“A quem interessa a ‘PEC da Impunidade'”?

Frederico Vasconcelos

Procuradores da República deploram aprovação da PEC 37/2011 pela Câmara

O comunicado a seguir foi divulgado pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) em protesto contra a aprovação, por comissão da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011 –a chamada “PEC da Impunidade”–, que pretende retirar o poder de investigação do Ministério Público.
Segundo o presidente da ANPR, Alexandre Camanho de Assis, trata-se de “modelo oposto aos adotados por países desenvolvidos como a Alemanha, a França, a Espanha, Itália e Portugal”.
Segundo a nota da entidade, “estudos apontam que apenas três países estabelecem sistemas onde a polícia tem a exclusividade da investigação criminal: Quênia, Uganda e Indonésia”.
Eis a íntegra da manifestação:

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público deplorar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37/2011. Também conhecida como PEC da Impunidade, a proposição retira o poder de investigação do MP, confinando-o às polícias Federal e Civil. Para os procuradores da República, as consequências serão desastrosas para o incipiente combate à corrupção e outros crimes no Brasil.

Aprovada ontem, 21, pela Comissão Especial que trata do tema na Câmara dos Deputados, a PEC 37/2011 segue agora para o Plenário e depois para o Senado. Cientes de sua responsabilidade perante a manutenção da Democracia, os procuradores da República consideram a proposta uma afronta à sociedade – que acaba de retomar a crença na Justiça – e questionam: a quem interessa essa emenda?

Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que, entre 2002 e 2008, houve desvios de R$ 40 bilhões em contratos com o governo. Calar o MP em um país com índices tão altos de corrupção constitui um retrocesso intolerável para as instituições democráticas do país. Certamente, a medida já granjeou o poio e o aplauso da criminalidade organizada.

Nos últimos anos, o papel dos procuradores da República foi fundamental para a desarticulação de grandes esquemas de desvio de dinheiro público e do crime organizado, como as operações Anaconda, Caixa de Pandora, Satiagraha e Monte Carlo, e o próprio Mensalão, cujo julgamento foi um dos maiores avanços já alcançados pela sociedade brasileira.

Para os procuradores da República, o pressuposto da exclusividade no processo investigatório é um brutal e inexplicável retrocesso para o país e ameaça a integração de forças entre as diversas instituições públicas que atuam na investigação de crimes. Com a investigação privativa às polícias, a redução do número de órgãos que podem fiscalizar será uma vitória para a impunidade.

A ANPR entende que a realização de diligências investigatórias diretamente pelo MP simplemente decorre do modelo processual brasileiro e é congênita a seu perfil e missão constitucionais. Além disso, o poder de investigação por membros do MP está previsto em diversos tratados internacionais firmados pelo Brasil.

Ao contrário do que esta proposta descabida tenta pregar, é necessário destacar que a parceria entre o MP e as polícias já acontece por todo o território brasileiro, em um esforço dos agentes públicos de se articularem na busca de maior qualidade para suas ações. O projeto divorcia-se de vez dos sistemas vigentes nos países civilizados, onde o MP é quem dirige a investigação criminal.

Nas nações em que o MP não investiga diretamente, a polícia é subordinada a ele, diferentemente do Brasil, onde as corporações são ligadas ao Poder Executivo. Causa perplexidade aos procuradores da República a possibilidade de adoção de um modelo rudimentar, que ostensivamente desserve à sociedade, na medida em que, entre outros males, despreza a necessidade de eficiência máxima na elucidação dos crimes. Vale ressaltar que o sistema proposto pela PEC, no cenário contemporâneo, só vingou no Quênia, Uganda e Indonésia. Tudo indica que, uma vez saída de um ambiente francamente favorável mas completamente artificial, a PEC não subsistirá em cenários efetivamente representativos da sociedade brasileira e do próprio país – os plenários da Câmara e do Senado. Os procuradores da República confiam no Parlamento brasileiro e no seu indefectível compromisso com o aprimoramento das instituições.

Confira abaixo 10 motivos pelos quais a ANPR é contra a PEC da Impunidade:

1. Reduz o número de órgãos para fiscalizar. Além de impedir o Ministério Público, evita que órgãos como a Receita Federal, Controladoria-Geral da União, COAF, Banco Central, Previdência Social, IBAMA, Fiscos e Controladorias Estaduais.

