Mensalão: mudanças na aplicação da lei
Do antropólogo Roberto DaMatta, em artigo sob o título “O Supremo Trabalho”, na revista “Época“:
“É notável ver como, nesse caso [o julgamento do mensalão], a discussão da lei pelos ilustres membros da nossa Corte Suprema tornou-se clara e inteligível. Ao mesmo tempo que altas personalidades de um governo singular, um governo cuja figura mais importante era um pobre de Deus, um homem que passou fome –e o partido dessa administração, o Partido dos Trabalhadores (PT), se apresentava como um rigoroso defensor dos direitos do povo e de um sistema igualitário–, são sujeitas a um fulminante libelo do procurador-geral da República, e têm sido condenadas pela corte num espantoso trabalho de aplicação da lei”.
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“O fato de romper a hierarquia que sempre personalizou nosso estilo de fazer política, a dimensão profundamente igualitária com que os autos foram ordenados, a acusação e a defesa foram realizadas, revela uma mudança de postura na aplicação da lei que terá resultados exemplares”.
Do procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), na mesma revista:
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“O Supremo despertou para um fato evidente: numa sofisticada dinâmica criminal, exigir o elemento livresco do ato de ofício é uma tolice”.
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“O Supremo está se reconciliando com a República. Suprimiu uma jurisprudência nefasta para o país. Era preciso que o bandido usasse a máscara dos Irmãos Metralha para ser visto como tal”.
Do presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Leôncio Ribeiro, sobre a redução de formalidades para aceitação de provas no caso do mensalão:
“O Supremo adotou posições de vanguarda”.
A revista informa que a associação designou um delegado aposentado da Polícia Federal para acompanhar as sessões do julgamento do mensalão no STF. O resultado dessa análise será usado em seminário para que os policiais discutam a repercussão das decisões para seu trabalho.
Tenho que o aspecto mais relevante dos votos condenatórios no caso “Mensalão” é o reconhecimento pelo STF de que indício é prova, prova lógica, e, portanto, analisada com os critérios que lhe são próprios, serve de fundamento para sentença penal condenatória.
Parece-me que também foi reconhecido, ainda que implicitamente, que o dolo, por ser elemento subjetivo do fato criminoso, é insuscetível de prova direta, mas somente pode ser inferido a partir de incídios, salvo na hipótese excepcional de o criminoso, além de confessar que praticou o fato, declarar que “quis” praticá-lo (e admitindo-se que confissão é meio de prova…).
Geralmente, é afirmando que indícios, mesmo veementes, constituem “início de prova”, ou classificando-os como “meros elementos de suspeita”, e, ainda, exigindo prova direta de dolo que o Judiciário tem absolvido os “criminosos intelectuais”, entre os quais estão os detentores de poder econômico ou político.
N minha humilde opinião, boa parte do STF começou a se dar conta que, no grande problema nacional, a impunidade, tinha uma enorme cota de responsabilidade.Pelas defesas apresentadas, nas sustentações orais, a crença de que tudo iria dar em nada, achincalhando o MP, como sempre, reforçava a descrença de boa parte da sociedade honesta e melhor informada que realmente cairíamos, definitivamente, no fundo do poço.
Todavia, pela pressão da imprensa – considerada golpista pelo PT quando ela não está servindo a seus imteresses espúrios – e grupos melhor articulados da sociedade civil, a maioria do STF resolveu fazer a lição de casa, e aplicar a lei da mesma forma como se faz em primeiro grau com acusados de menor poder político, econômico ou social.
A teoria do “domínio do fato”, que tem em sua gênese crimes de guerra, serviu para atacar outra agressão mortal à sociedade: a corrupção pelos aparatos do Estado.Vale dizer: quando crimes se valem de estruturas que podem “despersonalizar” ou cultar o agente criminoso mandante, cumpre atentar para quem, na estrutura do poder, teria força para agir de forma encoberta. Não se olvide a figura do autor intelectual e o autor material de delitos, da figura dos co-autores, da participação criminosa que gradua a sanção de acordo com o grau de colaboração. Nada disso é novidade.
Diferentemente do constrangedor voto do ministro relator, a tese não chega atrasada e nem fora de uso.Teorias evoluem na sua aplicação e reformulação.
É isso que está acontecendo no STF.Não seria de causar tanto espanto se as Cortes Superiores sempre tivessem cumprido bem sua função.