O sagrado direito de permanecer em silêncio
Ministra Rosa Weber garante direitos à ex-mulher de Carlinhos Cachoeira
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, fez um resumo histórico do direito ao silêncio, ao conceder liminar à Andrea Aprígio, ex-mulher de Carlinhos Cachoeira, que prestará depoimento nesta quarta-feira (8/8) à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que apura atos ilícitos nas Operações Vegas e Monte Carlo.
A defesa de Andrea sustentava que, embora ela tenha sido convocada como testemunha, a Justiça Federal de Goiás determinou o bloqueio de suas contas bancárias, o sequestro dos seus imóveis e a apreensão de seu veículo. Isso, alegam os advogados, pode sinalizar a “alteração de sua condição de testemunha para investigada”.
“A paciente pode, como potencial investigada, ser ouvida, mas com o resguardo dos direitos constitucionais e legais decorrentes dessa condição”, decidiu a ministra.
A liminar assegura a Andrea Aprígio o direito ao silêncio e à assistência do advogado e a garantia de não ser submetida ao compromisso de dizer a verdade, além de não sofrer constrangimentos físicos ou morais por isso.
Eis trechos sobre a garantia do silêncio como mecanismo de proteção, extraídos da decisão da ministra do STF:
O direito ao silêncio – uma das vigas mestras do processo penal em um Estado Democrático de Direito-, é garantido pelo art. 5º, LXIII, da Constituição Federal e pelo art. 186 do Código de Processo Penal.
Em sua origem tinha profunda conotação religiosa. Era um extrato de um comentário sobre a carta de São Paulo aos hebreus pelo chefe de igreja do quarto século São João Crisóstomo. “Eu não digo que vocês devem trair-se a si mesmos em público ou acusar a si mesmos perante outros, mas que vocês devem obedecer o profeta quando disse: ‘Revele seus atos perante Deus'”.
Comentaristas medievais leram essas palavras como estabelecendo um argumento jurídico: homens e mulheres devem confessar seus pecados a Deus, mas eles não devem ser compelidos a revelar seus crimes a mais ninguém.
Durante os séculos XVI e XVII, o direito ao silêncio foi invocado pelas Cortes inglesas da Common Law contra a jurisdição dos tribunais eclesiásticos, no quais não era respeitado, em batalha judicial que se confundiu com a afirmação da própria liberdade de consciência e de crença.
De forma semelhante, o direito de permanecer em silêncio progressivamente se afirmou como mecanismo de proteção das próprias liberdades políticas e de expressão.
Também como pano de fundo, o direito ao silêncio firmou-se como característica diferenciadora de dois modelos de processo penal, um, o inglês, no qual os direitos do acusado eram relativamente resguardados, outro, o continental europeu, fundado na prática de extração mediante tortura de confissões involuntárias do investigado.
Como esclarece o historiador Leonard W. Levy: “Acima de tudo, o direito estava intimamente relacionado com a liberdade de expressão e a liberdade religiosa. Ele era, em sua origem, inquestionavelmente uma invenção daqueles que eram culpados de crimes de conotação religiosa como heresia, xiismo, não-conformidade e, posteriormente, de crimes políticos como traição, sedição e quebra de privilégio parlamentar”.
Mais frequentemente, o crime consistia meramente em crítica ao governo, às políticas deste ou aos seus membros. O direito estava associado, então com culpa por crimes de consciência, de crença ou de associação. Em sentido amplo, não era tanto uma proteção aos culpados ou mesmo aos inocentes, mas uma proteção da liberdade de expressão, da liberdade política e do direito de professar a fé religiosa segundo sua própria consciência.
No Brasil, o direito ao silêncio teve reconhecimento um pouco mais tardio, contemplado que foi no Código de Processo Penal de 1941 e elevado a garantia constitucional apenas com a Constituição de 1988.
Na atualidade, o direito ao silêncio não mais está tão intimamente relacionado às liberdades básicas de expressão, políticas e religiosas. Não obstante, cumpre a importante função de prevenir a extração de confissões involuntárias no processo penal.
Igualmente, está relacionado ao princípio da presunção de inocência, reforçando o importante aspecto de que cabe à Acusação provar a responsabilidade criminal do acusado, que não está obrigado a revelar o que sabe a respeito dos fatos.
De igual relevância, o direito do investigado ou do acusado à assistência de advogado, contemplado expressamente no art. 5º, LXIII, da Constituição da República, é igualmente consectário do direito fundamental à ampla defesa consagrado no art. 5º, LV, da Lei Maior.
Compreendido nesse direito, encontra-se o direito de o investigado entrevistar-se reservadamente com seu advogado, o que é essencial à preparação de sua defesa, e de estar acompanhado de seu advogado quando de sua inquirição, seja em Juízo, seja na fase de investigação preliminar.
Embora as comissões parlamentares de inquérito possuam poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, §3º, da Constituição Federal) e exerçam papel institucional relevantíssimo, estão vinculadas, como todas as demais autoridades com poderes investigatórios, às normas constitucionais e legais de proteção do investigado.
Como é sabido, não existem “zonas imunes” às garantias constitucionais e legais do investigado, qualquer que seja o órgão encarregado da investigação.
(*) HC 114.623
Eis um caso de deturpação de um instituto. A razão histórica não mais se faz presente, mas aplica-se da mesma forma. Trololó aparentemente politicamente correto.Todavia, a conclusão leva à consagração do direito à malangragem.