Por que Dipp manteve a prisão de Cachoeira

Frederico Vasconcelos

O “Diário da Justiça” desta segunda-feira (25/6) publica a decisão em que o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu liminar para suspender os efeitos da decisão monocrática do juiz federal Fernando da Costa Tourinho, do TRF-1, que determinara a liberdade de Carlos Augusto de Almeida Ramos, o “Carlinhos Cachoeira”.

Tourinho Neto havia estendido a Cachoeira os efeitos da concessão de liminar ao corréu José Olímpio de Queiroga Neto, que foi liberado com medidas cautelares alternativas à prisão.

O Ministério Público Federal formulou reclamação (*), pois considerou que a extensão da liminar afrontava acórdão do STJ, que, em maio, ao analisar em habeas corpus a prisão decretada pelo juiz federal da 11ª Vara de Goiás, negara a revogação da custódia de Cachoeira (**).

Naquela decisão, da qual Dipp foi o relator, o STJ manteve a prisão preventiva em garantia da ordem pública, “tendo em vista a existência de indícios que revelam a prática permanente dos crimes, e, sobretudo, evidenciam ser o réu membro essencial de organização criminosa, na qual exercia, de forma bem definida, funções de chefia e apoio financeiro, material e logístico”.

O STJ entendeu que havia elementos “a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar e que denotam a periculosidade do réu”. Decidiu, então, pela “necessidade de sua exclusão do universo de ilicitude em apuração”.

A seguir, a íntegra da decisão:

Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, formulada pelo Ministério Público Federal em face de decisão proferida pelo Desembargador Federal Fernando da Costa Tourinho Neto, nos autos do Habeas Corpus n.º 33932-91.2012.4.01.0000/GO/TRF 1.ª Região.

Consta dos autos que o Desembargador Federal Fernando da Costa Tourinho Neto, entendendo que não mais persistiriam os motivos ensejadores da prisão preventiva de José Olímpio Queiroga Neto, decretada por decisão do Juízo Federal da 11.ª Vara da Seção Judiciária de Goiás, concedeu medida liminar a José Olímpio Queiroga Neto, a fim de determinar sua liberdade, fixando medidas cautelares alternativas à prisão.

Após petição da defesa de Carlos Augusto de Almeida Ramos, o referido magistrado entendeu por bem estender os efeitos da concessão liminar ao corréu, considerando cuidar-se do mesmo decreto prisional.

Segundo relata o reclamante, no entanto, a extensão da liminar teria afrontado o acórdão proferido por esta Corte nos autos do HC n.º 238.338/GO, em que foi analisado o decreto prisional proferido pelo Juízo Federal da 11.ª Vara da Seção Judiciária de Goiás e no qual foi denegado o pedido de revogação da custódia de Carlos Augusto de Almeida Ramos.

Aduz o reclamante que não houve qualquer mudança do contexto já analisado por esta Corte no acima referido writ, a justificar a decisão monocrática de extensão de liminar, motivo pelo qual pretende, em sede de liminar, a suspensão dos efeitos da decisão monocrática proferida pelo Desembargador Federal Fernando da Costa Tourinho Neto nos autos do Habeas Corpus n.º 33932-91.2012.4.01.0000/GO em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. No mérito, pugna pela cassação, em definitivo, da decisão.

Assim ficou firmado o acórdão desta Corte:

“CRIMINAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA. CORRUPÇÃO ATIVA. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL E VIOLAÇÃO DE SEGREDO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INDÍCIOS DE EXISTÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, NA QUAL O PACIENTE EXERCE FUNÇÃO ESSENCIAL. PERICULOSIDADE DEMONSTRADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS QUE ISOLADAMENTE NÃO JUSTIFICAM A SOLTURA DO ACUSADO. MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO. INCOMPATIBILIDADE COM A PRISÃO PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA.

I. Paciente que restou denunciado, juntamente com oitenta corréus – dentre eles 43 agentes públicos (6 delegados de policia civil, 2 delegados de policia federal, 30 policiais militares, 1 servidor do DPF, 1 servidor da PRF, 2 agentes de policia civil e 2 servidores municipais) – por supostamente integrar organização criminosa responsável pela prática de crimes de quadrilha, corrupção ativa, violação de sigilo profissional e violação de segredo, cometidos para facilitar a exploração ilegal de jogos de azar.

II. Autos que revelam a existência de indícios da participação do paciente na organização criminosa, considerando o teor das interceptações telefônicas autorizadas no curso das investigações deflagradas pela Polícia Federal.

III. Tendo em vista a existência de indícios que revelam a prática permanente dos crimes, e, sobretudo, evidenciam ser o réu membro essencial de organização criminosa, na qual exercia, de forma bem definida, funções de chefia e apoio financeiro, material e logístico, há que se manter a prisão preventiva contra ele decretada, em garantia da ordem pública.

IV. Condições pessoais favoráveis que não permitem a revogação da prisão preventiva, considerando a existência de elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar e que denotam a periculosidade do réu.

