Para aprimorar, e não desmantelar o MP

Frederico Vasconcelos
Sob o título “O MP e a sedução do espetáculo”, o artigo a seguir é de autoria de Rafael Valim, advogado, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP(*). O texto foi publicado originalmente na “[em] Revista“, editada pelo escritório de advocacia Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh.

A Constituição Federal de 1988 confiou ao Ministério Público elevados objetivos, aos quais corresponderam indispensáveis competências e garantias institucionais. Edificou-se uma instituição inteiramente vocacionada à defesa da sociedade, cuja atuação tem sido decisiva na afirmação da trôpega democracia brasileira.

A importância e o protagonismo do Ministério Público não devem ocultar, entretanto, os desacertos em que, à semelhança de qualquer instituição, incorre. Os membros do Ministério Público não são seres superiores, infensos às paixões humanas, tampouco estão acima da ordem jurídica. Cometem equívocos e devem responder por seus atos, como qualquer agente público.

Convém assinalar, de qualquer modo, que o reconhecimento da falibilidade do Ministério Público jamais justificará, por exemplo, propostas tendentes a suprimir seus poderes investigatórios. Impõese o aprimoramento, e não o desmantelamento da instituição.

O tratamento conferido à informação pelo Ministério Público é justamente um dos pontos que estão a merecer aprimoramento e que, não raras vezes, rendem-lhe merecidas críticas.

Nos últimos tempos, o Ministério Público converteu-se em uma das principais fontes da imprensa nacional, dentro do contexto de transformação do jornalismo investigativo em “jornalismo sobre investigações”. Tal circunstância é prenhe de consequências, as quais não podem ser negligenciadas pela sociedade brasileira, verdadeira destinatária das atividades desempenhadas pelo Ministério Público.

Condenações midiáticas

O Ministério Público e a imprensa, embora muitos insistam em dizer o contrário, não compartilham interesses comuns. Há muito se desvaneceu a ingênua ideia de “neutralidade objetiva” do jornalismo, cuja atuação seria presidida exclusivamente por interesses públicos. A história prova, à saciedade, que a imprensa é guiada por interesses específicos, inconfundíveis com os interesses assinados ao Ministério Público pela Constituição Federal.

A assimilação dessa realidade revela a necessidade de o Ministério Público manter uma interlocução transparente, veraz, cautelosa, equilibrada e responsável com a imprensa. São inadmissíveis a execração pública de investigados, os chamados “vazamentos” de informações à imprensa, os acordos de exclusividade com jornalistas e quejandos.

Com efeito, é de rigor proscrever a lamentável prática de “condenações midiáticas de acusados”, para as quais concorre frequentemente o Ministério Público. As garantias do devido processo legal, da presunção de inocência e da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas constituem direitos fundamentais que o Ministério Público não deve apenas respeitar, senão que proteger de forma intransigente.

A defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de que está incumbido o Ministério Público nos termos do art. 127 da Carta Magna, implica, necessariamente, a irrestrita proteção dos direitos e garantias fundamentais de todos os indivíduos, entre os quais, obviamente, figuram os investigados por supostas práticas delituosas.

O Ministério Público, para servir verdadeiramente à sociedade, deve portar-se como um legítimo guardião da Constituição Federal e, nessa medida, distanciar-se da espetacularização que, lamentavelmente, marca a sociedade contemporânea.

(*) O autor é mestre e doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP; especialista em Direito Constitucional pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha); professor da PUCSP, Universidade Nacional de Cuyo e Universidade Nacional de Comahue (Argentina).

Comentários

  1. É só haver uma boa condenação e surgem as vozes contra o MP.

    Por que os juízes que acolhem as acusações não são igualmente combatidos?

    1. Para mim, os juízes apanham ainda mais que os membros do MP. Querem tirar a vitaliciedade dos juízes, por exemplo. E discutem prerrogativas dos juizes que não se questiona do MP como licença prêmio e auxílio alimentação. ..

  2. Há um problema quando uma entidade,como o MP,não entende seus limites e quer se colocar acima do bem e do mal.

    Comportamentos inadequados tem consequências,e nesse caso,a consequência é a PEC 37 .

  3. O articulista comete o curial pecado de generalizar, com o propósito claro de atacar toda a instituição …
    Fatos ,nomes e datas deveriam ter sido trazido a colação,senão cai na critica vazia e a serviço sabe-se lá de quem!

  4. A Constituição Federal de 1988, no Capítulo IV, ao tratar: “Das Funções Essenciais à Justiça – Seção I – Do Ministério Público. Diz o Artigo 127: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indisponíveis”. “& l° São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. Desde o governo do ex-presidente Lula que se vem cogitando de apresentar propostas tendentes a suprimiu seus poderes investigatórios . Poderá o poder de investigar, ficar exclusivamente a cargo de uma polícia que não tem independência funcional?

  5. Belo artigo Fred. O articulista acertou em cheio, defende o MP, mas, cobra responsabilidades, inclusive o MP deve corrigir os seus erros, para manter a sua crdibilidade junto a sociedade brasileira, é uma instituição em formação e crescimento. Portanto, defendo o trabalho dos promotores e procuradores de justiça, dos procuradores da República, e torço para que a PEC 37 de autoria de pessoa desqualificada para tal, seja derrubada em nome da transparencia, da ética e da moralidade. Por fim, entre o MP com seus erros e desvios, e os politicos corruptos, fico mil vez com o MP, pois, sei que é uma instituição, que agrega muitas, mas, muitas pessoas de coragem, responsabilidades, e querem o bem da sociedade e que posso confiar.

  6. Aprimorar, para que o MP sirva verdadeiramente a sociedade é válido e constitucional. Entretanto, aprovar uma PEC onde somente a autoridade policial detem o poder de investigação, é no mínimo temerário. Ai de nós, ante a sanha truculenta de alguns.

  7. O artigo é excelente. Retrata de maneira objetiva, o uso que vem fazendo o MP dos “tais poderes de investigação”. Parabéns ao articulista.

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