanha. A justiça foi negada, por isso peço ajuda, e volto a repetir tenho do meu lado a VERDADE! A CONSTITUIÇÃO.

Tramitam no STF dois Mandados de Segurança, que podem levar anos para ser julgados, considerando que o MS nº 28.102 está desde 20/08/09, esperando parecer do Procurador Geral da República. O 2º MS nº 28.816 está também aguardando parecer.

Caros Colegas e Amigos Magistrados, estamos em um ano eleitoral não só para os poderes republicanos como também nas associações de classe, cabe a nós fazermos as escolhas certas. Na esperança de tempos melhores.

Comentários

  1. Aos comentaristas Camila e Junior: meus caros, pior que a suposta falsificação de documento que vocês tanto comemoram como um verdadeiro trunfo, foi a calúnia, a injúria, a difamação e a execração sofrida pela juíza em questão. A imprensa divulgou que somente depois da calúnia sofrida é que a caluniada foi também acusada por falsificação de documento para se defender de uma terrível injustiça, isso no calor do transtorno e do constrangimento a que foi submetida, com o seu nome já exposto como carniça à ira dos invejosos e detratores de plantão!

    1. Também concordo que a suposta falsificação de documento foi um ato de desespero, em auto-defesa e em um momento extremamente difícil da vida da Magistrada. Fico a imaginar os momentos terríveis que essa juíza deve ter passado. Não há ser humano infalível, todos nós ao longo da vida cometemos erros, e nada mais humano do que errar. De acordo com a biografia da Magistrada, teria sido este o único erro que cometera e, neste caso, entendo extremamente injusta a pena máxima (aposentadoria compulsória). Se comprovado o delito (necessário prova cabal e incontestável), entendo que uma punição mais branda, como uma advertência ou censura, seria mais que suficiente. A Magistrada já sofreu muito, é preciso dar-lhe uma segunda chance.

      1. Será mesmo que esse foi o único erro da magistrada? Quem investigou cada um de seus atos para chegar a essa conclusão? Quando a OAB denunciou o caso, pelo que eu entendi, a Juíza também nunca havia cometido qualquer erro. Pelo que foi discutido no CNJ na época do julgamento, assim que “a bomba estorou” ela falsificou um documento visando elidir sua responsabilidade. Ela acreditava, aparentemente, que iria resolver a questão na Corregedoria local com duas conversas, mas o CNJ avocou o procedimento, investigou a fundo, e concluiu que a reação da Magistrada ao tomar conhecimento do caso não era compatível com a nobre função de julgar. Pelo que eu entendi na época, a punição aplicada pelo CNJ foi em função da reação da Magistrada quando das denúncias, não pelo fato de que a adolescente foi lançada ao inferno. Agora, mesmo se comprovado que ela falsificou o documento, dolosamente, a Magistrada não deve receber a pena prevista em lei? Afigura-me isso apologia ao crime, com todas as suas letras.

        1. Foi a OAB que fez a denúncia contra a juíza? E por quê também não denunciou com pirotecnia e estardalhaço o representante do Ministério Público (fiscal da lei) da comarca? E por quê não fez pirotecnia e estardalhaço também contra os policiais responsáveis pela prisão ilegal? É por essas e outras que todo povo precisa realmente de um poder judiciário livre, independente e corajoso. No final, a justiça triunfou! Parabéns aos Ministros do STF. Ainda existem juízes em Berlim!

        2. O caso só chegou ao CNJ por ato da presidente do próprio Tribunal de Justiça do Pará, que de ofício pediu a abertura de procedimento. Portanto, não foi a OAB que denunciou coisa nenhuma, é preciso conhecer os fatos antes de fazer certas afirmações …

          1. E mais: Há ação penal contra a Magistrada, pela suposta falsificação de documento ? Se sim, há condenação ? Se sim, já transitou em julgado ? Se não, a Magistrada é inocente. Tudo o mais é conversa mole, pura boataria e especulação.

