Saúde: consulta prévia em demandas judiciais
Sob o título “Os Núcleos de Apoio Técnico e a Judicialização da Saúde”, o artigo a seguir é de autoria de João Baptista Galhardo Júnior, Juiz de Direito Titular da Vara da Fazenda Pública de Araraquara (SP) e Assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo e o Governo do Estado firmaram na tarde de segunda feira (3/9) importante parceria para o enfrentamento do grave fenômeno chamado de “Judicialização da Saúde”.
Será disponibilizado aos Juízes do Estado de São Paulo, através da Escola Paulista da Magistratura e da Secretaria de Estado da Saúde, canal de comunicação rápida (meio eletrônico) para sanar dúvidas sobre medicamentos e procedimentos de saúde objetos de ações judiciais.
Fonte do CNJ indica que no Brasil há 240 mil processos na área de saúde. No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça (TJ-RS) concentra quase a metade de todas as demandas do país: 113.953 ações judiciais sobre saúde. Em segundo lugar, São Paulo (TJ-SP) possui 44.690 ações. E o Rio de Janeiro (TJ-RJ) possui 25.234 ações em tramitação (site: www.cnj.jus.br).
O Supremo Tribunal Federal realizou em 2009, audiência pública para tratar do tema, na qual foram discutidas as questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestações de saúde.
Constatada a carência de informações disponibilizadas aos Magistrados a respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas, somada à necessidade de melhor se conhecer as políticas públicas existentes e a organização do sistema público de saúde, assim como a necessidade dos gestores em assegurar a sustentabilidade e gerenciamento do Sistema Único de Saúde – SUS, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação CNJ nº 31, em 30 de março de 2010, que “Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde”.
Para suprir esta necessidade de informações e em atendimento às reivindicações dos gestores para que fossem ouvidos antes da concessão de provimentos judiciais de urgência, entre outras medidas estratégicas, foi expressamente consolidada na Recomendação CNJ nº 31, a adoção preferencial do uso de meio de comunicação rápida (correio eletrônico), para que os Magistrados “ouçam”, quando possível, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência.
Neste sentido, a criação dos Núcleos de Apoio Técnico (NATs) à Judicialização da Saúde tem se mostrado medida de extrema necessidade para dar cumprimento ao disposto pelo Conselho Nacional de Justiça.
Os NATs, que devem ser integrados não só por profissionais da saúde dos três entes públicos (Municípios, Estados, União), mas, também, por profissionais da saúde privada, membros de Universidades Públicas e Privadas de Medicina e de Farmácia, além de operadores do Direito, avaliam, caso a caso, se o que se está pedindo no processo é o mais indicado para o paciente, observando-se a possibilidade de tratamento alternativo com a mesma eficácia já existente no sistema SUS.
A importância na difusão e divulgação das diretrizes e implementações dos Programas de Saúde estabelecidos no País, bem como das políticas existentes, da organização do Sistema Púbico Brasileiro de saúde e do gerenciamento do Sistema Único de Saúde- SUS, passa pela elaboração de projeto que vise dar apoio às instituições, dentre elas o Poder Judiciário, de forma isenta, sempre com intuito de melhor atender o usuário do sistema.
Os NATs visam estabelecer um canal de comunicação entre a Justiça e as Instituições Públicas de Ensino e Pesquisa em Saúde, para efetiva comunicação com os gestores da saúde, antes da apreciação de medidas de urgência, conforme a Recomendação nº 31 do CNJ.
Uma vez reunidos de forma organizada, constituindo uma comissão para atuar em conjunto, respeitadas as subordinações legais, os profissionais do Núcleo atuam previamente nos casos de informações sobre tratamento médico, fornecimento de medicamentos e materiais disponibilizados pelo sistema de saúde público e suplementar, e emitem informações dentro do prazo estabelecido quando requisitadas pela justiça, para auxílio aos Magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões apresentadas relativas à saúde.
Haverá quem critique tal linha de atuação: o Juiz não deve atuar como parte no processo; não deve impulsionar os autos a favor do autor ou do réu. Não lhe cabe consultar previamente qualquer ente, ainda mais o próprio interessado na lide, ou seja, o Poder Público.
Ora, o Magistrado não fere sua independência funcional quando busca apoio técnico de profissionais de outras áreas do conhecimento, especialmente quando se trata de tema tão relevante quanto à saúde. E, dada a urgência posta na maioria dos casos, não há como observar os trâmites burocráticos de uma perícia. Em outras palavras, a consulta prévia aos NATs não enfraquece a força da caneta do Magistrado, mas, apenas, aproxima os dados da ciência aos do direito e da ética, permitindo uma melhor solução.
Muito se discute sobre o papel do Juiz moderno, se deve este atuar apenas como simples aplicador do direito positivo, ou, de ofício, deve buscar alternativas para uma sociedade mais justa, especialmente quando se verifica uma sociedade extremamente desigual como a brasileira.
O Magistrado tem o dever de atuar de forma ampla os poderes que lhes são juridicamente conferidos. Não pode assumir uma postura meramente burocrática; a concessão indiscriminada de liminares nos processos de saúde, sob o argumento de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado (art.196 da CF) ou a negativa generalizada da tutela de urgência, sob o prisma do princípio da reserva do possível (que regula a possibilidade da atuação estatal à existência de recursos públicos disponíveis) em nada contribui para o aperfeiçoamento do sistema de saúde no País.
Espera-se que esta nova ferramenta seja explorada pelos Magistrados Paulistas e que, num futuro breve, se mostre eficaz para minorar o grave problema da judicialização da saúde.
Estou cansado de ver em ações previdenciárias magistrados parciais considerando que o autor “alegou” tal fato, e que o INSS “informou” dada circunstância. Trata-se o ente público como se fosse isento, imparcial, e não tivesse contra si milhões de ações judicias e centenas de bilhões de reais a serem pagos aos cidadãos por ter desrespeitado a lei. Essas decisões, em regra, acabam sendo modificadas através da onerosa tutela recursal.
A vitima (o paciente) não tem todos estes recursos a seu favor. Vitima, sim!. Em todos os sentidos. Principalmente vitimas das promessas eleitorais. Vitima das propagandas dos planos de saúde. O Estado é obrigado a bancar as despesas dos doentes. E fim de papo!
Excelente artigo do colega, que por sinal vem assessorando com brilhantismo a Presidência do TJSP.
De fato “o Magistrado não fere sua independência funcional quando busca apoio técnico de profissionais de outras áreas do conhecimento”. Porém, outra coisa é o juiz buscar junto à parte do processo, interassada no resultado, alegações que são recebidas como “informação”. A parcialidade, neste caso, será clara como a luz do dia.