‘Proibir livro num Estado de Direito é absurdo’
Jornalista critica proibição de biografia contestada por pessoa citada na obra
A propósito de censura a biografias, tema de ação movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) no Supremo Tribunal Federal [ver post anterior], o jornalista Ricardo Setti publicou em seu blog, no último dia 15/6, o comentário a seguir, sob o título: “A censura, pela Justiça, da biografia do campeão Anderson Silva é um absurdo”.
O texto trata da proibição da circulação do livro “Anderson Spider Silva – O Relato de um Campeão nos Ringues da Vida”, biografia autorizada, escrita pelo jornalista Eduardo Ohata, da Folha.
Eis a íntegra do artigo de Ricardo Setti:
Decisões da Justiça em uma democracia não se discutem, cumprem-se.
Isso para as partes envolvidas.
Jornalista, especialmente de opinião, discute, sim, decisões da Justiça.
Como essa espantosa adotada pelo Tribunal de Justiça do Paraná que, em atenção a medida liminar impetrada por Rudimar Ferdigo, proprietário de uma academia de lutas marciais em Curitiba, mandou proibir a circulação do livro Anderson Spider Silva — O Relato de um Campeão nos Ringues da Vida (Editora Primeira Pessoa), biografia autorizada do grande campeão dos pesos médios do UFC escrita pelo jornalista Eduardo Ohata.
O motivo: ao longo do texto do livro, entre outras declarações, Anderson chama seu ex-treinador de pessoa “do mal”, diz que ele prejudicou pessoas e sugere que comprou sua faixa preta.
Pois então que Ferdigo processe Anderson criminalmente, peça indenizações, faça e aconteça. Proibir um livro, num Estado de Direito democrático, é um absurdo! Anderson expressou, no livro, suas opiniões. É responsável por elas.
Que seja ele processado, se for o caso. Não é admissível que, uma vez mais em uma biografia, pessoas que se sentem prejudicadas acabem prejudicando o público leitor e a liberdade de opinião, assegurada na Constituição.
É aquela velha história: com a ditadura, foi-se a censura. O que resta de censura, hoje, reside no Judiciário, em casos como esse — como ocorreu, durante anos, com Estrela Solitária (Companhia das Letras, 1995), a excelente (e respeitosa) biografia que o jornalista Ruy Castro traçou do grande craque Garrincha, já falecido, contestada na Justiça por suas filhas.
A seguir, notícia sobre a proibição publicada no site “Migalhas“, que transcreve a íntegra da decisão:
A juíza de Direito Sibele Lustosa, da 14ª vara Cível de Curitiba/PR, deferiu liminar para proibir a comercialização da biografia de Anderson Silva “Anderson Spider Silva – O relato de um campeão nos ringues da vida”. O pedido foi feito por Rudimar Fedrigo, dono da academia na qual o lutador dos pesos-médios do UFC treinou no início da carreira.
Segundo Rudimar, a obra contém depoimento de Anderson a um jornalista da Folha de S. Paulo, no qual o lutador teria falado que ele prejudicou outros lutadores e que o considerava “uma pessoa do mal”.