2. Polícias Civis e Federais não têm capacidade operacional nem dispõem de pessoal ou meios materiais para levar adiante todas as notícias de crimes registradas. Dados estatísticos revelam que a maioria dos cidadãos que noticiam ilícitos à Polícia não tem retorno dos boletins de ocorrência que registram, e inúmeros sequer são chamados a depor na fase policial. Percentual significativo dos casos noticiados também jamais é concluído pela Polícia. Relatório do Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP) aponta, em relação aos homicídios que apenas 5 a 8% das investigações são concluídas.

3. Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. Em inúmeras ações, o entendimento foi favorável ao poder de investigação. O STF, contudo, iniciou o julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral para colocar fim à polêmica. Condenações recentes de acusados por corrupção, tortura, violência policial e crimes de extermínio contaram com investigação do MP, nas quais a polícia foi omissa.

4. Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal, já que permitirá que os réus em inúmeros procedimentos criminais suscitem novos questionamentos processuais sobre supostas nulidades, retardando as investigações e colocando em liberdade responsáveis por crimes graves.

5. Vai na contramão de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre eles a Convenção de Palermo (que trata do combate ao crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção), a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que determinam a ampla participação do Ministério Público nas investigações.

6. Define modelo oposto aos adotados por países desenvolvidos como a Alemanha, a França, a Espanha, Itália e Portugal, onde os atos investigatórios são feitos pela Polícia sob a condução e a orientação do Ministério Público e do Judiciário, sendo suas instruções irrecusáveis. Vale ressaltar que estudos apontam que apenas três países estabelecem sistemas onde a polícia tem a exclusividade da investigação criminal: Quênia, Uganda e Indonésia.

7. Nega alterações previstas no PL que institui o Novo Código do Processo Penal, que regulamenta a investigação criminal como gênero diverso da espécie denominada inquérito policial, e cria a chamada ?investigação defensiva?, a ser realizada por advogado ou defensor público para identificação de fontes de prova em favor da defesa do investigado.

8. Cria um dissenso quanto à sua aprovação dentro da própria polícia; a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) afirmou em nota que “a despeito de sua condição de policial, manifesta-se contrariamente à PEC em atenção à estrutura interna da polícia federal e aos dados sobre a eficácia do inquérito policial no Brasil, com baixos indicadores de solução de homicídios em diversas metrópoles, que, a seu ver, evidenciam a ineficácia do instrumento, e desautorizam que lhe seja conferida exclusividade”.

9. Obstrui o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de persecução penal; um exemplo é a ENASP, que reuniu esforços de policiais, delegados de polícia e de membros do Ministério Público e do Judiciário, ensejando a propositura de mais de oito mil denúncias, 100 mil inquéritos baixados para diligências e mais de 150 mil movimentações de procedimentos antigos.

10. Tenta esvaziar atribuições constitucionalmente reconhecidas aos membros do Ministério Público e enfraquece o combate à criminalidade; além de ignorar a exaustiva regulação existente no âmbito do Ministério Público para as investigações, não reconhece a atuação de órgãos correicionais (Conselho Superior e Conselho Nacional do Ministério Público), bem como do próprio Judiciário, nem, tampouco, o quanto estabelece o artigo 129 da Constituição. 

 Alexandre Camanho de Assis

Procurador Regional da República

Presidente da ANPR 

Comentários

    1. Caro Daniel, grato pela mensagem. Reproduzirei no Blog a nota conjunta das associações dos delegados. abs. fred

  1. Os membros do mp nao conseguem concorrer com os 7 mil policiais federais, que e o orgão com maio espaço da midia.
    Investigar nao e poder, mais obrigação, que nao pode ser escolhida ou pincelada.
    Na epoca da ditadura pessoas eram retiradas de suas casas, por “diversos” orgãos de investigação, e ocorreu as desgraças. Portanto centralizar este assunto e a forma de assegurar ao cidadão os seus direitos.
    Se o mp fosse eficiente, a criminalidade em sao paulo seria, zero, porque ha mais de 20 anos que o cargo de secretario de seguraça e ocupado pelo MP.