          2. “No escândalo da jovem que ficou numa cela no Pará com 20 homens suspeita-se que até a promotoria sabia do caso e nada fez, enquanto a menina era submetida a sevícias. E surgiram mais casos envolvendo um menino que tem deficiência mental.

            A OAB do Pará encaminhou a denúncia feita por uma detenta que esteve presa do município de São Miguel do Guama, a OAB Nacional. Segundo o relato, um menor sofreu abuso sexual na prisão do município

            “A detenta falou tanto para a OAB quanto para a Comissão de Justiça e Paz que tinha assistido ao abuso sexual praticado contra um adolescente que tem problemas mentais”, conta Meyre Cohen, presidente da OAB PA.

            A denúncia foi feita durante a visita da Comissão do Sistema Carcerário, no único presídio feminino do Pará. Os deputados ficaram dois dias em Belém. Eles ouviram os envolvidos no caso da menor presa em Abaetetuba.

            Quatro presos que dividiram a cela com a adolescente prestaram depoimento. Um deles revelou que dois promotores sabiam o que se passava na delegacia porque estiveram na prisão.

            “Dessa vez agora que ela estava lá, quem foi lá foi um promotor e uma promotora”, declarou um dos detentos.

            Em nota, o Ministério Público do Pará comunicou que está apurando as denúncias. Mas só após a conclusão das investigações, tomará as providências necessárias. Informou também que recomendou aos promotores a imediata fiscalização nos estabelecimentos prisionais do Pará.

            A juíza Clarisse Maria de Andrade continua trabalhando na comarca de Abaetetuba e não fala com a imprensa. Segundo a polícia, ela recebeu o pedido de transferência da menor, mas decidiu mantê-la na prisão.

            A juíza entra de férias a partir da próxima semana. De acordo com o Tribunal de Justiça do Pará, as férias já estavam programadas desde o início do ano.

            Os deputados da CPI do sistema carcerário querem ouvir as explicações da magistrada, em Brasília. Os promotores de Abaetetuba e a presidente do Tribunal de Justiça do Pará também serão convocados.” (fonte: http://g1.globo.com/jornaldaglobo/0,,MUL877800-16021,00-MAIS+ESCANDALO+NO+PARA.html)

  2. Engraçado. Todo mundo gosta de julgar e, quando o fazem, é sem qualquer critério, de afogadilho, apenas com base em ilações… Agora, se a pessoa que está em julgamento é um Juiz, ah!, aí já está condenado, seja ou não culpado…

  3. Gande coisa. Nós advogados sempre já entramos condenados em qualquer julgamento, por mais absurdamente falsa que seja uma acusação feita por um membro do Ministério Público, a ser julgada por um magistrado que odeia a advocacia. Lembro-me que o Presidente da AMB, em certa ocasião, alegou estar indignado pelo fato dessa Magistrada, aposentada compulsoriamente com vencimentos relativamente baixos (algo em torno de 6 mil), estava tendo que vender a única casa para pagar o advogado de defesa. Ora, mas não é isso o que ocorre com todos os demais cidadãos brasileiros? A verdade é que a magistratura pouco se preocupa com os efeitos de uma acusação, seja falsa ou verdadeira, exceto mas quando se trata da própria classe

    1. Prezado Marcos Alves: Concordo!

      Em tempo: Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/1994: “Art. 6º. Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

      “Art. 7º. São direitos do advogado: I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional”.

      CUMPRA-SE!

  4. Medalhas? Todos nós sabemos que isso é uma fantasia, que as pessoas inventaram para agradar seus compadrios. Sinceramente, essa LOMAN precisa urgentemente de mudanças, alías, o Brasil precisa de uma nova LOMAN para dar nova roupagem punitiva a juizes faltosos, aposentadoria é um presentão dos Deuses. Só nesse paisinho de gente mesquinha e tacanha para existir coisa como acabei de ler.

    1. nem que fosse alterada a loman, poder-se-ia prever a perda do cargo de um juiz senão por sentença judicial transitada em julgado. está na constituição, artigo 95, inciso I, o qual é cláusula pétrea, artigo 60, §4. somente uma nova constituição, e com um novo poder constituinte.

