Planos de saúde e lobby no Judiciário – 1
Reportagem publicada nesta segunda-feira (24/9) na Folha, de autoria do editor deste Blog, trata do lobby das operadoras de planos de saúde no Judiciário e da preocupação do setor privado com o aumento das ações judiciais na área de saúde.
Na última sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, presidiu um júri simulado sobre a judicialização da saúde, na Escola Paulista da Magistratura, em São Paulo. O evento foi aberto por dois dirigentes da Unimed, cooperativa de médicos que opera planos de saúde.
A Unimed patrocina encontros com magistrados para discutir o aumento das ações judiciais na área de saúde. Alguns são realizados na sede da cooperativa.
Em agosto, cerca de cem juízes participaram, num final de semana (24/8 a 26/8), de congresso sobre saúde suplementar no hotel Casa Grande, no Guarujá. As despesas dos magistrados e dos acompanhantes foram pagas por operadoras de planos de saúde. O desembargador Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, presidiu a mesa de um dos painéis. A assessoria do TJ-SP informou que Sartori não ficou hospedado no hotel.
A Unimed produziu a “Cartilha de Apoio Médico e Científico ao Judiciário”. No livreto, Caio da Silva Monteiro, diretor da Unimed, diz que a intenção “é proteger o Sistema Unimed das liminares que determinam atendimentos sem a contrapartida financeira”.
Segundo Monteiro, “existe uma tendência natural do Judiciário na intenção de proteger o consumidor em detrimento da operadora”.
Em 2010, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou encontros e convênios para que os juízes recebam apoio técnico ao julgar demandas urgentes relativas à saúde pública e privada. O órgão sugeriu a criação de comissões de médicos, nutricionistas e farmacêuticos nas comarcas, para assessorar juízes e promotores.
“Deixamos para o juiz essa imensa responsabilidade, e o juiz acaba não estando devidamente preparado”, disse Gilmar Mendes no evento realizado na EPM. No ano passado, quem presidiu o júri simulado promovido pela Unimed foi o ministro Dias Toffoli. O júri foi realizado em Campos do Jordão (SP).
Segundo informa o portal da Unimed, o júri presidido por Toffoli “decidiu sobre o tema ‘Equilíbrio das Relações Contratuais’, apontando também a licitude do Sistema Unimed ao demandar o ressarcimento do Sistema Único de Saúde (SUS) em relação a coberturas realizadas, por força de liminar, não previstas em contrato”.
O congresso no Guarujá foi promovido pelo IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), fundado por operadoras de planos de saúde. Teve apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo e de entidades ligadas à magistratura paulista.
O ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, foi um dos palestrantes. “A não ser o pernoite, nada mais é custeado pelos organizadores e apoiadores do evento”, disse o ministro. “Trata-se, para mim, de atividade acadêmica e não de lazer”, afirmou.
Alguns juízes que participaram de encontros promovidos pela Escola Paulista da Magistratura em fóruns no interior de São Paulo não sabiam que a Unimed era patrocinadora.
Eles entendem como “doutrinação” a tentativa de padronização das decisões na primeira instância. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, disse num desses encontros que o juiz toma decisões subjetivas, “pelo teor humano que essas ações carregam”, e que provocam impacto no sistema como um todo. Para os juízes mais críticos, essa é a tese dos planos de saúde.
Recentemente, o CNJ anunciou que produzirá enunciados sobre fornecimento de medicamentos e cobertura de planos de saúde.
Segundo o CNJ, o Judiciário acumula 241 mil processos na área de saúde (dados de 2011). A maior concentração ocorre na Justiça estadual do Rio Grande do Sul (113,9 mil).
Esse é o retrato do Judiciário brasileiro. Autista, não consegue (ou não quer) enxergar o óbvio conflito de interesses envolvidos nesses “seminários”. E pensar que o contribuinte brasileiro paga (e muito) para manter esse colossal sorvidouro de recursos públicos, esta estrutura anacrônica, ineficiente, perdulária, inútil e completamente dispensável. A República merecia mais.
Gostaria de saber como o CNJ vai “padronizar” o fornecimento de remédios, se tal é matéria jurisdicional. O CNJ, realmente, se acha onipotente.