  2. A PEC 37/2011 é “um dos maiores avanços que se pode conceber ao Estado Democrático de Direito contra os abusos de quem como parte quer investigar sem qualquer controle sendo o controlador da lei como fiscal da mesma..”

  3. Trago a discussão aqui duas notícias “da semana”, que interessam ao tema impunidade versus atuação do Ministério Público:

    “Luciene Neves, 24, integrante de um grupo de jovens católicos que atende vítimas da violência, foi morta na noite de anteontem a 73 metros de sua casa, no Jardim São Luís, zona sul da capital. Por volta das 23h, durante o jogo Brasil e Argentina, uma moto com dois homens parou em frente ao bar do Buiú, onde 15 pessoas, incluindo Luciene, assistiam a um show sertanejo, tradicional às quartas-feiras. Um dos homens pulou da moto, entrou no bar ainda de capacete e apontou a arma, disparando cerca de 30 vezes, afirmam testemunhas. Três tiros acertaram Luciene. Ela morreu no local, diante de primos e amigos.” (fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1189870-militante-antiviolencia-e-morta-com-tres-tiros-em-chacina-em-sao-paulo.shtml).

    “O jornalista e policial aposentado Eduardo Carvalho, 51 anos, foi morto a tiros na noite de quarta-feira (21), em frente de casa, no bairro Giocondo Orsi, em Campo Grande. Segundo a Polícia Civil, ele recolhia a moto na garagem quando foi surpreendido por dois homens. (…) Eduardo Carvalho é proprietário do site UHNews, conhecido por divulgar matérias policiais e bastidores da política. Segundo a Polícia Civil, cerca de 20 boletins de ocorrência foram registrados contra o jornalista desde 2005, a maioria por ameaça, calúnia, injúria e difamação. O último registro foi em julho de 2012. Carvalho também registrou ocorrência policial em fevereiro de 2006 dizendo ter sido vítima de ameaça. O corpo do jornalista está no Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol) de Campo Grande e deve ser liberado somente no fim da manhã.” (fonte: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2012/11/jornalista-e-morto-tiros-em-frente-de-casa-em-campo-grande.html).

    Observe-se que os dois crimes mencionados acima, apenas dois entre dezenas que ocorrem todas as semanas, são seguramente o mais intolerável tipo de delito. Além de violar o direito à vida, voltam-se a “eliminar” do seio da sociedade pessoas que se dispuseram a, arriscando a própria vida, adotar postura ativa em face a desmandos e crimes diversos, mesmo sem receber qualquer remuneração, apoio ou proteção do Estado. Assim, pergunto: onde está a atuação do Ministério Público em crimes desta natureza? O Ministério Público instaura investigação própria, quando verifica que as investigações policiais foram falhas ou inexistentes? Há atuação do Parquet para que sejam implementadas mudanças no sentido de identificar e punir delinquentes que atacam e matam pessoas de notória atuação em favor do regime democrático e dos direitos humanos? O que vai mudar efetivamente, em relação a essas espécies de delitos, se o Ministério Público for impedido de investigar?

  4. A denominação “PEC da Impunidade” é absolutamente sem sentido. Querem os membros do Ministério Público dizer que se há mais órgãos investigando, supostamente a criminalidade estaria “mais controlada”, e assim a PEC estaria a fomentar a impunidade. Ledo engano. A criminalidade se encontra disseminada por toda a sociedade e em todos os escalões do Estado e, também, junto ao Ministério Público. Há pessoas da mais elevada honrabilidade no Parquet, da mesma forma que há entre eles “ovelhas negras”, assim como em qualquer outra instituição ou grupo de pessoas. E o que se tem visto, nos últimos anos (e os números sobre a criminalidade apontam bem isso), é um grande número de acusações sem sentido, de um lado, e uma ausência de atuação em inúmeros outros delitos, muitos deles com autoria amplamente conhecida. Acusa-se inocentes, e acoberta-se delinquentes. Veja-se que o crime de mais ampla gravidade é o homicídio. No Brasil, os números indicam que o número de assassinatos é superior a países em guerra. De cada 100 assassinatos, em 92% dos casos sequer há alguma investigação. Nos casos que são investigados, aponta-se um culpado em cerca de 3%, restando efetivamente condenados algo em torno de 1 em cada 100 assassinatos. Vê-se o Ministério Público instaurando investigações próprias para investigar assassinatos? Raramente (pessoalmente nunca ouvi dizer). Há ações do Ministério Público procurando implementar condições para que essa triste realidade seja alterada? Praticamente nenhuma.

