Audiência do mensalão concorre com novela

Frederico Vasconcelos

Juiz critica holofotes e diz que cobertura ao vivo policia votos dos julgadores

A análise a seguir, sobre o que teria ocorrido se o julgamento do mensalão estivesse sob sigilo, é de autoria de Isaias Caldeira Veloso, juiz da comarca de Montes Claros (MG):

Êta velho mundo novo! O tempo é a roldana da história, e ela se reproduz a cada volta deste relógio, mesmo como farsa, dizem. Mas se reproduz. Madalenas sempre existirão em todas as civilizações e em todos os tempos. A hipocrisia humana necessita de autos-da-fé para nos redimir, em alívio de nossas culpas, desde que outros sejam os expiadores.

Antigamente a multidão reunia-se na praça onde seria imolado o condenado, num frenesi histérico, pouco importando se inocente ou culpado. Era o preço que o governante então pagava para aliviar as tensões da época, sossegando a inquietude e o descontentamento populares. Punindo-se alguém de forma radical, o sangue do condenado lavava as nódoas nacionais e todos se sentiam expurgados de seus pecados, de modo a continuarem com as mesmas práticas, até um novo martírio.

Hoje é diante das televisões que a platéia se põe. Não faço aqui crítica ao julgamento do mensalão quanto as decisões alí tomadas, afinal deram-se dentro das normas Constitucionais e penais vigentes. Os honrados ministros do STF têm a plena consciência que estão criando paradigmas, de forma que os demais tribunais e juízes balizarão suas decisões em matéria penal no precedente da Corte Superior. Estão fixando diretrizes nas análises de concurso de crimes e fixação de penas, daí o tamanho da responsabilidade deste julgamento. São homens e mulheres íntegros, de grande saber jurídico, todos querendo fazer o melhor no ofício de julgar.

Mas sou critico do modelo de publicização do processo, da mídia como jurada e do público que bate palmas enquanto se executa a peça, sem prejuízo de autógrafos nos intervalos,fazendo com que os atores aumentem o volume de suas vozes para serem ouvidos. Afinal, os microfones estão abertos, as televisões ligadas, e nas casas, nos bares e especialmente nas redações midiáticas, policiam-se os votos dos julgadores, não sendo incomum críticas e insinuações àqueles que frustaram expectativas, como se fossem meros serviçais da opinião pública.

Como manter-se impassível aos holofotes da TV, aos olhos acusadores de uma mídia que antecipa votos, que vaticina penas e aos libelos de colunistas rancorosos, mas de grande prestígio?

A cobertura do julgamento concorreu em audiência com novela de sucesso da maior emissora do país. Analistas apressados já anunciam um Brasil novo depois deste processo. Mas outros julgamentos virão, com novas cobranças da mídia e há de se encontrar um limite à pressão popular, haurida nos editoriais dos grandes jornais e na politização dos fatos.

Assim, creio no aperfeiçoamento do modelo, com a cobertura dos atos processuais obedecendo um mínimo de isenção, por força de lei, possibilitando aos julgadores a tranquilidade benéfica ao desiderato da justiça.

Por ora temo que, ao final, como na novela das oito, os vilões não sejam tão maus, e assim como a vilã principal, tenham o perdão do público, embora na vida real as punições já tenham sido aplicadas e as prisões se consolidado, restando inútil a tardia remissão popular.

Comentários

  1. “Virtus in medius”. Nem tanto ao mar e tampouco a terra.

    Ministros do Supremo Alemão ficaram estarrecidos em visita a Suprema Corte, com esta amplitude aqui verificada. Na época, em curso um julgamento de repercussão, a mídia chegou a registrar troca de emails entre um tal de “cupido” e ministra da Corte.

    Então o abuso iria além da transmissão das sessões, confirmada por vários que passam pela experiência, dizendo ficar mais demorado o julgamento, ante a tal fogueira das vaidades, inerente a todos os serem humanos, sem exceção. Talvez Senor Abravanel já tenha apagado uns 95% da sua. Também pudera, após mais de uns setenta anos em seu programa dominical ! – o decano dos apresentadores brasileiros.

    Daí, seguem os intermináveis apartes, para não se perder a oportunidade de expor a brilhante ideia que tem prontinho no notebook. Como o caso concreto para aplicação, sob sua relatoria, nunca chega, vai ali mesmo, no caso do outro ministro e nem tanto ajustado ao conteúdo em julgamento. Mas é só deitar tudo em ‘leito de procusto’ e propagar a verborragia afiada.

    Diziam eles, os alemães: lá a gente entra, fecha a porta e decide. Depois sai para divulgar o resultado do julgamento. Punto e Basta.

    Recentemente, vi um telejornal jornal brasileiro transmitindo imagens daquela Corte, cujos integrantes abriram a a tal porta, de lá saindo e se alinhavam lado a lado, E DE PÉ. Um deles, ao centro fez uso da palavra para divulgar a tal decisão. E nada mais.

    O Caso em discussão: questionamento acerca da injeção de recursos alemães no Banco Central da CEU, para subsidiar a bancarrota dos outros países. Foi mantida – gastando-se não mais de CINCO MINUTOS para a declaração.

    É lógico que no Brasil isto seria impensável.

    Mas as sessões, abertas, onde todos possam comparecer, com sustentações orais, questões de ordem e tudo o mais, inclusive solicitação do advogado para esclarecer MATÉRIA DE FATO, depois os intermináveis embargos de declaração que na verdade parecem buscar a mantença do vigor de liminares concedidas em primeiro grau, até sabe-se lá quando (a extinção da empresa e/ou a dilapidação do seu patrimônio, talvez), já está para lá de bom.

    A diferença entre mídia e rua, verbalizada por JB na bancada do STF, tem aplicação aqui. E no caso, a transmissão ao vivo da sessão em que ocorrida, curiosamente prestou um bom serviço ao País.

  2. Sim, existe mesmo a problemática que o Articulista levanta. Porém, não é menos verdadeiro que julgamentos sigilosos, ou de publicidade restrita, congregam inúmeras outras mazelas, muito mais prejudiciais do que a ampla publicidade. O dilema da publicidade versus sigilo é o mesmo entre culpados e inocentes. Pode ocorrer que alguém seja acusado (e isso ocorre todo o tempo) e ao final seja considerado como inocente. Mas, se assim não fosse, os culpados não poderiam ser condenados. Trata-se de um dilema que nunca será vencido.

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