Meta fiscal e desvalorização dos agentes

Frederico Vasconcelos

A “barganha” frustrada de Tribunais e do MP pela revisão anual dos subsídios

Sob o título “LDO e reajuste dos subsídios da Magistratura e do Ministério Público: o acessório mais importante que o principal”, o artigo a seguir é de autoria de Antonio Suxberger, Promotor de Justiça no Distrito Federal, Mestre e Doutor em Direito (*).

Desde 2000, o Brasil conta com uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se da Lei Complementar 101 (LCP 101/2000), que “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. Dentre os diversos temas trazidos pela Lei Complementar, que completou 12 anos de existência no último mês de maio, há capítulo próprio destinado ao “Planejamento” do Estado, que por sua vez traz seção específica para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Da Constituição colhemos que “a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (§ 2.º do art. 165).

Em atenção a esse preceito constitucional, a LCP 101/2000 acrescenta que a LDO deverá dispor sobre equilíbrio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho, normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos, demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas (cf. incisos do art. 4.º da LCP 101/2000).

O projeto de LDO, de iniciativa do Poder Executivo, traz um Anexo de Metas Fiscais, que estabelece “metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes” (§ 1.º do art. 4.º). O § 2.º desse art. 4.º minudencia o que mais consta desse Anexo, de onde destacamos o seguinte: “demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional” (inciso II).

Os meandros técnicos de elaboração da LDO costumam ser enfadonhos para os profissionais do Direito em geral. Mas há, nesse ponto, curiosa exegese (in)constitucional, uma vez mais reafirmada pela notícia de aprovação da LDO para o ano de 2013. No último dia antes do recesso parlamentar de julho do ano corrente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de LDO para o ano de 2013, do qual foi excluída a previsão de reposição das perdas inflacionárias para os subsídios da Magistratura Federal e do Ministério Público da União.

Vale aqui um destaque: a par das considerações a respeito de atual política salarial para os agentes políticos do Estado (ou a ausência dela) e a determinação constitucional de “revisão geral anual” dos subsídios (art. 37, inc. X, da Constituição), certo é que membros do Ministério Público da União (MPU, MPF, MPT e MPDFT) e do Poder Judiciário da União  não têm seus subsídios reajustados desde a edição das Lei 12.041 e 12.042, ambas de 2009.

A justificativa para a retirada da previsão que atenderia ao comando constitucional de reposição salarial – encaminhada tanto pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal quanto pelo Procurador-Geral da República – foi, juridicamente, o atendimento ao inciso II do § 2.º do art. 4.º da LCP 101/2000, isto é, a necessidade de adequação ao “Anexo de Metas Fiscais”, elaborado unilateralmente pelo Poder Executivo, para fins de atendimento à política econômica nacional.

É curioso lembrar que o Supremo Tribunal Federal foi chamado a apreciar a constitucionalidade desse dispositivo legal, quando da apreciação da Medida Cautelar pleiteada na ADI 2.238 (julgamento em 9/8/2007, publicação no DJ de 12/9/2008, relatoria do Ministro Ilmar Galvão).  Do extenso acórdão de 210 laudas, é possível extrair da ementa o seguinte: “O inciso II do § 2º do art. 4º apenas obriga Estados e Municípios a demonstrarem a viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas pela política econômica do Governo Federal (políticas creditícia e de juros, previsões sobre inflação, etc.), o que não encontra óbice na Constituição”.  Será?

Já se vão 12 anos de prática da LCP 101/2000 e a pergunta que se faz é: a autonomia e independência dos Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, tem sido observada (art. 2.º da Constituição)?

Na prática, o que se observa é, anualmente, Tribunais e Ministérios Públicos barganhando pela inclusão, nas LDOs, de previsão compatível com o dever constitucional imposto ao Estado de revisão geral anual dos subsídios de seus agentes políticos. É “barganha” vergonhosamente frustrada, como mostram os últimos anos. Verdadeiramente, tem-se uma imposição, de natureza tecnocrática, aos ditames próprios de um mitigado autogoverno das instituições fixado pela Constituição. A autonomia funcional e administrativa, inclusive com iniciativa legislativa a respeito de política remuneratória, assegurada ao Judiciário e ao Ministério Público (artigos 99 e 127, § 2.º, da Constituição), tem sistematicamente cedido aos ditames de uma “política econômica nacional” (texto legal) pouco clara e nada discutida com a categoria do funcionalismo público em geral.

