CNJ reprova concurso para juízes do TJ-SP

Frederico Vasconcelos

Manchetes da notícia sobre a decisão do CNJ que determinou nova prova oral para os candidatos que haviam sido reprovados no concurso para ingresso na magistratura realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

“CNJ determina nova prova para concurso que perguntava sobre gravidez” (de Felipe Seligman, na versão online da Folha).

Trechos do texto:

 Praticamente todos os integrantes do CNJ reconheceram a existência de graves problemas na prova oral, principalmente pelo fato de o TJ-SP realizar entrevistas fechadas com os candidatos, nas quais foram realizadas diversas perguntas subjetivas, que nada tinham a ver com aquilo que o edital afirmava que seria cobrado.

Segundo informações enviadas ao conselho por candidatos reprovados, eles foram alvos de perguntas do tipo: “a senhora está grávida? Não acha que já começaria a carreira como um estorvo para o Poder Judiciário?”; “Qual a sua religião?”; ou “Como é sua família? Tem bases sólidas?”.

 

“Entrevistas secretas de concurso para juiz são ilegais” (Rodrigo Haidar, no “Consultor Jurídico“).

Trechos do texto:

(…)

Da tribuna, [Luís Roberto] Barroso argumentou que o procedimento adotado no concurso “ultrapassou a fronteira de todos os erros escusáveis”. O advogado ressaltou que os próprios desembargadores afirmaram que as entrevistas serviam para verificar, além do conhecimento técnico, se o candidato era “talhado” para o ofício de julgar. Barroso rememorou que essa era a prática adotada pela ditadura militar, para excluir dos concursos as pessoas “inadequadas”. À época, esquerdistas, mulheres separadas e homossexuais. “Ninguém está acima da lei. Nem mesmo o poderoso Tribunal de Justiça de São Paulo. Quem acha que está acima da lei se comporta abaixo da crítica”.

Pedro Lenza, em nome dos aprovados, defendeu, citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que “o Estado não pode brincar com o cidadão”. Segundo ele, “feito o concurso, aprovado o candidato, é preciso dar posse”.

(…)

Já o conselheiro José Lúcio Munhoz, apesar de considerar as entrevistas irregulares e votar também para que os reprovados possam refazer a prova oral, fez questão de “afastar o adjetivo pejorativo de entrevista secreta”. Segundo ele, o Ministério Público faz a mesma entrevista em seus concursos. “Não é algo feito com malícia, de modo a prejudicar, a colher frutos indevidos”, disse.

(…)

O ministro Ayres Britto disse que ficou “muito mal impressionado com o número de vícios graves e grosseiros”. E listou os problemas: “entrevista pessoal, sessão secreta de abertura das notas, não lançamento imediato da nota da prova oral, descarte dos envelopes antes do fim do concurso, arredondamento de notas sem critérios claros”, entre outros.

(…)

 “Não se compreende como pessoas experientes deixaram de cumprir procedimentos tão simples”, disse o relator do processo no CNJ. “O Tribunal de Justiça ignorou os procedimentos”. De acordo com os conselheiros, o tribunal não deu notas aos candidatos após a prova – mas só depois da malfadada entrevista subjetiva –, não lacrou os envelopes e fez a divulgação das notas em sessão secreta, sem informar qualquer dos interessados. Depois, fez uma sessão pública só para informar os resultados. “O conjunto da obra é absurdo”, concluiu Gilberto Valente.

(…)

Além de criticar duramente as entrevistas pessoais, Jorge Helio disse que o TJ de São Paulo parece ter “certa repugnância do CNJ”. Segundo o conselheiro, não é só o tribunal paulista, mas especialmente ele tem um histórico de embate com as regras do CNJ. Ele fez referência a um vídeo em que o presidente do TJ diz aos aprovados que eles poderiam ficar tranquilos, garantindo que o concurso seria homologado mesmo com o caso em discussão no Conselho.

(…)

Bruno Dantas também foi enfático: “Costume secular não prevalece sobre a Constituição de 1988. Algumas tradições seculares precisam ser superadas. O CNJ nasceu para ajudar o Poder Judiciário a superar tradições seculares anti-republicanas, antidemocráticas e, portanto, inconstitucionais”.