  5. É claro, que os politicos querem acabar com essa força atual dos MP’s, seja Federal, seja estadual. Ladrão não costuma aceitar investigação constra eles e seus parentes. È como que, o MP fosse um grande ” cachorro feroz”, mas, eles querem tirar os dentes desse cão, e deixá-lo a fiscalizar as verbas públicas. Estou com o MP nessa até a morte, apoio incondicional aos MP’S. No entanto, isso serve também para que os MP’s façam uma refelxão sobre muitas coisas.

    1. Dr. Camanho,

      Como é sabido, o Autor da PEC é um deputado federal chamado Bernardo Santana do PR-MG, ele é um investigado cotumaz do MPF, por isso a mágoa.

      1. E, afinal, quantas vezes o Deputado Bernardo Santana foi condenado por sentença definitiva, a partir das investigações do Ministério Público? Sim, porque a mesma penada que veicula uma denúncia séria, formulada de forma isenta, também serve para a prática do crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 399 do Código Penal.

      2. Acusações falsas sempre foram a “mola mestre” de todos os regimes ditatoriais existentes. No caso do Ministério Público, seus membros também estão submetidos à lei e em tese respondem também pelos crimes de denunciação caluniosa, abuso de autoridade e prevaricação. Mas, na prática, jamais se vê responsabilização alguma vez que a ação penal, nesses casos, incumbe ao próprio Ministério Público, que se assim se autoimuniza. Presente o crime, pede-se o arquivamento e ninguém mais fala disso, restando a vítima impossibilitada de agir frente à titularidade exclusiva da ação penal de iniciativa pública.

  6. Fico assutado ao ouvir que o Legislativo cogita a ideia de retirar o poder de investigar,não somente do Ministério Publico como também de outras instiuições. A qual orgão restaria essa função, pois somente ele tem autonomia ( há um distânciamento dele com indicações ou favorecimentos) para conduzir de forma a garantir imparcialidade. Acredito que o Legislativo para qual votei ira cumprir a funçao, a de garantir os interesse do povo.

  7. A Associação “se esqueceu” de mencionar, curiosamente, os enormes prejuízos sociais e orçamentários que investigações iniciadas por motivos puramente políticos ou ideológicos, ou seja, para perseguir, vem causando ao funcionamento do Judiciário e do Estado brasileiro. O MP instaura investigação, sai acusando seus desafetos, e quando o caso é submetido ao contraditório, muitas vezes com prisões decretadas e amplo estardalhaço na imprensa, verifica-se que não é nada daqui que se diz. Em um mundo ideal, não tenho dúvidas de que o Ministério Público, como titular da ação penal, deveria ter o poder de investigar. Mas esse poder, no Brasil, mostrou-se transviado, sendo certo que a Instituição não se encontra suficientemente amadurecida para assumir tais responsabilidades, infelizmente.

    1. Quem quiser ser político precisa se submeter! Se o governo fosse tucano aí você apoiava? Contra a Privataria pode, contra o PT não pode? Não me interessa se Tucano ou PT, corrupto não tem preferência partidária e a classe política DEVE SIM SE SUBMETER AO ESCRUTÍNIO DO MP.

      1. o nobre advogado apenas externou uma opinião. ele como qualquer brasileiro tem o direito de tê-la, pois vivemos numa democracia. “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.Voltaire

      2. Creio que o Comentarista, aparentemente mais preocupado com a política partidária, não leu o comentário adequadamente. As ações de improbidade administrativa e tutela penal que envolve políticos e partidos é apenas uma das facetas que envolve a atuação do Ministério Público. A atuação do Parquet vai muito além, não se resumindo nem de longe ao “duelo” PT versus PSDB.

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