Quando o STF foi chamado a apreciar o dispositivo legal por conta do risco de vulneração da autonomia tanto das unidades federativas (Estados e Municípios) quanto dos demais Poderes da União e do Ministério Público, limitou-se a afirmar que “o dispositivo não obriga os entes federados à reprodução da política econômica nacional, exigindo, tão somente, a demonstração da viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas para a política econômica pelo Governo Federal no mesmo período, como, v. g., as alusivas à políticas creditícia e de juros, previsões sobre a inflação, etc., o que é coisa diversa, não encontrando óbice na Constituição” (sic – excerto do voto proferido pelo Relator Ministro Ilmar Galvão – ADI 2.238). Conquanto tenha sido ajuizada em 4/7/2000, a ADI ainda aguarda julgamento definitivo.

Os processos de aprovação das LDOs nos últimos anos têm demonstrado o desacerto dessa lídima expectativa do Supremo Tribunal Federal. É que, na prática, a LCP 101/2000 tem se prestado àquilo que se temia quando de sua edição. Em lugar de um diploma moralizador e de fixação de efetiva responsabilidade fiscal ao Estado brasileiro, tem servido ao menoscabo do necessário diálogo político maduro e responsável, dirigido e orientado por balizas fixadas constitucionalmente. A chamada meta fiscal tem servido, em verdade, à desvalorização dos agentes políticos responsáveis pela realização última do próprio Estado.

(*) Texto elaborado em 17/7/2012

Comentários

  1. ao ler os comentarios do post, me resta chegar a conclusao que a judicatura e o MP deveriam ser funcoes meramente voluntarias, sem nenhum tipo de remuneraçao…

    alias, deveria ser obrigatorio o pagamento de alguma contrapartida financeiro do profissional exercer para tao elevados cargos!!!

    1. No federalista n. 78 hamilton já chamava a atenção para a função contramajoritaria do Poder Judiciario, cujas competências residuais (ficou com aquilo que os outros dois poderes nao quiseram porque nao era popular) iria certamente gerar revolta, inveja e desprezo pela população com o passar do tempo. Mas, embora desagradável e indigesta esta função exercida pelo judiciário era extremamente necessário para a manutenção do equilíbrio democrático constitucional, poi o resto seria a ditadura da maioria sufocando as minorias. Quanto mais odiado é sinal que o Poder Judiciario está cumprindo bem a sua função de controle do regime. A necessidade da existência das garantia constitucionais, em especial da irredutibilidade dos vencimentos, decorre daí. Foi sábio o constituinte originário em institui-las, porque senão, hoje o que teríamos na Republica era somente dois poderes e um órgão publico chamado judiciario!

    2. Exatamente, josé rios, algumas pessoas acham que o juiz/promotor deve ter rendimentos próximos à média brasileira – seria algo acima do salário mínimo?
      É nítida a intenção de desvalorizar carreiras importantes para a solidificação da cidadania.
      Enquanto isto, foi divulgado que o advogado do sr. cachoeira teria auferido honorários de quinze milhões de reais. Não é absurdo???

