TJ-MG: Desembargador critica promoções

Frederico Vasconcelos

CNJ não inibiu vícios e nem impediu novas suspeitas de favorecimento a parentes

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais volta a enfrentar a suspeita de beneficiar filhos de magistrados em lista tríplice de juízes candidatos ao cargo de desembargador, preterindo dezenas de outros juízes.

A suspeita foi levantada durante reunião do Órgão Especial, na última quarta-feira (24/10). Convocado como suplente para participar da votação, o desembargador Oliveira Firmo recusou-se a tomar parte no processo de escolha.

“Não me compraz participar de um jogo em que os interesses pessoais, os conhecimentos particulares e íntimos se sobrepõem, por vezes avessos à boa moral, para apenas cultuar uma linhagem, um partido, uma crença, uma irmandade, um clã ou grupelhos. São favores muito bem compensados, amizades muitíssimo remuneradas, linhagens altamente prestigiadas”, afirmou o magistrado, em pronunciamento que pediu para constar nos anais.

Ao se declarar suspeito em participar do expediente, Firmo registrou: “Não me concederei participar deste banquete de abusados, em que não se serve, no prato da isenção, a melhor justiça para os comensais da Casa”.

Em março último, em nome da “segurança jurídica”, o CNJ manteve promoções contestadas pela Anamages (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais). A entidade alegara que, em 2006, o TJ-MG beneficiou parentes de desembargadores e ex-dirigentes da Amagis (Associação dos Magistrados Mineiros), em detrimento de juízes mais antigos.

Naquele procedimento administrativo, as irregularidades foram admitidas pelo relator, conselheiro Tourinho Neto: “Efetivamente, não foram publicados os editais, não foram observados os critérios objetivos, nem elaborados os quadros comparativos, o que, por consequência, desborda na falta da devida motivação dos votos dos desembargadores para escolha de membros para o TJ-MG pelo critério de merecimento”.

Mas o CNJ apostou na hipótese de que as suspeitas de favorecimento não se repetiriam, conforme voto do relator: “Doravante, contudo, não há concessões a serem feitas. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, se já não o estiver fazendo, deve seguir, rigorosamente, as normas para promoção de juízes ao cargo de desembargador” (*).

O Blog colocou o espaço à disposição para eventual contestação do tribunal.

Eis trechos da manifestação de Oliveira Firmo:

(…)

A despeito de o CNJ ter adotado o sistema objetivo de pontos para avaliar o merecimento do candidato em relação a cada um dos referidos critérios, deixou espaço à subjetividade do eleitor.

(…)

Muitos, a despeito de eleitores, consentem-se e ficam à vontade em se envolver na mais franca e explícita campanha por um apadrinhado, fazendo acrescer aos eventuais méritos do “seu” candidato aquela simpatia ou amizade que ele, cabo eleitoral, tenha para com o outro eleitor

(…)

Infelizmente, percebe-se frustrâneo o esforço do CNJ e mesmo deste Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) em regular minimamente o sistema de promoções, no particular pelo critério de merecimento, à vista de uma nefasta cultura que até hoje tem ecos, na base de compadrios e amizades, familiaridades, sangue e paga de obrigação. É o tom dos bastidores, que os corredores denunciam, fato notório a quem queira dele saber.

(…)

Todos esses velhos expedientes sobreviveram e se adaptaram, até mesmo foram aperfeiçoados frente ao novo sistema de escolha do candidato à promoção por merecimento. A pontuação devidamente fundamentada que é hoje exigida do eleitor não foi capaz de cessar a antiga prática do “beija mão”.

(…)

Não concebo possa um eleitor deste Órgão Especial se lançar em franca (nem velada) campanha a favor de um candidato qualquer sem que se torne suspeito para votar com isenção. É critério de julgamento a que me lanço, é carapuça que visto, embora por nenhum candidato pedi voto.

Não sou, nem me pretendo, o paladino da verdade. Limito-me a colocar-me em posição inequívoca a favor do que acredito, convencido de que o existente não é um bom caminho. Enquanto essa via equívoca, por vezes maldosa e mal cheirosa, houver de ser o corredor de entrada desta Casa, por onde, aliás, muitos passamos – e embora em minha sola repouse a lama seca desta ignomínia, limito-me a carregar esta mácula tão baixo quanto ela se ache –, não me concederei participar deste banquete de abusados, em que não se serve, no prato da isenção, a melhor justiça para os comensais da Casa. Aliás, nem todos são convidados, primeiro há os escolhidos.

O fato deste equivocado sistema ter contribuído para ou mesmo regido minha promoção ao cargo de Desembargador não me desobriga de contestá-lo quando me é dado participar, ator de sua complexa engrenagem.  Antes tal não me era possível, por óbvio.