Comentários

  1. Vê-se finalmente um passo adiante (apesar de manco) na tormentosa questão da livre distribuição de vagas em concursos públicos da magistratura para apadrinhados, fenômeno amplamente arraigado na cultura judiciária brasileira. Embora na prática para o concurso em questão as consequências sejam quase nenhuma, já que de qualquer forma os candidatos favorecidos com a irregularidade vão tomar posse da mesma forma, a decisão simbólica do CNJ abre caminho para o início de uma ampla discussão, afastando a censura imposta há décadas pelos magistrados com o manejo de ações penais contra aqueles que ousavam discutir em público a problemática. Trata-se, sem dúvida, de uma das maiores derrotas do feudal sistema de dominação do homem pelo homem em vigor em todo o Brasil, embora no momento ainda apenas simbólica.

  2. Mais um vez o CNJ agiu com muita parcimônia. Contudo, acredito que a razoabilidade prevaleu, haja vista que dinate da necessidade de muitos juizes em comarcas o CNJ teve que agir assim. O fato é que o CNJ não fez como no concurso do TJMG que abriu a porteira e deixou a coisa escancarada ( IMORALIDADE). è assim que se constroi a democracia, aos poucos, mas para mim já foi um grande começo. O CNJ horrou o nome, parabens pela decisão, especialmente ao Conselheiro Relator do PCA.

  3. Encontraram todas estas irregulares somente vendo os procedimentos técnicos do concurso, isto ainda sem levar em consideração que a justiça nega a incursão no mérito administrativo, diga-se, devido exclusivamente ao entendimento jurisprudencial, e não por força de Lei.

    Assim, a total subjetividade do mérito da avaliação cabe apenas a banca do concurso. Em outras palavras, os responsáveis pelo concurso, através das provas subjetivas, têm o poder de passarem ou derrubarem quem quiser.

    Já passou da hora de nossa democracia enfrentar esta excrescência herdada do poder imperial, onde a entrada nos vários cargos públicos de poder ainda são monopólios do livre discernimento e vontade de alguns grupos.

    Faria muito bem à nossa democracia se o primeiro concurso a mudar fosse o ingresso nas carreiras da magistratura e ministério público estaduais e federal, sendo de responsabilidade federal, cristalino e com o mínimo possível de subjetividade.

  4. Mais um absurdo cometido pelo TJSP evidencia que as cúpulas dos tribunais brasileios estão apartadas dos princípios constitucionais, sobretudo da transparência dos atos administrativos. O controle social exercido pelo CNJ tem dado sua contribuição, entretanto precisamos de muito mais. Eleiçoes diretas já, inclusive com a participação da magistratura de primeiro grau para votar e ser votada.

  5. Quanto ao voto vencido do presidente do CNJ, proferiddo quando ele já sabia o resultado geral, causa espécie que a imprensa dê tanto destaque. Falou contra até o exame psicotécnico, que nem era alvo de recurso, até onde entendi o caso. Talvez ele considere o sorteio a forma mais democrática de fazer a seleção. Impressionante.

  6. A notícia que fala em anulação do concurso está errada. A anulação seria o voto do relator e ele PERDEU. Houve umoutro voto aderindo a ele, mesmo placar dos que rejeitaram completamente os recursos dos candidatos. Prevaleceu a solução intermediária, com posse dos aprovados e nova prova para os reprovados. Tenho a sincera impressão de que a imprensa ou não entendeu ou não quer entender o resultado (o que é mais provável, dados os textos publicados na segunda-feira, quiçá por interferência dos reclamantes). Eu acompanhei praticamente toda a sessão, tirando intervalos óbvios de jantar, trânsito e queda da qualidade da transmissão pela internet. O problema não é nem o TJ/SP: o CNJ deveria ter feito o mea culpa. A entrevista reservada, como disse o conselheiro Munhoz, não estava vedada. Agora o CNJ vedará. Quanto ao conselheiro Jorge Hélio, ele tentou aumentar uma animosidade mais que presente na sustentação oral do Dr. Barroso. Ao final da sessão, no entanto, o Dr. Barroso disse que nada tinha contra o TJ/SP, posto que ele é advogado. Causa espécie esse recuo dele. Pela sustentação oral dele, não sei como ele não pediu a extinção do TJ/SP. Foi de uma extrema contundência. Extrema.