  2. A Magistratura deve sentir saudades da época do Min. JOBIN, vejamos:

    AO/630 – MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO ORIGINÁRIA.
    (…)
    Foi o princípio isonômico que informou a Constituição Federal (arts. 37, XI, e 39, §1º, redação original) e a L. 8.442/92 (art. 1º, Parágrafo único). É plausível a pretensão da inicial. Tudo aponta para a natureza remuneratória do auxílio-moradia. Repito. A decisão administrativa do STF não considerou o referido auxílio para dar eficácia plena à regra da equivalência. Estão presentes os requisitos para concessão de liminar. Há plausibilidade jurídica. Há risco pela mora. A situação será outra quando do advento da lei de fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da república, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (CF, art; 48, XV, acrescido pela EC 19/98). Embora a EC n.º 19 tenha entrado em vigor em 05 de junho de 1998, até o presente momento – um ano e oito meses após – o projeto de lei respectivo não foi enviado à Câmara dos Deputados. Até que seja editada a referida lei, o sistema remuneratório permanece sem modificações. A vigência da lei do subsídio mudará, por completo, o tratamento do tema, uma vez que incidiria, de forma completa, o inciso V do art. 93 da CF, pela redação dada pela EC 19/98. Desaparecerão as regras de equivalência. Sem a edição da lei do subsídio, sobrevive a regra da equivalência. É de ser concedida a liminar. No entanto, ela só poderá ter um destinatário: o Presidente do Supremo Tribunal Federal. O ato de aplicação da equivalência da L. 8.448/92 foi do STF. Os demais tribunais não tinham, como não têm, competência para tal decisão (L. 8.442/92, art. 7º). Concedo a liminar para determinar ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal que: a) emita ato fazendo incluir na parcela autônoma de equivalência, a que se refere a Decisão Administrativa constante da Ata n.º 09, de 12 de agosto de 1992 e nos termos por ela estabelecidos, o valor correspondente ao Auxílio-moradia pago pela Câmara dos Deputados aos seus membros, hoje de R$3.000,00; e b) atenda, quando das conseqüências administrativas decorrentes do contido na letra anterior, o limite referido na Ata da Sessão Administrativa de 14 de abril de 1997, do STF. Intime-se. Publique-se. Brasília, 27 de fevereiro de 2.000. Ministro NELSON JOBIM Relator

  3. a lei de responsabilidade fiscal é o entrave para que servidores recebam o devido reajuste,assim aconteceu com os servidores estaduais lotados em rio grande ao receberem depois de 15 anos no arrocho o devido reajuste,passou -se dois meses e o superintendente mandou cortar 50%das horas extras alegando que a folha estava “extrapolando “a lei de responsabilidade fiscal,tornando assim o reajuste dos servidores”ineficaz” !Pior que “isso”é que,Muitos servidores aproveitaram o aumento para tirarem empréstimos consignados,onde o valor “liberado pela empresa”corresponde a “30% do que recebem,e ,com o corte nas horas extras dois meses depois do reajuste,acabou que esse valor “passou muito além da MARGEM PERMITIDA,O QUE ESTÁ CAUSANDO GRANDE ENDIVIDAMENTO PARA O SERVIDOR,O CERTO É QUE ELES (A EMPRESA”)NÃO LIBERASSE TAMANHO VALOR ,SE,A “INTENÇÃO DELES ERA CORTAR PELA METADE AS HORAS EXTRAS DOS SERVIDORES…

  4. O STF poderia julgar os inúmeros Mandados de Segurança etc existentes em trâmite e por fim a celeuma do reajuste, se há previsão constitucional, que se faça cumprir a CF/88, ou como disse a Vice-PGR exortar a Presidenta Dilma.

  5. É tão ridículo ver alguém que ganha perto de 15x a média salarial brasileira e desfruta de uma série de outras vantagens choramingando por aumento…

    1. Não tente comparar o salário de um juiz ou promotor com a “média” brasileira. Juízes e promotores devem ser bem remunerados em razão da importância de suas funções.
      O que é realmente ridículo é ver invejosos os criticando e querendo nivelar por baixo…

  6. Discordo integralmente dos comentários anteriores. A falta de independência dos poderes é contrária aos interesses da sociedade, na medida em que o Executivo passa a dominar os demais poderes via asfixia econômica.Está na hora de se preservar a real tripartição dos poderes.

  7. Qual será o salário deste promotor? Não dá para saber. Uma coisa é certa, é MUITO maior que o do juiz que trabalha na sala ao lado. Duvidam? Então cobrem a divulgação dos salários dos promotores/procuradores que ao invés de exigir que os outros cumpram a lei deveriam cumprir na própria casa.

    1. Pouco importa o salário de um promotor. Espero que ele seja bem remunerado. Afinal de contas, exerce função essencial. Para que ele tenha independência como promotor, deve receber, sim, um bom salário.

  8. Esse promotor deveria apregoar contra a violência, contra a corrupção, contra a bandidagem pública, incluindo algumas categorias, que, possuem em seu meio vários desvios de dinheiro público. Sinceramente, nos poupem doutor.

    1. Engano seu, importa sim, especialmente por serem os promotores os corneteiros da moralidade e escondem a sete chaves seus ganhos…certamente por não ser possível justificar os absurdos das verbas que recebem. O MP precisa provar de seu próprio veneno. Tem promotor que entra com ação de improbidade por prefeito não responder ofício, mas nada fazer contra o Procurador que não divulga o salário…

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