        1. Sra. Camila a Sra. Tem algum conhecimento básico de direito? Pergunto sem querer ofender Pq o que a Sra. Disse acima significa um tremendo absurdo jurídico para qualquer estudante de 1 ano em direito! É por demais sabido que mesmo uma nova LOMAN não pode contrariar a CF! A prerrogativa da vitaliciedade, mais do que um privilegio para o juiz, é uma garantia da sociedade de ter um magistrado imparcial, isento e livre das pressões econômicas, políticas e outras inconfessáveis! De mais a mais, quem é que disse que os magistrados criminosos somente podem ser punidos com a aposentadoria compulsória. Ora, esta é a punição máxima na esfera adm., pois este é o conceito de vitaliciedade por nós (poder constituinte originario) adotado. Diferentemente, nos EUA (como gostam de citar aqui os cultos e sem personalidade nacional) o juiz permanece no cargo enquanto bem proceder, com o detalhe que nao incidem sobre seus vencimentos qualquer contribuição previdenciária. Assim, ele só perde o cargo por impeachment, como ocorre aqui com os min. Do STF, STJ e tribunais superiores em geral.
          Já os juízes brasileiros, mesmo apos a aposentadoria compulsória na esfera adm. podem perder esta (cassação) se restar demonstrado em processo judicial com direito ao contraditório e ampla defesa que nao procederam de acordo com os deveres do cargo, ressaltando que as contribuições previdenciarias por ele pagas ao regime (sim, ao contrario dos EUA, no Brasil oconstituinte deu outro significado a garantia da irredutibilidade de vencimentos, pois aqui incide IR, CP, e outros tributos – assim basta um governo intencionado em anular o judiciario aumentar absurdamente a CP devida pelos juízes a ponto de comprometer o seu sustento e da família!) nao sao perdidas e podem ser levadas ao RGPS,como aliás ocorre com qualquer cidadão brasileiroo. Aliás, a Sra. Sabia que qualquer cidadão qdo é preso a sua fãmilia recebe auxilio reclusão, já a família do juiz, se este for preso, vai penar e amargar toda a sorte de privações,Pq a eles nada é devido!
          Acho que antes de começarmos a criticar as coisas devemos pelo menos conhece-las melhor, pois o resto é jogar para a torcida, demagogia pura. Enfim, parece que merecemos os políticos que temos hj, pois sao fruto dessa nossa ignorância coletiva!

        2. Senhora Camila, veja Direitoo direito Constitucional. Nenhuma norma jurídica pode contrariar a Constituição. as punições, administrativas, dos juízes sim estão delineadas na loman., mas esta não pode alterar o artigo 95 da Constituição. se você olhar a ec45/2004,

          1. se você olhar a ec45/2004, havia a possibilidade na pec de instituir a perda do cargo administrativamente, mas o senado a retirou porque era inconstitucional. juiz vitalício só perde o cargo por sentença judicial transitado em julgado, processo com ampla defesa respeitado o devido processo legal. a propósito o comentarista Aldo tem razão porque nos EUA o juiz só perde o cargo por impeachment e em suborno, traição e outros crimes graves . lá nos Estados Unidos um juiz tem mais garantias que o presidente da república porque ele zela pela justiça dos cidadãos dos Estados Unidos da américa. qualquer dúvida procure o site http://www.uscourts.gov, das cortes federais norte-americanas.

  5. Estarrecedor é vc colocar uma criança no meio de 20 marmanjos, marginais de toda espécie. Queria só ver se fosse um parente de juiz, o que vcs fariam? como vcs agiriam? Qto a falsidade, nada a dizer, isso é normal? a Senhora acha bem normal? No pais que nós vivemos tudo é possivel não é doutora?

  6. Serve de exemplo o açodamento em condenar a magistrada em busca dos holofotes Da mídia!mais um caso da escola base de sp…

    1. E a falsidade, meu senhor? não conta? Ou cometer crimes no exercício da profissão agora é lícito, se for, então vamos jogar logo a toalha. Lula também não sabia de nada, no processo do mensalão. Papai noel existe.

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