(…)

Jamais pretendi chegar ao Tribunal para repetir o que muito critiquei. Se me não é dado, por completa e absoluta falta de liderança, simpatia, engenho, saber e arte, congregar aderentes à causa que considero boa, enquanto nela me fiar farei, grave, evidente esta opinião, dela ao menos deixando registro nos anais desta Casa. De tudo, resto consolado: não fui omisso nem abjurei.

(*) PCA Nº 0002229-45.2009.2.00.0000

Comentários

  1. Caro Frederico, seria interessante se vc fizesse um levantamento para saber quantos tribunais de justiça, estão, de fato, aplicando as regras do CNJ para as promoções por merecimento. Tenho certeza que serão poucos ou talvez nenhum.

  2. Mas que Desembargador porreta. Fica resgistrado o meu grande respeito a ele. Parabens, Desembargador Oliveira Firmo.

  3. O Desembargador Oliveira Firmo merece os maiores elogios pela coragem de externar seu ponto de vista de forma tão incisiva, categórica e verdadeira – sobretudo por fazê-lo exatamente diante das pessoas que deviam ouvi-lo (quais sejam, seus pares). Que essa postura sirva de estímulo para que outros que comungam do mesmo pensamento tenham igual coragem de bradar pela mudança de comportamento dos nossos órgãos de cúpula.

  4. Duas coisas espantosas. A primeira, boa, é a hombridade deste homem, para gravar o nome, Oliveira Firmo, digno da lanterna de Diógenes. A segunda, péssima, é a triste constatação que nas nossas instituições ainda imperam o atraso e o compadrio. Desta monta, como confiar na justiça brasileira se até para questões discutidas à luz do dia acontecem tais teratológicas situações? Quando ao lado do direito e justiça, é torcer para que seu processo seja distribuído para os Oliverias Firminos? Assim, como confiar que as decisões são isentas ao mesmo tempo que podem ser tão elásticas, pois, emprestando as palavras do Douto Desembargador, a lei também “deixou espaço à subjetividade” do julgador? Diga-se, total subjetividade.

  5. As entranhas do Poder Judiciário, dissecadas pelo Desembargador, na linha do que muito de nós estamos dizendo há anos, por vezes sentando no banco dos réus apenas por dizer a verdade. Tarda uma atuação mais pujante do CNJ no sentido de acabar com essa desavergonhada questão que é a escolha de magistrados no Brasil.

    1. A assertiva “desavergonhada questão que é a escolha de magistrados no Brasil” não pode ficar isolada. Deve prender-se a algum ou alguns casos concretos. Seria razoável e de inegável lealdade que o missivista apontasse as razões concretas que o levaram a escrever assim. Como prestei concurso em 1.979, fui aprovado, sou filho de comerciante e sem nenhuma tradição familiar na área jurídica, não aceito a imputação. Não sou desembargador por compadrio, mas por força da Constituição.

      1. Senhor José Araldo. O seu colega, aqui das Gerais, é reconhecidamente um magistrado operante e sério. Somos muitos os advogados que o dizemos com essas e tantas outras qualidades. A fala dele, naquela assentada, é a de todos nós, vez que desmandos muitos foram praticados no TJMG. Cito que ali há, à guiza de exemplo, duas desembargadoras – filha e esposa de ex-presidentes, respectivamente, que ascenderam ao tribunal “passando de passagem” por comarcas próximas à da capital. Pudera! Um deles (ex-presidentes) foi “entronado” no cargo (era advogado) quando o pai presidia a corte. Ele, o “entronado” também foi presidente. O que fez de mais relevante no cargo foi criar uma comenda para homenagear o sogro – pai da sua esposa – também desembargadora. É sofrível, não? É vergonhoso, não? Muito embora saibamos, assim com diz o senhor, que centenas de outros ali estão merecidamente, o agasalho de tamanhos descalabros mancha o judiciário, fazendo com que a sociedade, todos nós, desacreditemos essa instituição – veja que sou um operador do direito que não aceito e não comungo com falcatruas… e com profunda dor exponho esses tumores que estão falindo o PJ.

        1. Caro Antonio de Moura! Meu comentário dirigiu-se ao de autoria do Sr. Marcos Alves Pintar.

          1. Não é necessário que eu aponte aqui casos concretos. Basta uma “googleada” para se verificar um amplo universo de fatos relacionados a desvios em processos de seleção de magistrados. Aqui mesmo no Blog do Fred há inúmeras notícias relacionadas, sendo as mais recentes referentes ao TJSP. O que é importante frisar é que, mesmo tendo o CNJ estabelecendo regras rígidas a respeito de concursos, volta e meia surgem questionamentos inúmeros. Imagine-se quando não existia CNJ, e simplesmente ninguém a reclamar!

Comments are closed.