    1. Concordo. Acho que advogado deve ter limites! Acho mesmo que deveria submeter suas falas, por escrito, ao órgão judiciário, para apenas ler o que forneceu. Temos que acabar com essa liberdade!! Pena que o Barroso consegue grandes vitórias no STF e STJ, porque se não houvesse MS, RE e REsp, suas causas aqui em SP jamais teriam êxito!

    2. É claro que o exame oral foi anulado. Só foi mantida a posse dos 70 (que de fato não tinham nada a ver com as arbitrariedades cometidas pela comissão examinadora) para não prejudicá-los, numa solução jurídica imperfeita (jeitinho brasileiro).
      Vejo que muitos juízes tomaram o questionamento do concurso como grave ofensa pessoal, já que ingressaram na carreira em concursos cujos editais permitiam a extrema subjetividade na seleção de juízes.
      Ocorre que este último concurso foi realizado sob a égide da resolução do CNJ que buscou garantir o respeito à Constituição e a todos os princípios que regem a Administração Pública.
      Quem sabe agora tenhamos juízes de fato mais capacitados…
      Uma nova esperança para os jurisdicionados de São Paulo, que vem sofrendo com o despreparo de alguns dos escolhidos pelo Glorioso Tribunal de Justiça bandeirante.
      Se tivéssemos um chefe como o Ayres Brito, a situação estaria muito melhor, garanto.

      1. É ofensiva a afirmação de que agora teremos juízes mais capacitados. Não os temos? Nessa toada, os candidatos exigirão que os concursos sejam administrados pelo CNJ. Aumentarão os custos, isso sim, mas até aí…Talvez seja este o desejo de gente dentro do CNJ mesmo.

        1. A maioria dos juízes paulistas é capacitada e acima da média, tendo a qualidade de seu trabalho prejudicada pelo excesso de processos judiciais que poderiam ser resolvidos fora do Judiciário.
          Contudo, creio que o aperfeiçoamento dos critérios de seleção de juízes é extremamente necessário. Na minha visão, nos concursos anteriores, o respeito ao princípio da publicidade, dos mais importantes, não foi observado em sua plenitude. Os candidatos devem saber por que foram reprovados; a sociedade deve saber por que determinada pessoa é qualificada para o cargo.
          A mesma publicidade que deveria ter sido dada pela Presidência do TJ e da banca quando o número de vagas foi limitado informalmente.
          Quanto à administração dos concursos pelo CNJ, seria uma péssima ideia.

  7. Parabéns ao Conselheiro Valente e ao Ministro Ayres Britto pela decisão, pois se a etapa é nula, o efeito deve ser para todos. Porém, estamos no Brasil, e a nulidade do exame oral será somente para os não aprovados, dando-lhes a oportunidade de refazerem a prova, enquanto os aprovados a posse imediata, sem a homologação do concurso(!)Ora, como será a escolha das comarcas, que segue a classificação final?Todos os setenta aprovados ficarão na comarca de São Paulo?Os eventuais novos aprovados já estarão classificados do 71º lugar para baixo?Serão dois cursos para formação de novos magistrados?Deixando de lado a bizarrice da decisão, há que se ressaltar a coragem do requerente do PCA, e o tapa na soberba do ETJSP ,em um concurso que propalava a ética, como se tradição secular fosse sinônimo de legalidade!O mínimo que se espera de um Tribunal grandioso é tratar com dignidade e respeito os candidatos a um concurso público.

    1. é impossível dar parabéns ao conselheiro Valente. Aliás, me preocupa o poder que o cargo lhe confere. Certamente, é muito para ele. Ora, como levar em consideração um PCA realizado por candidato com idade inferior ao do Edital???? Com reprovação em exame psicotécnico???Com reprovação em exame oral??? Isso sem contar pontos importantes apontados pelo defensor Rodrigo Capez sobre o candidato assessor. Foi bizarra a liminar baseada nesse PCA. –

      1. A velha prática de tentar derrubar a tese desqualificando seu autor… O concurso é válido porque seu questionador não foi, em tese, indicado no psicossocial…

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