Para Fedrigo, o atleta ofendeu sua honra e cometeu injúria e difamação ao afirmar ainda que ele “nunca tomou um beliscão na vida” e ao colocar em dúvida a lisura de pagamentos da academia a lutadores. O ex-treinador também reivindica uma indenização por danos morais.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
I – RUDIMAR FEDRIGO ajuizou ação deobrigação de fazer contra ANDERSON SILVA eSEXTANTE GMT EDITORES LTDA. Aduz, em sintese, que no livro “Anderson Spider Silva – O relato de um campeão nos ringues da vida” – lançado pela segunda ré e no qual o primeiro, em depoimento a um jornalista, narra a sua vida – há trechos que violam a intimidade, a vida privada e a honra do autor. Requer, em liminar, seja a ré Sextante a)compelida a recolher os exemplares já distribuídos e à venda, mas ainda sob sua consignação, b) proibida de distribuir os livros existentes em estoque sob sua guarda, c) bem como de realizar nova edição da obra sem exclusão dos trechos sobre o autor, tudo sob pena de multa.II – Cumpre, de inicio, consignar que li nesta manhã o livro em questão, cujo exemplar instrui a petição inicial. De fato, há trechos na obra que autorizam a concessão da liminar. Isso porque na p. 62 afirma ser o autor “do mal” e que teria prejudicado outras pessoas. Repete às f. 81/82 a afirmação de que Rudimar prejudicou pessoas. Na p. 73 diz que “Rudimar, dono da academia nunca tomou um beliscão na vida, nem faixa preta é”. Ainda, coloca em dúvida a postura do autor, ao mencionar que um integrante da academia Chute Boxe teria proferido palavras “pesadas e lançavam uma sombra sobre a eventual lisura na prestação de contas da Chute Boxe” (p.88) e, na p. seguinte, que palavras ainda mais pesadas foram ditas, que “atingiam a honra de Rudimar”. Portanto, a principio e em juízo de cognição sumária, e não obstante o direito de livre manifestação,não se pode ignorar que as afirmações atingem esfera intima do autor. É grave acusação de que o proprietário e professor de academia que promove lutas nem faixa preta seria, ao passo que o autor, por sua vez, trouxe um certificado às f. 86. Ainda mais quando o primeiro réu narra e destaca no livro a necessidade do titulo para ministrar aulas (p. 61/62).Também atribuir a outrem a pecha de pessoa “do mal” e por em dúvida sua lisura atingem sua honra subjetiva.Portanto, a principio, a impressão é de uma intenção de desqualificar o autor. Ressalte-se que a tutela a título inibitório resguarda de forma muito mais eficiente o bem jurídico do que indenização posterior, se for o caso. Considerando, ainda, que o autor afirma não ter sido consultado nem autorizado, presentes elementos a deferir a liminar. Por isso, defiro o pedido de liminar, para determinar que a segunda ré: a) recolha, no prazo de dez dias, em todos os pontos de venda os exemplares do livro “Anderson Spider Silva – O relato de um campeão nos ringues da vida” que estejam sob a sua guarda, já distribuídos e à venda, ou seja, tão somente aqueles que estão sob sua consignação (excluídos os exemplares vendidos pela ré aos pontos de venda, e que já não mais lhe pertencem) , sob pena de multa de R$300,00 (trezentos reais) por exemplar nãorecolhido;b) não distribua exemplares existentes em estoque sob sua guarda, igualmente sob pena de multa deR$300,00 (trezentos reais) por exemplar, cuja comercialização e distribuição seja posterior à intimação dessa decisão e c) bem como não realize nova edição da obra semexclusão dos trechos sobre o autor, também sob pena de multa de R$300,00 (trezentos reais) por exemplar cuja comercialização, distribuição ou edição sejam posteriores à intimação dessa decisão. III – Intimem-se da liminar e citem-se os réus para apresentar contestação no prazo de quinze dias, e por intermédio de advogado, sob pena de presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial. IV – Com as respostas, intime-se para impugnação. Int. Dil. —————————————————————————————————- (*) Processo: 0030124-25.2012.8.16.0001
Numa sociedade com um mínimo de maturidade democrática, é a opinião do público que define se uma obra é sensacionalista ou não. Quem se embala na vida de mais alguém que alcançou fama a ponto de merecer uma biografia, diga-se escrita por alguém plenamente habilitado a tanto, deveria se abster de impedir a veiculação em prol do crescimento da sociedade como um todo. Uma dica para o pretenso ofendido: ninguém liga; todos estão preocupados com a trajetória do Anderson apenas.
Não existe direito absoluto, nem mesmo o de liberdade de expressão, que encontra limitação em outros direitos igualmente fundamentais.
“Havendo valores em concurso, princípios em colisão, regras em conflito, algo tem de ceder. E quem deve dizer o que cede é o legislador e, depois, o juiz. Não o jornalista”.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-jul-08/jose-rollemberg-leite-neto-liberdade-imprensa-nao-direito-absoluto