Indígenas: Carta pede urgência para ações
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgaram carta dirigida à presidente da República, Dilma Rousseff, ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Brito, e aos presidentes do Senado e da Câmara de Deputados em que denunciam o “o quadro de violência e espoliação dos povos indígenas”.
O manifesto, que está recebendo assinaturas de personalidades, associações indígenas e outras entidades, e é divulgado na internet com a ilustração ao lado, afirma que as terras indígenas não são demarcadas com a presteza fincada na Constituição Federal: obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas e órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais.
Segundo a AJD e o CIMI, a falta de delimitação e demarcação dos territórios tradicionais aguça os conflitos que se retroalimentam da inoperância do Poder Judiciário.
Os signatários da carta rejeitam a PEC 215, projeto que consideram “um atentado contra o protagonismo dos povos indígenas no processo constituinte brasileiro”.
Eis a íntegra da manifestação:
Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Ayres Brito e Exmos(as) Srs(as) Ministros(as).
Excelentíssima Presidenta da República Federativa do Brasil, Sra. Dilma Vana Rousseff.
Exmo. Sr. Presidente do Senado, da Câmara Federal e Exmos(as) senadores(as) e deputados(as) federais.
O Estado brasileiro pinta o quadro de violência e espoliação dos povos indígenas, pois não cumpre o artigo 231 da Constituição Federal (CF), que reconhece aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Não cumpriu o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que obriga a União a concluir a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos, a partir de 1988 (apenas 1/3 das terras indígenas foram demarcadas). Anda em descompasso com as normas internacionais, particularmente com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
As terras não são demarcadas com a presteza fincada na CF; obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas, descumprindo a necessidade de consulta e participação; órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais e/ou com estrutura precária. Assim temos o extermínio, a desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica, agravada, especialmente, entre as crianças e jovens indígenas.
A falta de delimitação e demarcação dos territórios tradicionais aguçam os conflitos que se retroalimentam da inoperância do Poder Judiciário. A falta de definição das demandas judiciais agrava a situação das comunidades indígenas.
No STF (e outras instâncias do Poder Judiciário) tramitam processos que tratam das terras indígenas. Premente que o STF julgue, em caráter de urgência e prioridade, todas as ações que envolvam os direitos dos povos indígenas.
A garantia de duração razoável do processo, direito humano previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF, no tema das demarcações, é reforçada pelo marco temporal fixado para a União. Estas normas estão a exigir que o Poder Judiciário dê prioridade a estes processos. Clamamos ao STF que faça cessar o sofrimento do povo indígena. Somente desta forma haverá paz e será construída nova etapa da história brasileira, no qual a primazia da dignidade humana estará presente em sua integralidade, sob a luz da alteridade estabelecida na CF.
Apelamos para a Presidenta da República, para que reverta este quadro dramático, concretizando os direitos constitucionais atribuídos aos índios. Para tanto, aguardamos que estruture e disponibilize o necessário para que seja resguardada a vida dos indígenas, que se dê garantia de segurança e proteção a eles; que se resguarde a incolumidade das comunidades indígenas em todos os aspectos, especialmente quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais; que faça respeitar o caráter sagrado da terra atribuído pelos povos indígenas, providenciando em caráter de urgência as demarcações; que escute suas demandas quando da realização de obras públicas.
O direito ao prazo razoável também se aplica ao processo administrativo. Diante do longo período decorrido do prazo fixado na CF, urge que sejam implementadas políticas públicas para que todos os passos necessários para a regularização de todas as terras indígenas sejam efetivados com presteza.
Conclamamos aos membros do Congresso Nacional para que cumpram a missão constitucional sobre o primado da submissão às cláusulas pétreas, razão pela qual rejeitamos e repudiamos a PEC 215, que pretende retirar do Executivo o processo administrativo das demarcações e homologações de terras indígenas, transferindo-o para o Legislativo, substituindo critérios e competências administrativas técnicas, para inviabilizar as demarcações. Este projeto é sobretudo um atentado contra o protagonismo dos povos indígenas no processo constituinte brasileiro.
É imperativo que o Congresso Nacional resguarde o direito de consulta prévia que os povos indígenas têm em relação a todas propostas legislativas suscetíveis de afetá-los.
Os povos indígenas não podem esperar mais.
A defesa dos direitos indígenas não representa apenas o esforço de superação da primeira das grandes violências da nossa história, mas uma condição político-moral para enfrentarmos as demais violências que praticamos entre nós.