V. A prisão preventiva como modalidade de cautela para garantia da ordem pública é ontologicamente incompatível com a substituição disciplinada no mencionado dispositivo legal, pois implica em liberdade de movimentos do paciente para além da vigilância direta o que contraria expressamente a necessidade de sua exclusão do universo de ilicitude em apuração.

VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.”

(HC 238338/GO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 28/05/2012)

Considerando-se que se trata do mesmo decreto prisional e que a decisão proferida pelo Desembargador reclamado, a princípio, encontra-se firmada em argumentos opostos aos adotados pelo acórdão acima, vislumbro presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora e CONCEDO A LIMINAR pleiteada para determinar a suspensão dos efeitos da decisão monocrática proferida nos autos do Habeas Corpus n.º 33932-91.2012.4.01.0000/GO/TRF 1.ª Região, até a decisão final da presente reclamação.

Comunique-se com urgência.

Solicitem-se informações à autoridade reclamada, no prazo estabelecido no art. 188, inc. I do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Após, vista à douta Subprocuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília (DF), 21 de junho de 2012.

MINISTRO GILSON DIPP

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(*) RECLAMAÇÃO Nº 9.121 – GO
(**) HC n.º 238.338/GO

Comentários

  1. O Direito, por não ser uma ciência exata, permite que um juiz interprete de maneira diferente de outro um mesmo texto legal. Agora, ressalvando-se, obviamente, a independência do desembargador para julgar de acordo com seu entendimento, é impressionante como ele entende diferente de tantos outros. Li outro dia que em 31 pedidos de HC ele concedeu 28. Considerando que algumas decisões dele são por demais polêmicas e passíveis de suspensão liminar, como neste caso, acho que ele mesmo deveria repensar essa pressa em decidir monocraticamente, pois, a cada revogação de suas decisões, seja pelos seus pares na turma a qual pertence, seja pelas instâncias superiores, sua imagem se desgasta ainda mais( o que é problema dele, não nosso), e, o que é pior, desgasta ainda mais imagem do Poder Judiciário (o que, isso sim, é problema nosso, pois a Democracia está escorada num Poder Judiciário que todos necessitamos forte). Quem quiser ter uma idéia de como a imagem do desembargador Tourinho está desgastada, basta ver como os chargistas o tratam nos jornais de grande circulação. Pelo menos dos chargistas, dá para ver que ele já não merece o menor respeito.

    1. Discordo, respeitosamente, Wilson. A Constituição garante ao juiz o direito e a obrigação de julgar de acordo com o seu entendimento, sem se preocupar com o desejo da maioria, sempre expressando o motivo de seu convencimento. Julgar de acordo com o entendimento da maioria, renegando o próprio pensamento, é coisa de juiz medroso! O Brasil é um país democrático.

      1. Esse é justamente o problema. O juiz pode decidir conforme seu entendimento, ainda que seja absurdo, e nada acontecerá com ele, pois não existe controle sobre seus atos como juiz.
        Se, digamos, um juiz resolver que concederá todos habeas corpus de numeração par e negará todos os ímpares, por mais absurdo que isso possa ser, nada acontecerá com ele.

        1. Entendo o seu raciocínio. Mas lembremos de que em todo processo litigioso as duas partes acham que têm razão e devem ganhar a causa. Então, quando o juiz dar o veredito, a parte perdedora normalmente não aceita, acha que foi injustiçada por uma sentença absurda. É por esse motivo que a parte perdedora tem o direito de recorrer aos tribunais superiores e este recurso será julgado por vários desembargadores ou ministros. E assim mesmo a referida sentença poderá ser mantida ou reformada por 2 a 1 ou 6 a 5, por exemplo. Isto é, até os próprios desembargadores ou ministros podem discordar do ponto de vista dos colegas. Trata-se da relatividade ou subjetividade do direito na avaliação de um caso concreto. Esta complicação existe porque o direito não é uma ciência exata.

      2. Carlos, concordo com você, tanto que fiz a ressalva quanto à independência do desembargador para julgar. Sou juiz e faço questão de manter minha independência. O que acho estranho é em 31 Hcs conceder 28, alguns por demais polêmicos e em decisão monocrática. Lembro-me de que no leilão salvo engano, da Usiminas (faz muitos anos), havia umas 36 liminares de juízes federais do Brasil inteiro suspendendo o leilão e um ministro do STJ, quando faltava meia hora para o leilão começar, cassou as 36 liminares numa canetada e liberou o leilão. Será que o ministro analisou um por um os argumentos de cada juiz federal? Receio que não. Será que todos os juízes federais não sabiam nada de Direito e só aquele ministro sabia o que estava fazendo? Já o desembargador Tourinho, numa canetada, proibiu que a polícia ou qualquer pessoa abrisse as caixas apreendidas naquele famoso caso das pilhas de dinheiro apreendido e que seriam da srª Roseana Sarney. Por que tanta preocupação em garantir que as caixas não fossem abertas? Embora o Brasil inteiro estivesse perplexo com aquela foto da pilha de dinheiro, claro que o caso deu em nada, afinal, proibiu-se a utilização das eventuais provas ali existentes.

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