Editores questionam restrições a biografias
Ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal critica a “ditadura da biografia única”
“O Brasil é hoje um país onde somente as biografias chapa-branca têm vez”.
O argumento é usado pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) em ação que pede ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, que, durante o recesso da Corte, conceda liminar para eliminar a necessidade de autorização dos biografados, e de seus herdeiros no caso de personagens falecidos, para a publicação de biografias (*).
A Anel é representada pelo advogado Gustavo Binenbojm na Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil, sustentando que esses dispositivos acabam por atingir as liberdades de expressão e informação, condenando o leitor à “ditadura da biografia única”.
A ação foi distribuída à ministra Cármen Lúcia.
Entre as obras proibidas em nome da proteção da vida privada do biografado, a ação cita as biografias de Garrincha, Guimarães Rosa e Roberto Carlos (**)
Segundo a ação, a dispensa do consentimento prévio do biografado não isenta o biógrafo da culpa em casos de abuso de direito, como o uso de informação sabidamente falsa e ofensiva à honra do biografado: nesses casos será eventualmente cabível a responsabilidade penal ou civil do autor.
Eis alguns trechos da petição:
(…)
As pessoas cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita. Sua história de vida passa a confundir-se com a história coletiva, na medida da sua inserção em eventos de interesse público. Daí que exigir a prévia autorização do biografado (ou de seus familiares, em caso de pessoa falecida) importa consagrar uma verdadeira censura privada à liberdade de expressão dos autores, historiadores e artistas em geral, e ao direito à informação de todos os cidadãos.
(…)
A exigência de prévia autorização do biografado (ou de seus familiares, em caso de pessoa falecida) acarreta vulneração da garantia da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, que o constituinte originário assegurou de forma plena, independentemente de censura ou licença.
(…)
A presente ação não trata da questão do uso da imagem de pessoas públicas por veículos de comunicação. Diversamente, cinge-se esta ação direta à questão da necessidade da autorização do biografado (ou de seus familiares) como condição para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais. Tal interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil deve ser definitivamente afastada do ordenamento jurídico brasileiro, por incompatível com a sistemática constitucional de 1988.
(…)
Do ponto de vista da construção da memória coletiva, os efeitos deletérios da interpretação ora combatida são ainda mais graves. O País se empobrece pelo desestímulo a historiadores e autores em geral, que esbarram invariavelmente em familiares que formulam exigências financeiras cumulativas e, por vezes, contraditórias. Ademais, são igualmente graves as distorções provocadas por uma história contada apenas pelos seus protagonistas.
(…)
Os leitores atentos já devem ter observado como as biografias oficiais selecionam os fatos considerados relevantes, dando ênfase aos momentos de glória e suprimindo ou amenizando as situações menos abonadoras. Assim como ninguém é bom juiz de si próprio, ninguém costuma ser um biógrafo isento de si mesmo.
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(*) ADI 4815
(**) “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha” (STJ, REsp no 521.697, j. 16.02.2006); “Sinfonia de Minas Gerais: a vida e a literatura de João Guimarães Rosa” (TJRJ, processo nº 0180270-36.2008.8.19.0001); “Roberto Carlos em detalhes” (TJRJ, processo nº 0006890-06.2007.8.19.0001). 3 V., e.g., ADIn. nº 165-5/MG, j. 01.02.90, rel. Ministro Celso Mello; ADIn. nº 2.427-2/PR, j. 20.06.2001, rel. Ministro Nelson Jobim; ADIn. nº 1087-5, j. 01.02.95, rel. Ministro Moreira Alves.
Só pela afirmação do comentarista Carlos ” direito à privacidade está acima do direito à liberdade de expressão”, já justifica a proibiçãode biografias sem o aval do biografado. Há pouco, um autor sem escrúpulos (fora do país) tentou distorcer a Vida de Jesus, sem nenhum embasamento histórico. Felizmente, houve tantos erros nesse sentido, que a publicação, por si mesma, revelou-se uma farsa.
Vide o artigo do jurista Ives Gandra, publicado no Jornal do Brasil, em 16.12.2004 sobre o assunto: “A farsa Consagrada”.
Sejamos práticos: ninguém consegue editar um livro com tiragem imensa, distribuir e promover para a venda massiva a não ser que um real e efetivo projeto editorial exista, sob o interesse e riscos atinentes ao negócio. Então, o risco de “qualquer um” poder publicar biografia de outrem é quimera.
Com razão a ANEL ao propor ação para liberar a biografia “não autorizada”. É o cúmulo proibir biografias de pessoas públicas , que muitas vezes integram a cultura e a história, em prol de um interesse particular ou familiar. Caso a família ou o biografado se sinta ofendido, deve procurar o judiciário para obter uma indenização do autor. Mas jamais proibir uma publicação.
Sugestao: ao inves de cair na tentacao da “chapa branca”, a Justica pode determinar que a expressao “nao oficial” conste na capa da obra biografica, quando for o caso.
Assim, o consumidor compra sabendo de antemao que a obra nao tem o aval do biografado ou seus sucessores e a liberdade de expressao e’ preservada.
A notícia diz que “a dispensa do consentimento prévio do biografado não isenta a culpa em caso do abuso de direito”. Meu amigo, depois que o nome do biografado já estiver na lama por causa do “abuso de direito” praticado pelo “biógrafo” (que já estará rico e/ou famoso) será impossível o restabelecimento integral da verdade. O máximo que o prejudicado pode ganhar é alguma indenização em dinheiro por danos morais. E dinheiro nenhum paga uma honra destruída! Acrescente-se que o biógrafo ou a editora poderá alegar que não tem dinheiro para pagar a indenização. E quando a justiça mandar apreender os livros, sempre restarão alguns que ficarão como troféus em poder do “biógrafo” ou de alguém ligado à editora ou à livraria. Acontece como naquela fábula das penas jogadas ao vento! Neste caso, eu acho que o direito à privacidade está acima do direito à liberdade de expressão.
Se a pretensão das editoras for julgada procedente, qualquer pessoa do povo poderá escrever e publicar a biografia do Roberto Carlos, por exemplo, só para vender livro e ganhar dinheiro. E como o Rei é muito querido, milhares de pessoas lançariam sem autorização a biografia dele, já com a certeza do sucesso de vendas. Acho que o STF não vai aceitar os argumentos das editoras.
Desculpe-me, mas essa sua abordagem do problema passa longe da realidade. Li o livro “RC em detalhes” e achei maravilhoso, sem nenhuma agressão à sua “moralidade” ou intimidade. Aliás, ali no livro seu autor é um estudante, e por isso o livro é resultado de uma monografia muito responsável, longamente estudada e supervisionada por professores Mestres e Doutores. RC pisou na bola ao afirmar na imprensa de que sua história ele tinha o direito de contá-la. Em verdade RC hoje em dia só pensa em R$. E nem sei porque… será que vai querer levar pro Outro lado?